Influencers com diploma

Influencers com diploma

Faltava essa: influencers com diploma 

A prosperidade a qualquer custo ganha universidade para produtores de conteúdo de redes sociais

Por Moisés Mendes / Publicado em 26 de agosto de 2025

 

Faltava essa: influencers com diploma

Influencers com diploma: campus da Community Creators Academy, em São Paulo
Foto: Community Creators Academy/Divulgação

 

 

Já inventaram várias versões para uma frase de Tim Maia sobre os paradoxos do Brasil. Essa seria a frase original: “Aqui, prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme e traficante se vicia”.

Uma das versões acrescenta que aqui o pobre é de direita. Daqui a pouco poderão fazer outra emenda: o Brasil é o país onde influencer faz faculdade.

É o que acontecerá com a criação da primeira universidade sobre criação de conteúdo do Brasil, a Community Creators Academy. A escola está instalada em um galpão na Vila Leopoldina, em São Paulo. Tem até praia artificial

Um curso completo pode, com duração de no máximo seis meses, custar de R$ 25 mil a R$ 35 mil. Não é para qualquer um e vai frustrar muita gente que ficará de fora, porque pesquisas revelam que 70% dos jovens brasileiros querem ser influencers. Mas quem tem R$ 35 mil?

É o novo mercado. Jovens estão refugando carreiras tradicionais que garantiam diplomas de médico, engenheiro, arquiteto, jornalista, psicólogo, professor. Agora poderão voltar a desejar orientação acadêmica, dentro de uma universidade, mas para atuarem como youtubers, blogueiros, tiktokers.

Querem ter o que Virgínia Fonseca, Luluca, Felca, Felipe Neto, Bispo Bruno, Gato Preto, Gkay e Tata Estaniecki não têm. Querem ser influencers com formação superior específica. Vão pagar por um diploma, mesmo que a universidade nem tenha reconhecimento do MEC.

Querem método, técnica, gestão, tudo o que o pessoal desse meio aprendeu fazendo sozinho. A universidade para influencers de redes sociais subverte o que os próprios influencers pregam. Que devem ser disruptivos. Que não podem se orientar pelo que já existe. Que o meio em que vivem não se submete à ideia clássica de aprendizado, carreira e sucesso.

Como o Cinema Novo dos anos 60 ensinou que um filme seria o resultado de uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, os influencers nos dizem hoje que produzir conteúdo é ter apenas um celular e um quarto como estúdio. Sem precisar de tripé.

É o que eles estão fazendo. Chegaram ao sucesso sem orientações e referências. Pelo improviso, pela intuição e pela capacidade de trabalho, com muito suor, mas sem que fossem orientados pelas referências do mundo analógico.

Uma faculdade para influencers parece tão estranha quanto um curso preparatório para punks e anarquistas. Num primeiro olhar, a ideia não fecha com o público-alvo, porque não é bem assim que a coisa funciona no ambiente virtual.

Mas será mesmo? Será que não existe um mercado à espera de influencers de uma segunda geração saída de incubadoras, como saem empreendedores que se transformam em microempresários e depois viram donos de startups e unicórnios – essas organizações com um ou dois donos que valem mais de US$ 1 bilhão na bolsa.

Na área de produção de conteúdo tradicional, do jornalismo, por exemplo, os estudantes aprendem a lidar com informações de interesse coletivo, a partir do básico, do que seria uma notícia ou um conteúdo de amplo alcance.

Na tradicional produção de conteúdo para propagada e publicidade, eles aprendem a passar adiante mensagens que tornem algo interessante, que pode ser uma ideia ou um shampoo.

Na universidade dos influencers, não há foco na propagação de informações genéricas, mas na capacidade de vender alguma coisa para grupos de pessoas. Influencers são vendedores de produtos e de informações para nichos. Parece propaganda e marketing, mas não é só isso.

A nova universidade tenta atrair o jovem de classe média que não quer saber de patrão, de regras envelhecidas, rotinas, carga horária, folga só aos domingos e um gerente tóxico.

O projeto pretende transformar a universidade, segundo seus criadores, num grande hub. Quem não sabe o que é hub já sai correndo atrás. O robô da Meta responde: hub (ou concentrador) é um ponto central onde vários elementos se conectam ou convergem.

Pode ser um dispositivo de hardware em redes de computadores que interliga vários aparelhos, uma plataforma virtual que integra operações de e-commerce, um espaço físico ou virtual de inovação e negócios (como os hubs de inovação), ou um centro estratégico de informações e marketing.

Se o cara não sabe o que é hub e nunca ouviu falar de Vitória Moraes, Buzeira, Nathália Valente, Kleyton Tralha, Bruna Barbie, Carlinhos Maia e MC Hariel, precisa se preparar antes para entrar na universidade com conhecimentos básicos.

O Brasil tem, segundo estimativas diversas, de 2 milhões e 10 milhões de influencers, considerando alguém que produz alguma coisa ‘influenciadora’, sendo ou não pago por isso. Mas menos de 200 mil estariam ganhando algum dinheiro.

Essas estimativas equivalem a dizer que o Brasil tem 100 mil tenistas, ou 300 mil jogadores de futebol, ou 150 mil surfistas. Esses números não querem dizer muita coisa. Porque tenistas, jogadores e surfistas, em sua maioria, não ganham a vida fazendo o que gostam ou sabem fazer.

O que se tem é que, a partir de demandas do mercado, agora as empresas decidiram orientar a formação de influencers. E a coisa se inverte. Eram os influencers que diziam o que queriam fazer, e os anunciantes corriam atrás deles.

Agora, os que pagam para que eles trabalhem vão dizer o que desejam que eles digam e façam como influenciadores. A universidade vai mediar e calibrar essa interação. O capitalismo se apropria de novo do que nasceu sem o controle do dinheiro e agora se submete ao capital e aos algoritmos.

Ser influencer hoje é, para a maioria em busca da prosperidade, trabalhar para o mundo dos negócios, fazendo o que as marcas esperam de quem tem influência.

Uma minoria continuará fazendo o que bem entende e ganhando dinheiro com certa autonomia. Como já acontece em qualquer atividade humana em que existem os excepcionais, os medianos e os que o mercado está sempre pronto para descartar.

Vamos nos preparar. Poderemos ter, daqui a alguns anos, estimativas sobre o índice de desocupação no mercado de influencers com faculdade e diploma. Tim Maia vive.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

FONTE:

https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2025/08/faltava-essa-influencers-com-diploma/




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