Livro, artigo de luxo?
Livro, artigo de luxo? Quanto custa e quanto pode custar um livro no Brasil
Projeto de reforma do governo federal prevê cobrança de contribuição para o setor de livros. Novo tributo pode encarecer obras em 20%, dizem editores.
Por Thaís Matos, G1
Quem quer proteger e quem quer criticar o mercado de livros no Brasil está em lados opostos do campo de batalha, mas utiliza o mesmo argumento: o preço é elevado e faz do livro um artigo quase de luxo.
Se a primeira etapa da reforma tributária do governo federal enviada para o Congresso for aprovada, o setor perde a isenção de recolhimento de contribuição que tem atualmente. Assim, um novo tributo, estimado em 12%, passará a incidir sobre ele. Editores estimam que o livro fique 20% mais caro.
Para explicar o que compõe o valor do livro e qual será o impacto do possível tributo no mercado editorial, o G1 conversou com Alexandre Martins Fontes, dono da Livraria Martins Fontes, e Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e da editora Sextante.
O que compõe o preço do livro no Brasil
O valor de capa do livro, aquele que o cliente efetivamente paga, é sugerido pelas editoras com base em dois pontos: um cálculo objetivo e uma percepção subjetiva. Em 2019, o preço médio do livro no Brasil foi R$ 19, segundo dados da Nielsen, do Snel e da Câmara Brasileira do Livro.
Esse preço precisa conter o pagamento do autor, os gastos para fazer o livro, os custos e os lucros de editora, distribuidor e livrarias. Na conta da editora, a divisão média é a seguinte:
- 10% de direitos autorais: valor pago aos autores pela obra;
- 5% de custos editoriais: revisão, projeto gráfico, ilustração, capa, tradução e copidesque (nos casos de obras internacionais);
- 10% de custos industriais: papel, impressão e embalagem;
- 15% de despesas administrativas: salários, marketing e divulgação, logística e eventos;
- 5% de reserva para perdas diversas: estoque, adiantamentos de direitos autorais e contas a receber;
- 5% de lucro para a editora;
- 50% de margem para livrarias ou distribuidores.
Depois de prontos, os livros são vendidos para livrarias ou distribuidoras com 50% de desconto do valor de capa, em média.
Se um exemplar custa R$ 50 para o consumidor final, ele é vendido para as livrarias ou distribuidoras por R$ 25 em média, dizem os entrevistados.
Assim, as livrarias que compram diretamente das editoras têm margem de 50% do valor de capa para pagar seus custos (funcionários, aluguel), ter lucro e trabalhar com o preço, oferecendo promoções.
No caso das que dependem das distribuidoras, essa margem cai para 30 a 35%, em média. "O distribuidor compra o livro da editora e revende para a livraria. Principalmente as pequenas não têm volume de compra para justificar o pedido direto porque precisam comprar um exemplar de cada editora", diz Martins Fontes.
Homem usando máscara de proteção organiza livros na livraria La Sorbonne, na França
— Foto: Eric Gaillard/Reuters
Então, onde entra a percepção subjetiva nessa conta? Com base nas porcentagens que compõem o livro, é possível estipular o valor.
Pereira explica que os editores se baseiam no preço que o livro custou para ser produzido, revisado e impresso e dividem pela tiragem.
Como esse custo unitário representa, geralmente, 15% do valor de capa, eles fazem a relação percentual e chegam ao preço que o livro precisa de fato custar nas livrarias.
"É como se fizéssemos a conta de cabeça para baixo. Se imprimimos 3 mil exemplares de um livro que custou R$ 30 mil, o custo unitário dele foi R$10. Como o custo representa 15% do preço de venda, fazemos a relação e esse livro precisa ser vendido por R$ 66", explica o editor.
"Mas sempre determinamos em função da percepção de valor que temos dele. Baseado em que tipo de livro é, chegamos à conclusão que ele tem que custar R$ 50 e não R$ 66." Essa percepção de preço não se explica, é preciso anos de mercado.
A partir daí, há um esforço para diminuir o custo. A melhor maneira é pelo aumento da tiragem: quanto mais cópias, menor o valor de cada uma delas. Mas há o risco de que a tiragem seja maior que o interesse do público.
Esse raciocínio ajuda a explicar por que o número de cópias impressas é um dos principais condicionadores de preço no país.
A tiragem média inicial no Brasil está em torno de três mil exemplares, segundo o presidente do sindicato. Uma tiragem vantajosa começa a partir de cinco mil.
A quantidade está bem abaixo da registrada em outros países. “Esse número sempre varia muito, mas eu diria que a tiragem inicial média de um livro nos Estados Unidos oscila entre 10 e 15 mil exemplares”, avalia Pereira.
Livro está mais caro do que era?
O valor nominal do livro (o preço que o consumidor paga) aumentou. Se em 2006, ele custava, em média, R$14,20, em 2019 essa média está em torno de R$ 19.
Mas a inflação entre os dois períodos cresceu mais. Entre julho de 2006 e julho de 2020, a inflação acumulada foi de 107% pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Assim, os R$ 14,20 do livro médio em 2006 equivalem a R$ 29,48 em preços atuais.
Um exemplo conhecido de quem acompanha o mercado editorial, mas ainda utilizado por Martins Fontes e Pereira é "O Código da Vinci". A obra de Dan Brown foi lançada no Brasil por R$ 34,90. Em valores corrigidos pelo IPCA, seria o equivalente a R$ 83,67 atualmente.
“Se pegar um livro semelhante a ele hoje, vai provavelmente estar perto de R$ 60. Essa diferença foi o quanto ficou mais acessível nos últimos 15 anos”, diz Martins Fontes. Para os editores, a ideia de que o livro é um artigo de luxo reflete desconhecimento do mercado.
"A venda em grandes cadeias aumentou a presença de livros nas classes C e D no início da década. A Avon vendeu nos catálogos a preços baixos (R$ 10) em todo o país e se tornou a maior revendedora do Brasil. As Lojas Americanas vendem muito também. Dizer que livro é elitizado é um pensamento de quem só frequenta livrarias do Leblon e de Pinheiros", diz Pereira.
Por que o livro não paga imposto?
O setor de livros - tanto o produto em si, quanto o papel utilizado para sua impressão - tem imunidade do pagamento de impostos garantida pela Constituição Federal.
Já as contribuições, tributos com destinação específica, não são abordadas na Constituição. O setor editorial recebeu isenção da cobrança do Pis/Pasep e do Cofins (contribuições sociais) em 2004, pela Lei 10.865. No caso da contribuição, o livro não é imune, mas a alíquota é zero.
Se o benefício para o livro for extinto, o preço pode aumentar em 20%. "É uma estimativa ainda porque precisamos entender se vai haver aumento de insumos e dos serviços contratados", diz Pereira.
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De acordo com dados de um estudo feito pela Nielsen, apresentados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), ao longo de julho, houve um aumento de 0,64% em volume e 4,44% em valor, em comparação ao mesmo mês de 2019.
Mas é preciso olhar com atenção para esses dados: o setor seguia em queda desde 2018, quando as redes de livrarias Cultura e Saraiva entraram com pedido de recuperação judicial e fecharam lojas pelo país.