Lista obrigatória do vestibular UFRGS
Por que a UFRGS acerta ao incluir "O Avesso da Pele" na lista obrigatória do vestibular
O livro censurado será abordado no vestibular 2025 da universidade, um dos mais concorridos do país
29/3/2024 JULIANA BUBLITZ
A decisão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de incluir na lista de leituras obrigatórias para o vestibular 2025 o livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, é um acerto - e um recado claro a quem acha “ok” censurar livros em pleno século 21.
Desde o início de março, a obra vem sendo alvo de interdição em diferentes Estados por conter trechos sobre sexo e palavras consideradas de “baixo calão”. A onda moralista começou em Santa Cruz do Sul e se disseminou.
Agora, ao menos no Rio Grande do Sul, professores e escolas que insistirem no erro acabarão por prejudicar seus alunos. O vestibular da UFRGS é um dos mais concorridos do país. Para passar, será preciso ler, sim, conhecer a fundo a obra de Tenório.
E será uma ótima oportunidade, também, para que estudantes e mestres leiam juntos e se surpreendam com a força e a importância da narrativa do autor, aliás, premiado e aclamado pela crítica.
O texto aborda um tema que deve, sim, ser tratado em sala de aula: o racismo estrutural, aquele que vive em nós, mesmo que a gente não se dê conta.
Não se trata, nem de longe, de um texto sobre sexualidade, mas, ainda que fosse, com quem e em que ambiente você gostaria que seu filho adolescente conversasse sobre o assunto? Na rua? Ou na escola, com o olhar cuidadoso de um mestre?
Já escrevi isso e repito: querer proteger os jovens de conteúdos considerados “inadequados” a partir de opiniões pessoais e, muitas vezes, de leituras fora de contexto é um equívoco. Ainda que o tema não seja simples, ler O Avesso da Pele é uma oportunidade para discutir racismo e violência.
Os tais termos de "baixo calão" não entraram na história de forma gratuita. Eles são parte de uma realidade sobre a qual não devemos "ficar escandalizados", mas tentar compreender para mudar.
Outras inclusões
Além de O Avesso da Pele, a universidade incluiu na lista obrigatória Niketche: Uma História de Poligamia, de Paulina Chiziane; Mas em Que Mundo Tu Vive, de José Falero; e Seleta de Canções de Lupicínio Rodrigues.
A lista completa de leituras obrigatórias do vestibular de 2025
- Niketche: Uma História de Poligamia, de Paulina Chiziane
- O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório
- Mas em Que Mundo Tu Vive, de José Falero
- A Terra dos Mil Povos, de Kaká Werá
- Água Funda, de Ruth Guimarães
- Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez
- Um Útero É do Tamanho de um Punho, de Angélica Freitas
- Lisístrata, de Aristófanes
- Várias Histórias, de Machado de Assis
- A Falência, de Júlia Lopes de Almeida
- Coral e Outros Poemas, de Sophia de Mello Breyner Andresen
- Seleta de canções, de Lupicínio Rodrigues
- Cadeira Vazia (com Alcides Gonçalves)
- Castigo (com Alcides Gonçalves)
- Cevando o Amargo (com Piratini)
- Dona Divergência (com Felisberto Martins)
- Ela Disse-me Assim (Vai embora)
- Esses Moços (Pobres moços)
- Foi Assim
- Loucura
- Maria Rosa (com Alcides Gonçalves)
- Migalhas (com Felisberto Martins)
- Namorados
- Nervos de Aço
- Nunca
- Se Acaso Você Chegasse (com Felisberto Martins)
- Vingança
- (Xote da) Felicidade
FONTE:
Um grande livro censurado
Diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira pediu a retirada do livro "O Avesso da Pele", de Jeferson Tenório, das salas de aula
05/03/24 - FABRÍCIO CARPINEJAR
Enganos podem ser trágicos. Interpretações fora do contexto podem ser fatais.
Diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira pediu a retirada do livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, das salas de aula.
Cerca de 200 exemplares de O Avesso da Pele, que aborda o racismo estrutural, chegaram à escola Ernesto Alves em dezembro de 2023, para ser trabalhados pelas turmas.
O livro fazia parte do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do Ministério da Educação (MEC), que distribui obras didáticas e literárias às escolas públicas, por solicitação das próprias instituições.
A censura partiu da alegação de que o romance apresenta palavras que definem órgãos sexuais e descrevem relações íntimas.
A diretora pinçou pequenos trechos das quase 200 páginas do livro. São momentos isolados e pouco representativos do cerne da trama. Ela ficou horrorizada com o vocabulário de baixo calão, que apenas retrata a linguagem coloquial da vida como ela é, de acordo com as idiossincrasias e faixa etária dos personagens. Não é o autor falando, porém seus personagens.
Existe uma injustiça na presunção da vulgaridade.
Primeiramente, a obra foi eleita por comissão do Ministério da Educação, na gestão de Jair Bolsonaro. Em seguida, cada escola desfrutou de livre-arbítrio para definir os autores aprovados que pretendia adotar no currículo. Ou seja, a escola de Santa Cruz do Sul é que escolheu O Avesso da Pele entre centenas de títulos habilitados. Não consistiu em uma imposição.
Não existe contraindicação para a narrativa. Pelo contrário, O Avesso da Pele tem o reconhecimento do Prêmio Jabuti, a maior premiação literária do país. Já contou com adaptação para o teatro e seus direitos acabaram de ser vendidos para cinema. Traduzido para dez idiomas, encontra-se na 13° edição no país. Duzentas mil pessoas compraram um exemplar por espontânea e soberana vontade, devido a gosto pessoal, paixão pela proposta e afinidade com o estilo. O sucesso de crítica e público coloca o romance acima de qualquer suspeita.
Vale destacar que o livro não está sendo direcionado para o ensino fundamental, naquilo que poderia ser classificado como “precocidade sexual”, mas destinado aos adolescentes do ensino médio. Portanto, para jovens que namoram e que necessitam de orientação educacional a respeito da sua sexualidade.
Os termos que causaram repulsa são desconstruções críticas do negro como objeto sexual, maldosamente exposto como superdotado, esvaziado de alma e de personalidade por piadas preconceituosas, numa curiosidade tipificada do racismo. Jeferson combate a forma como o negro é percebido, enfrenta a exploração inadequada e utilitária do seu corpo.
Conheço Jeferson Tenório. Ele me antecedeu como patrono da Feira do Livro de Porto Alegre e me confiou a chave da Praça da Alfândega. Garanto que ele é um dos escritores mais sérios, compenetrados e dedicados da literatura brasileira. É o oposto da escatologia, da pornografia, da safadeza. Trata-se de alguém rigoroso, elegante e refinado. Escreve com a sobriedade de um clássico, privilegiando a transmissão das ideias a partir das suas figuras ficcionais.
Converse com ele por meia hora e se verá deslumbrado pela sua educação, pela sua maneira respeitosa e atenciosa de acolher a todos.
Talvez a origem do escândalo seja mais profunda, pelo fato de o protagonista ser um professor negro.
Na história, o professor é assassinado por engano numa abordagem policial em Porto Alegre. Seu filho tenta entender o que aconteceu e quem era o pai.
Parece que ele foi assassinado pela segunda vez, agora em Santa Cruz do Sul.
FONTE: