Liberdade de imprensa
Amanhã pode ser você
Você não precisa gostar do jornalista Glenn Greenwald ou de seu trabalho à frente do site The Intercept Brasil, responsável por revelar mensagens entre o então juiz federal Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato.
Mas se tem algum apreço pela democracia deve repudiar a denúncia contra ele pelo procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira.
Glenn foi acusado, nesta terça (22), de auxiliar, incentivar e orientar a invasão de smartphones de autoridades. No curso da investigação, a própria Polícia Federal não viu crime, mas jornalismo em suas conversas com hackers que foram sua fonte de informação. A investigação apontou que as mensagens de Telegram divulgadas por ele não foram uma encomenda. Mesmo assim, foi denunciado.
Vivemos um contexto de ultrapolarização política. Nele, desumaniza-se quem defende posicionamentos diferentes dos nossos, não reconhecendo que essas pessoas tenham os mesmos direitos constitucionais. Pelo contrário, defende-se que sejam caladas e punidas por pensarem diferente. À força, se necessário. Passando por cima das leis, se preciso.
Como já disse aqui quando hordas se reuniram para pedir, no Twitter, a deportação de Glenn Greenwald frente às primeiras matérias do Intercept, uma parcela da sociedade não entende ataques a jornalistas como uma porrada na liberdade de expressão, um pilar da democracia. Vê isso como uma manifestação banal do descontentamento. Cede aos discursos fáceis e toscos de analistas, apaixona-se pela violência de seus líderes.
Algumas lideranças, aliás, sabem o tamanho de sua caixa de ressonância, o fanatismo de alguns de seus seguidores, que agem como torcida organizada, e o gigantismo de redes simpáticas a elas ou por elas controladas. Ao ter consciência disso e não agir para evitar ataques, tornam-se cúmplices das consequências de seus atos. Isso inclui não apenas membros dos Poderes Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário e do MP.
O Ministério Público Federal é inquestionavelmente fundamental para a democracia brasileira. Por isso, não deixa de ser amargo vermos um membro da instituição perseguindo a liberdade de imprensa em nome do que parece ser puro corporativismo.
Repito a pergunta que j fiz neste espaço: cabe à sociedade decidir se quer uma imprensa livre, mesmo que discorde dela, e sair em sua defesa. Ou se está satisfeita com a proposta colocada à mesa nas eleições de 2018: substituir a pluralidade e o contraditório por mensagens hiperpartidarizadas postadas em grupos de WhatsApp que confirmam uma limitada visão de mundo.
O Brasil já é um dos países mais violentos para jornalistas e comunicadores, com pessoas assassinadas no exercício da profissão. A denúncia de terça reforça a percepção, aqui e no exterior, de que o país caminha impávido na direção oposta à democracia.
Hoje é com Glenn, amanhã pode ser com qualquer um. Afinal, em um Estado autoritário, ninguém está a salvo.
Postagem compartilhada do facebook Grupo de Apoio ao Jornalista Glenn Greenwald
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Hoje, Glenn, amanhã, você: em um Estado autoritário, ninguém está a salvo.
LEONARDO SAKAMOTO