Jornalismo tendencioso

Jornalismo tendencioso

Jornalismo tendencioso

17/06/2025  - Fabiano da Costa

 

 

Há jornalismo de qualidade, mesmo nas grandes redes de comunicação. O “Profissão Reporter” da Globo, dirigido por Caco Barcellos, bem como foi “Linha de Frente” com Fernando Mitre, na Bandeirantes, são provas disto. Sou da época em que íamos dormir tarde, esperando as reportagens de Goulart de Andrade, na antiga TV Manchete. Eram tempos de exigências intelectuais diferenciadas, com pessoas exigindo mais da notícia porque, talvez, a função cerebral fosse mais complexa.

Há, entretanto, um jornalismo que de tão pobre e tendencioso, chega a ser leviano, e as vezes constrangedor. É aquele feito por criaturas desprovidas de ética ou de o mínimo de senso crítico para pessoas desprovidas de quaisquer sinais de inteligência. Rodrigo Carvalho, da Globo, por exemplo, ao citar o conflito no Oriente Médio mencionou “Israel e a teocracia do Irã”. Não é preciso ser muito inteligente para perceber o que se esconde nesta expressão, e o quanto ele dá caráter a notícia antes mesmo de você tirar conclusões.

Neste quesito, tendencioso, medíocre e constrangedor, reside também boa parte do jornalismo chinfrim da Rede Brasil Sul, a RBS. Eu preciso, mais uma vez, citar aqui a Rede Brasil Sul, e seu “jornalismo profissional e imparcial” (como ela se define), desenvolvido sobre uma área que é de concessão pública e que, como se sabe, sempre fora utilizado como plataforma política daqueles que são proprietários desta concessionária: a Família Sirotsky.

Aí já reside um problema ético a se pensar e que infelizmente, para a maioria dos gaúchos, é uma equação muito complexa a se fazer: Os Sirotsky são uma família de empresários sionistas, e que vive enviando seus correspondentes para Israel. Portanto, alguém na RBS dizer que abordará, de maneira imparcial, um conflito que envolva Israel é mentira. Ponto.

Na manhã de hoje a Rádio Gaúcha, que é escutada em todo o estado (e isto explica muito sobre o RS), trouxe para falar sobre o conflito Israel X Irã, o professor Luiz Felipe Pondé, que a se saber, se intitula de Direita e conservador. Não bastasse isto, Pondé é filho de judeus e estudou em Tel Aviv. Como se percebe, uma opinião “imparcial” de Pondé sobre o que acontece lá é miragem. Na mesma manhã, o jornalista Breno Altman, que é judeu, no Programa “Vinte minutos” do Opera Mundi, trazia o magistrado da Corte internacional Francisco Rezek, para debater o Irã diante do Direito internacional. Rezek foi ministro do STF nos anos 1980, e deixou o cargo para ser ministro no governo Fernando Collor, em 1990. Em seguida, ingressou na Corte Internacional.

Francisco Rezek foi enfático: “Israel desrespeita sistematicamente o Direito internacional há 78 anos”. Para o magistrado, para além da problemática histórica que envolve o conflito e todas as transgressões internacionais perpetradas por Israel, há um enorme problema: a falta de imparcialidade da mídia. Francisco Rezek lembrou da mídia francesa que, assistindo a Israel desrespeitar decisões da Corte internacional, chamava o Irã diariamente de “bandido”, numa guerra de versões que influenciava a opinião pública. O magistrado lembrou, ainda, que enquanto foi membro da Corte internacional, o Irã nunca desrespeitou uma decisão da Corte. Importante: Rezek não é árabe, não é muçulmano e nem tem simpatia pelo governo dos Aiatolás, fundado por Khomeini em 1979.

Enquanto Rezek dava seu testemunho, como juiz da Corte internacional, sobre como age Israel, a Rádio Gaúcha trazia uma entrevista com o professor e escritor Luiz Felipe Pondé. Pondé arrancou gargalhadas despojadas da jornalista Kelly Costa ao dizer que não suporta mais a mediocridade Humana, que quase sempre ele define como sinônimo de Esquerda. O professor disse não apoiar Benjamin Netanyahu e nem sua operação em Gaza, mas acabou por repetir os mantras dos sionistas.

Primeira pérola do professor: “A guerra (Israel x Irã) começou em 7 de outubro de 2023 com os atos horríveis do Hamas”. Não. Pondé conhece as estruturas do pensamento humano, mas não sabe nada de História. A Guerra entre árabes e judeus começou em 1948, quando alienígenas (alienus), trazidos de países europeus ou dos Estados Unidos, brancos, de olhos claros e falando língua europeias, foram colocados na Palestina, que desde 1918 já lutava por sua terra. Parte destas pessoas, eram vítimas do Holocausto e não queriam ter ido para a Palestina. No entanto, uma articulação sionista iniciada nos anos 1930, fazia um lobby junto aos Estados Unidos e a Inglaterra para que não lhes fosse dado asilo nestes países, justamente para forçar sua ida para a “Terra prometida”.

Pondé não sabe, mas o conflito começou na noite de 12 de junho de 2025, quando Israel atacou o Irã surpreendendo o mundo, após vários ataques no ano de 2024. Irã e Palestina não são um Estado só e o que acontece na Palestina, é um genocídio que, de tanta crueldade, nem mesmo os nazistas conseguiram promover. Já que o acontece no Irã é uma operação ambivalente: para Israel, o Irã é seu “espaço vital” e para os Estados Unidos, um enorme poço de petróleo.

Segunda pérola: “A Esquerda apoia o Irã”. Não. Ao menos ao falar por mim, eu apoio os que são vítimas do Imperialismo, e são pressionados pela comunidade internacional por não serem os satélites de Washington. O caso do Irã é mais uma daquelas estórias que a Grande mídia repercute de “ameaça global”, “armas de destruição em massa” e “ataques aos Direitos Humanos”. Este foi o mesmo discurso usado em março de 2003 para invadir o Iraque e isto custou a vida de meio milhão de pessoas em 11 anos. Segundo a própria ONU, meio milhão de pessoas morreram entre 2003 e 2014 nas operações estadunidenses no Iraque, na Líbia e no Afeganistão.

Hoje está sendo o Irã, mas sempre foram Cuba, Coreia do Norte ou Venezuela. E note-se: aqui não está em debate o caráter do governo de Teerã ou o sistema político teocrático, mas o sistema econômico adotado que, ao fazer frente ao FMI, aos bancos, passa a ser visto como inimigo. Direitos Humanos nunca foram pauta dos Estados Unidos ou de Israel. Como podem os Estados Unidos falar em Direitos Humanos, após testarem armas nucleares sobre populações civis japonesas em 1945? Quem é Israel, o único Estado declaradamente racista do mundo, apoiador do Apartheid na África do Sul, para falar em democracia e Direitos Humanos?

Terceira pérola: “A desgraça de Gaza começou com o Hamas, que usa os palestinos como escudos humanos”. Não. A desgraça de Gaza começou quando o Império Turco Otomano ruiu no epitáfio da Primeira Guerra Mundial, e os ingleses ocuparam a Palestina anexada. Após 30 anos de resistência palestina, os Ingleses se retiraram da região, doando as terras ocupadas para Israel. Naquele momento, o movimento sionista internacional já havia se integrado à Palestina e promovia atentados terroristas em Jerusalém. Quando os britânicos saíram, em 1948, a violência passou a ser contra os palestinos. O Hamas surgiria somente em 1987, após a Primeira Intifada, quando a Palestina estava sob ataques de Israel. Pondé, com eu afirmei, não sabe nada de História.

Quarta pérola de Pondé: “Dizer que Israel mata palestinos em busca de comida é fake News e isto está provado”. Quem mente, ou vive na bolha, é Pondé. Só hoje, 17 de junho de 2025, mais 56 palestinos foram assassinados enquanto buscavam postos de comida em Gaza. Esta notícia foi dada pelo Jornal Nacional da Globo. Ontem foram mais de 30. As críticas a este procedimento desumano de abater pessoas esfomeadas que são atraídas por alimento é algo tão desumano, que nem mesmo os nazistas o fizeram. Pondé afirma que é contra o que acontece em Gaza, mas não ouve a versão das vítimas. Genocídio não é só sobre matar pessoas, mas também, sobre extinguir suas vozes, como foi feito na Marcha para o Oeste, nos Estados Unidos, e onde 3 milhões de indígenas foram massacrados pela cavalaria nos anos 1850.

O Holocausto nazista foi sendo barrado porque a opinião pública não poderia ser informada dos horrores que aconteciam nos Campos de concentração. Daí o retardo que a chamada “Solução final” de Himmler sofreu ao não ter apoio da grande massa alemã. Mesmo assim, milhões de pessoas pereceram por trabalhos forçados, tifo, e execuções sumárias sob gás. Nada disto, entretanto, era publicizado. Já o Holocausto palestino é filmado, gravado, aceito e apoiado. E o pior: é negligenciado. A grande mídia usa as imagens de 60 mil palestinos mortos como capa de seus jornais, e como alegoria de uma desgraça anunciada: os inimigos do Sionismo acabarão assim, de uma forma ou de outra.

E por eles, em breve serão os iranianos.




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