Inclusão de Burnout como doença do trabalho

Inclusão de Burnout como doença do trabalho

Inclusão de Burnout como doença do trabalho pode garantir benefícios previdenciários a professores

No próximo dia 1º de janeiro completará um ano de inclusão da Síndrome de Burnout no rol de doenças da OMS; 72% dos trabalhadores brasileiros têm diagnóstico de estresse e 32%, de Burnout

Por Jacira Silveira / Publicado em 15 de dezembro de 2022

 

Inclusão de Burnout como doença do trabalho pode garantir benefícios previdenciários a professores

Foto: Igor Sperotto

 

No próximo dia 1º de janeiro completará um ano de inclusão da Síndrome de Burnout no rol de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS). Conforme a International Stress Management (ISMA) – entidade presente em 12 países, incluindo o Brasil, voltada à prevenção de doenças ligadas ao estresse –, 72% dos trabalhadores brasileiros têm diagnóstico de estresse e 32%, de Burnout. Nesse contexto, o enquadramento da Síndrome de Burnout na CID – 11 como doença ocupacional pode garantir benefício junto à Previdência Social.

Tudo começou com o diagnóstico de uma gastrite bacteriana. Há mais de dez anos, Aline (nome fictício) trabalha no ensino superior da rede privada do RS e sempre adorou o que faz. Em dezembro do ano passado, ela foi parar no hospital e precisou fazer uma cirurgia de emergência. Quando voltou para casa, ainda em recuperação, uma de suas preocupações era com as atividades de fechamento de semestre. “Mas eu não me sentia bem, estava com crises de choro e achava que era por causa da cirurgia.” Mas não era. Ao buscar um profissional em psiquiatria, veio o diagnóstico de Síndrome de Burnout.

Também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, Burnout foi identificada pela primeira vez pelo psicólogo norte-americano Herbert Freudenberger, em 1974, descrevendo esse distúrbio psíquico como relacionado ao trabalho. Em nível mundial, especialistas calculam que a síndrome afeta 10% dos trabalhadores e, nas formas mais severas, entre 2% e 5%, prejudicando especialmente aqueles que têm empregos relacionados ao cuidado com pessoas.

Diante deste cenário progressivo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu incluir Burnout na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), identificando-a pelo código CID 11 – Burnout. Assim, desde 1º de janeiro deste ano, a síndrome passou a ser reconhecida como doença ocupacional, o que acarreta direitos previdenciários e uma proteção contra desligamentos relacionados ao esgotamento do profissional.

Segundo dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), a média de concessão de benefícios em casos de adoecimento mental entre os anos de 2019 e 2022 no Brasil foi de 244 mil por ano, quanto aos dados relativos a Burnout; entretanto, ainda não há registro, informa a Assessoria Especial de Comunicação do Ministério.

No caso de Aline, contudo, o diagnóstico de Burnout não chegou a tempo para que ela pudesse garantir o benefício junto à Previdência, além dos quinze dias de afastamento inicial. A solução temporária então foi pedir licença-interesse, com redução de carga horária e salário, a fim de amenizar o volume de trabalho e as exigências de suas funções. Há nove meses com acompanhamento psiquiátrico, a professora não descarta a possibilidade de recorrer novamente ao INSS, buscando, dessa vez, o benefício do novo enquadramento da Burnout. “Só o fato de pensar em retornar às 40 horas, já começo a ficar um pouco angustiada,” desabafa.

Borramento do horário de trabalho

Fernando Negri Fracasso integra a equipe de psiquiatras do Instituto Abuchaim, em Porto Alegre, que oferece serviços de psiquiatria clínica e psicoterapia. Atualmente, 10% de seus pacientes têm diagnóstico de Burnout, o qual, na sua avaliação, é um número expressivo, uma vez que existem vários adoecimentos emocionais possíveis. Durante o auge da pandemia, Fernando comenta que esse índice chegou a 50% entre os profissionais da saúde, mas que também era percebido entre bancários e professores.

Para Fernando, os professores foram os que mais sofreram com a pandemia, quando as exigências triplicaram, extrapolando as jornadas diárias, em uma espécie de “borramento entre o horário de trabalho e o horário de descanso”, contextualiza.

Esse excesso de trabalho irá aparecer no consultório tanto através de novos clientes como entre aqueles que já faziam terapia. “Eram pessoas que estavam satisfeitas com o trabalho, felizes com suas tarefas”, comenta. Mas daí surgiram as queixas. Conforme o psiquiatra, as pessoas começaram a ficar negativas com relação ao trabalho, decepcionadas consigo mesmas por nunca conseguir alcançar as demandas. “Essa é uma das características da Burnout, o profissional deseja corresponder e sofre porque não consegue”, explica. E o desfecho pode ser ainda pior se esses sintomas não forem levados a sério, “pode resultar em depressão”, adverte.

Nesse contexto, Fernando comemora a classificação de Burnout como doença do trabalho porque, segundo ele, faz parte do tratamento reduzir ou evitar o tempo de convívio no ambiente da empresa. Ele relata o caso de um de seus pacientes que, durante muito tempo, foi impossível estabelecer esse nexo causal, porque vinha sempre a alegação de ser o caso de doença psiquiátrica, isentando completamente a responsabilidade do local de trabalho com o adoecimento do trabalhador. Recentemente, esse paciente conseguiu o benefício com o diagnóstico de Burnout. “É difícil para o indivíduo combater o sistema e conseguir sozinho se recuperar ou não adoecer”, acrescenta.

Burnout e professores

Inclusão de Burnout como doença do trabalho pode garantir benefícios previdenciários a professores

Janine Kieling Monteiro, professora dos programas de pós-graduação de Psicologia e
Enfermagem da Unisinos.   
Foto: Igor Sperotto

 

De acordo com Janine Kieling Monteiro, professora dos programas de pós-graduação de Psicologia e Enfermagem da Unisinos, conceitualmente, os autores que estudam Burnout entendem a síndrome como estresse cronificado do trabalho, ou seja, um trabalhador que tem um estresse prolongado no ambiente profissional pode vir a desenvolver a doença. Nesse sentido, a síndrome é compreendida como uma questão processual, em que algumas pessoas podem apresentar uma das três dimensões que caracterizam a síndrome: exaustão emocional; despersonalização, sensação de baixa realização e eficácia profissional.

Ao comentar a pesquisa realizada em 2012 sob sua coordenação, intitulada Avaliação do Nível de Estresse em Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul, Janine afirma que a prevalência da Burnout só tem aumentado. À época, considerando as três variáveis que caracterizam a síndrome, os números revelaram que a prevalência de estresse foi de 58,4%, com predominância na fase de resistência (50,5%), e os sintomas que mais se destacaram foram o cansaço excessivo e a tensão muscular.

Citando dados mais recentes, Janine aponta estudos realizados na Universidade Federal de Santa Catarina, tendo como referência trabalhos publicados nos últimos 15 anos (2006 a 2021). Tais estudos indicaram alto índice de exaustão emocional dos professores, variando de 5,6 a 69% de prevalência de Burnout. Os estudos revelam, ainda, índice importante no grau de despersonalização, variando de 0,94 a 55%, e baixa realização profissional entre 1,2 e 56,6% dos participantes. “A baixa realização pode comprometer a satisfação profissional do indivíduo, assim como as condições de trabalho e a falta de perspectivas profissionais dos professores cada vez mais contribuem para o abandono de emprego do professor”, adverte o estudo.

Leia também:

Angústia coletiva, burnout: os efeitos da pandemia na saúde dos professores

 

https://www.extraclasse.org.br/educacao/2022/12/inclusao-de-burnout-como-doenca-do-trabalho-pode-garantir-beneficios-previdenciarios-a-professores/ 




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