Inconsistências do SUS da Educação
SUS da Educação volta ao Senado com inconsistências
Texto prevê cadastro nacional de alunos (CPF de estudantes), plataforma integrada de dados e novas instâncias de cooperação entre União, estados e municípios
Por César Fraga / Publicado em 11 de setembro de 2025

Foto: Pedro França/Agência Senado
Na votação do SUS da Educação na Câmara, foi rejeitada a emenda que vinculava o CAQ a resultados em avaliações de larga escala — medida considerada pela Campanha como ameaça ao princípio constitucional do financiamento por insumos
O projeto que cria o Sistema Nacional de Educação (SNE) PLP 235/2019, considerado o “SUS da Educação”, volta a ser debatido no Senado depois da aprovação na Câmara dos Deputados, no último dia 3 de setembro. A proposta, de autoria do senador Flávio Arns (PSB-PR), tramitou na forma de um substitutivo apresentado pelo deputado Rafael Brito (MDB-AL), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação.
O texto estabelece normas de cooperação entre União, estados e municípios e prevê a criação de uma plataforma nacional com dados integrados de escolas, estudantes e qualidade de ensino. Cada aluno terá uma identificação nacional, permitindo interoperabilidade entre os sistemas de gestão educacional.
Segundo Flávio Arns, o SNE busca repetir, na educação, a experiência de governança do Sistema Único de Saúde. “Assim como o SUS transformou a saúde ao adotar uma governança interfederativa, o SNE também fará isso na educação. Esse modelo não retira autonomia dos estados e municípios. Pelo contrário, amplia a participação desses entes nas políticas”, afirmou o senador.
Estrutura de governança
O projeto cria a Comissão Intergestores Tripartite da Educação (Cite), coordenada pelo Ministério da Educação, responsável por articular estratégias para as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). A Cite terá composição paritária, com seis representantes da União, seis dos estados e seis dos municípios.
Entre suas atribuições, estão:
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definição de padrões mínimos de qualidade para a educação básica, levando em conta infraestrutura, carreira docente e jornada escolar;
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adoção do Custo Aluno Qualidade (CAQ) como parâmetro para financiamento, progressivamente elevado;
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articulação de instâncias permanentes de pactuação em cada estado.
O substitutivo também prevê avaliações nacionais a cada dois anos, com participação mínima de 80% dos alunos em exames, além da análise das condições de gestão, infraestrutura e rendimento escolar.
Educação indígena, quilombola e superior
O texto garante especificidades para a educação indígena e quilombola, incluindo consulta prévia às comunidades e funcionamento de escolas dentro dos territórios. Já no ensino superior, os padrões definidos servirão de referência para autorizações, supervisão e regulação da oferta de cursos.
O financiamento contará com mecanismos já previstos em lei, como Prouni e Fies. Estados, municípios e União deverão manter programas de assistência estudantil e ações afirmativas, incluindo cotas para pretos, pardos, indígenas e alunos oriundos de escolas públicas.
Críticas e divergências ao SUS da Educação
Apesar de avanços, o projeto recebeu críticas. Para Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a proposta “ficou aquém do que o SUS da Educação precisava”. Ela destacou que houve recuos em pontos centrais, mas reconheceu a preservação do CAQ como vitória: “Conseguimos evitar que ele fosse desvirtuado para uma lógica meritocrática que poderia aprofundar desigualdades”.
Na votação, foi rejeitada a emenda que vinculava o CAQ a resultados em avaliações de larga escala — medida considerada pela Campanha como ameaça ao princípio constitucional do financiamento por insumos.
Outros parlamentares também apontaram fragilidades. O deputado Kim Kataguiri (União-SP) criticou a falta de responsabilização de gestores pelos resultados, enquanto Adriana Ventura (Novo-SP) questionou riscos de insegurança jurídica para o ensino privado e superior.
Já a deputada Carol Dartora (PT-PR) destacou avanços antirracistas: “O texto reconhece as especificidades das populações quilombolas, indígenas e do campo, garantindo acesso, permanência e consulta prévia e informada”.
Relação do SUS da Educação com o PNE
O SNE está previsto na Constituição de 1988, mas nunca saiu do papel. O PNE de 2014 determinava sua criação até 2016, prazo não cumprido. Agora, sua aprovação se conecta à tramitação do novo Plano Nacional de Educação, em discussão no Congresso.
Pesquisadores lembram que o PNE em vigor chega ao fim sem cumprir 90% de suas metas, sobretudo por falta de financiamento. Mesmo assim, houve avanços no acesso à educação infantil e ao ensino fundamental.
A expectativa é que o Senado fortaleça o texto do SNE e aprove uma versão capaz de garantir qualidade, financiamento adequado e gestão democrática, demandas históricas da comunidade educacional.
Como ficou a versão da Câmara do SUS da Educação
A versão dos deputados para o SUS da Educação prevê que todos os estudantes terão um Identificador Nacional Único do Estudante (INUE), que será o mesmo número do CPF. Isso permitirá dados mais precisos sobre alunos que abandonam a escola, dificuldades de transporte e trocas de escolas, por exemplo.
Além disso, o texto prevê uma futura Infraestrutura Nacional de Dados da Educação (INDE), para unir informações dos estabelecimentos e sistemas de ensino. Municípios, estados e União têm seus próprios sistemas de educação, que poderão conversar entre si. Por outro lado, os municípios não serão obrigados a se integrar aos sistemas estaduais.
Comissão
O Poder Executivo federal deverá criar a Comissão Intergestores Tripartite da Educação (Cite) para sugerir políticas educacionais comuns em nível nacional. Para isso, ela será composta por 18 representantes — seis da União, seis dos estados e seis dos municípios. A comissão poderá propor prioridades e divisões de responsabilidade para o MEC, secretarias estaduais e municipais, por exemplo.
Também terá o poder de impor um padrão mínimo de qualidade na educação básica, que vai da creche ao ensino médio. A comissão será uma das responsáveis pelo cálculo do indicador Custo Aluno Qualidade, que mede a necessidade das escolas e ajuda a definir quais locais precisam de mais investimento.
Já as Comissões Intergestores Bipartite da Educação (Cibe) serão formadas por seis representantes do respectivo estado e seis dos seus municípios. Tem função semelhante à Cite, sendo que todas suas decisões são facultativas.
Ambas as comissões estavam no texto aprovado no Senado e foram mantidas pelos deputados.
Ensino básico
O projeto prevê uma Avaliação Nacional da Educação Básica para indicar o desempenho dos estudantes e da gestão de escolas públicas e privadas. Pelo menos 80% dos alunos devem participar, regra já observada há alguns anos. Haverá exigências mínimas de qualidade quanto a:
- Plano de carreira e piso salarial para professores
- Jornada escolar mínima
- Quantidade de professor por alunos
- Formação dos professores
- Estrutura física
- Tecnologias digitais
- Taxa adequada de aprovação
Atualmente, o diagnóstico no ensino básico é feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com parâmetros semelhantes. A partir de 2005, um dos instrumentos utilizados pelo órgão também era chamado de Avaliação Nacional da Educação Básica, mas foi reestruturado em 2019.
O projeto obriga os estados a desenvolverem seus próprios sistemas de avaliação, a serem integrados ao SNE. Os municípios também devem assegurar que suas avaliações sejam ligadas a ambos os sistemas.
Ensino superior
A União analisará os estabelecimentos de ensino superior por meio de avaliações nacionais próprias: uma para o nível de graduação e outra para a pós-graduação stricto sensu, que engloba mestrado, doutorado e pós-doutorado. Os diagnósticos serão para o ensino público e privado, e servirão de base para a regulação do setor pelo MEC.
Atualmente, o Inep também avalia o desempenho dos universitários por meio do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Já a chamada avaliação in loco serve para o credenciamento dos estabelecimentos pelo MEC.
Legislação federal
O projeto também reforça certas estruturas que hoje são previstas apenas em leis temporárias ou decisões dos ministérios. Para isso, a proposta é incluir em lei federal:
- Fórum Nacional de Educação, que coordena reuniões sobre educação em diversas regiões. Atualmente, o fórum está previsto no Plano Nacional de Educação, válido apenas até 2025
- Fórum para acompanhar questões sobre o piso salarial de professores, que funciona hoje com base em portaria do Ministério da Educação;
- Exigência de que municípios e estados elaborem seus próprios planos de educação a cada dez anos. Atualmente, a previsão consta no PNE de 2014.
FONTE:
https://www.extraclasse.org.br/educacao/2025/09/sus-da-educacao-volta-ao-senado-com-inconsistencias/