Luta entre capital e trabalho

Luta entre capital e trabalho

A luta entre capital e trabalho vai decidir o futuro da inteligência artificial, diz sociólogo

André Campos Rocha, da Labor Tech Research Network e do DigiLabour, fala sobre as relações entre IA, trabalho e poder

Por  Luís Gomes/luisgomes@sul21.com.br  

 

Arte: Matheus Leal/Sul21
Arte: Matheus Leal/Sul21

 

O avanço das tecnologias digitais tem transformado radicalmente a vida social, o mundo do trabalho e a produção cultural. Em meio à ascensão vertiginosa da inteligência artificial, surgem inquietações fundamentais: como essas tecnologias estão reorganizando as ocupações humanas, que tarefas poderão ser automatizadas e quais novas formas de trabalho emergem desse processo? Para debater os impactos do uso das IAs no mundo do trabalho, e para além dele, o Sul21 conversou com o sociólogo André Campos Rocha, que pesquisa as transformações do trabalho em tempos de digitalização acelerada, com atenção especial à indústria de jogos digitais, à mobilidade laboral, à cultura do lazer e às novas formas de precarização.

Bacharel em Ciências Sociais pela UFMG, mestre em Sociologia pela USP e doutor em Ciências Sociais pela PUC-MG, André atualmente atua como pesquisador na Universidade de Toronto e integra a Labor Tech Research Network e o DigiLabour, laboratório de pesquisa sobre plataformização do trabalho. Na conversa, ele destaca que, inicialmente, é preciso fazer uma distinção fundamental: enquanto algumas tarefas dentro das ocupações humanas estão sendo automatizadas, a substituição total do trabalho é um cenário mais incerto e politicamente disputado. “As ocupações humanas são um cardápio de várias tarefas, e a IA é boa para automatizar algumas delas”, afirma. Essa diferenciação é essencial para entender o impacto imediato e o potencial de transformação estrutural da IA sobre a sociedade.

Ao mesmo tempo, André destaca que a IA não apenas substitui, mas também cria novos tipos de trabalho — muitas vezes terceirizados, precarizados e deslocados geograficamente para países periféricos. Os casos das plataformas de anotação de dados, das greves em Hollywood e da indústria de videogames revelam, segundo ele, que estamos diante de um conflito cada vez mais evidente entre capital e trabalho na era algorítmica.

“(…) o interesse do capital com essas tecnologias é produtividade do trabalho, reduzir custos de trabalho. E o trabalhador, ele vai sendo cada vez mais precarizado. Então, em algumas indústrias isso é muito patente. Por exemplo, indústria de entretenimento. A gente estudou a greve dos trabalhadores de Hollywood. É uma indústria que está tendo guerra sobre IA, porque as empresas querem reduzir os custos do trabalho e os trabalhadores querem ser valorizados em suas tarefas”, diz.

O pesquisador pontua que, no campo da cultura, as disputas giram em torno da propriedade intelectual, do direito autoral e da remuneração justa de artistas cujas obras são apropriadas para o treinamento de modelos de IA. Para ele, a regulação dessas tecnologias será decisiva: ou caminhamos para uma precarização profunda das relações de trabalho, ou abrimos espaço para respostas políticas e coletivas que enfrentem a concentração de poder nas mãos das big techs.

Confira a seguir a íntegra da entrevista.

Sul21 – André, a gente percebe que a velocidade de desenvolvimento da Inteligência Artificial é muito acima do que as pessoas “leigas”, mesmo as que já estão usando as ferramentas, conseguem acompanhar. No sentido de que, a cada semana, há inovações que não conseguimos ter dimensão do impacto num futuro próximo ou de médio prazo. Quais tu acha que são as transformações mais imediatas que IA vai trazer ou já está trazendo para a vida das pessoas?

André Campos Rocha: Bom, essa é uma questão bastante complexa. Primeiro eu vou falar do ponto de vista ocupacional, das tarefas do cotidiano que cada ocupação tem. E aqui eu estou tomando a ocupação humana que é feita de várias tarefas, certo? O advogado é um profissional que executa várias tarefas. Você é um jornalista, um profissional que executa várias tarefas. E, dentre essas tarefas que compõem, vamos dizer assim, as ocupações humanas, as IAs generativas, principalmente, elas têm um grande poder transformador em várias dessas tarefas, certo? Que reverberam nas ocupações, numas mais e noutras menos, dependendo da natureza das ocupações, obviamente. Então, eu te diria o seguinte, do ponto de vista do dia-a-dia, com certeza essas tecnologias vão afetar várias ocupações e várias tarefas que as pessoas fazem no dia-a-dia.

Por exemplo, saiu um relatório agora da OIT que tenta medir a sensibilidade de uma ocupação para automatização por IA. Então, você tem ocupações mais sensíveis à automatização total da ocupação e ocupações menos sensíveis. Só o que eu acho que nos coloca agora é mais adaptação do que substituição total. Por quê? Como eu te falei, as ocupações humanas são um cardápio de várias tarefas e a IA é boa para automatizar algumas delas. Então, o que a gente tem, por exemplo? Tarefas de contabilidade, tarefas financeiras, tarefas cognitivas bem abstratas, tipo tradução, obviamente IAs são muito boas nisso. Então, certas ocupações que usam muito isso vão se adaptando e usando essas IAs no seu dia a dia para aumentar sua produtividade, etc e tal. Então, eu te diria, do ponto de vista micro, elas alteram em muito, claro, a vida das pessoas.

Agora, do ponto de vista macro, quais são as os impactos macroeconômicos da IA ou se ela substituirá de forma total várias ocupações, aí é outra história. Por exemplo, se o trabalho dos jornalistas vai acabar, se o trabalho dos advogados vai acabar. Isso já é uma outra questão. Você consegue entender a diferença? Uma é uma adaptação no dia a dia, que tarefas de IA automatizáveis por algoritmos fazem muito bem e as pessoas vão se adaptando no dia a dia, e uma questão macroeconômica que envolve relação política, relação econômica do capitalismo, as indústrias que essas IAs estão entrando, as big techs, etc., isso é uma outra questão. Eu começaria nossa conversa um pouco com essa diferenciação.

Sul21 – Então, acho que o grande temor é justamente esse de tornar o trabalho humano obsoleto. Por um lado, tem algumas tarefas que são adaptáveis, em que a IA pode facilitar a vida do trabalhador, incluindo o jornalismo, com a automatização de etapas e processos de trabalho. Ao mesmo tempo, há a questão de “por que pagar uma pessoa para fazer um trabalho que a IA pode fazer, ou fazer 80% ou 90%?” O quão próximo e quão realista é esse cenário de substituição do trabalhador?

André Campos Rocha: Claro que a IA vai auxiliar em várias tarefas que várias ocupações necessitam. Principalmente tarefas cognitivas, interpretação de texto, organização, e aí eu acho que é uma questão mais de adaptação. O jornalista ele vai ter que mudar, inclusive com a questão de plataforma de ação, o seu ambiente de trabalho, suas competências, etc e tal. Agora, a outra questão que você fala de um medo, de um temor que IA vai nos deixar obsoletos para várias coisas, essa é uma questão mais profunda e eu acho mais polêmica. Primeiro, porque a gente tem estudos da sociologia do trabalho, do trabalho digital, que eles entendem que essa perspectiva de automação é reducionista, no sentido de que ela pensa o seguinte: ‘Bom, a gente vai pegar as profissões, a gente vai dividir as tarefas, ver quais dessas tarefas a IA consegue automatizar e aí a gente vai entender, vamos dizer assim, o impacto das tecnologias na obsolescência do trabalho no futuro’.

Mas essa perspectiva deixa de lado uma questão muito importante e que nem é sempre vista: como que a IA e esses sistemas de inteligência artificial criam novas profissões. Eles deslocam, eles terceirizam, eles mudam uma certa cadeia de produção, e, em relação ao mundo de hoje, você tem um padrão geográfico muito específico. As grandes empresas de tecnologia que criam essas IAs começa a terceirizar trabalhos, vamos dizer assim, mal pagos, trabalhos muito básicos, em que a pessoa não precisa ter muitas competências, para países de terceiro mundo. Então, existem empresas especializadas em anotadores de dados, por exemplo, que são as pessoas que ajudam o algoritmo a entender que uma porta é uma porta, que um carro é um carro, etc e tal. Então, você vê que a IA, por um lado, automatiza certas tarefas, mas, por outro, ela desloca e cria novas ocupações, certo? E aí entra uma questão geopolítica, porque você tem no centro do capitalismo, com as big techs, que são as empresas que desenvolvem essas IAs, você tem um núcleo de trabalhadores muito bem pagos, que são cientistas de dados, que ganham muito. Mas, ao mesmo tempo, na ponta da cadeia de produção, você tem trabalhadores mal pagos e dispersos por todo o mundo ajudando esses sistemas a serem o que eles são. Uma vantagem, por exemplo, do ChatGPT, da OpenAI, que que é da Microsoft, que é uma dessas grandes big techs que fazem IA, é que ele foi treinado por trabalho humano. Vou te dar outro exemplo, você tem estudos de algoritmos de detecção de roubo em supermercados. Quando você vê a cadeia de produção, você vê que tem várias pessoas humanas falando para o algoritmo, trabalhando para a empresa, a diferença entre um gesto normal de uma pessoa pegar uma mercadoria e um gesto de roubo. Com esses sistemas, você desloca o trabalho, você cria novas formas de trabalho. Então, a questão não é tão simples assim.

Uma segunda questão, do ponto de vista da história da técnica e da tecnologia, esse discurso da automação de que tecnologias vão substituir o trabalho humano não é novo. Eu tenho um livro muito interessante de 1955, um cara chamado Warner Bloomberg escreveu um livro chamado The Age of Automation. É exatamente o mesmo discurso que acontece hoje. Ou seja, ele estava preocupado que novas máquinas iam substituir o trabalho humano. E o que a gente viu posteriormente foi o contrário, foi uma época de pleno emprego. Mas vejo nisso um conflito inerente entre capital e trabalho. Por quê? Porque o interesse do capital com essas tecnologias é produtividade do trabalho, reduzir custos de trabalho. E o trabalhador, ele vai sendo cada vez mais precarizado. Então, em algumas indústrias isso é muito patente. Por exemplo, indústria de entretenimento. A gente estudou a greve dos trabalhadores de Hollywood. É uma indústria que está tendo guerra sobre IA, porque as empresas querem reduzir os custos do trabalho e os trabalhadores querem ser valorizados em suas tarefas. Então, você tem conflitos também, a questão não é tão simples assim.

Sul21 – No campo da cultura, há um debate sobre o interesse do público sobre conteúdo criativo gerado por IA. Há quem defenda que o interesse por música e filme criados por pessoas não pode ser substituído pela criação da IA. Por outro lado, há quem diga que as novas gerações vão cada vez se importar menos com essa diferenciação. Como tu vê essa situação?

André Campos Rocha | Foto: Arquivo Pessoal

 

 

André Campos Rocha: Eu acho que nesse campo a questão é muito interessante. Se a gente tomar o campo de produção cultural, é óbvio que tem vários setores, e aí eu também não saberia falar muito como essa coisa tá acontecendo em cada um deles. Mas eu acho que, por um lado, há uma questão muito importante de direitos autorais, tá sendo muito debatido, porque esses grandes modelos de IA, obviamente, são baseados em dados e eles pegam dados de vários artistas para gerar seus próprios modelos. Hoje em dia tem uma discussão muito grande sobre roubo de obras, roubo de dados pelas inteligências artificiais. Eu acho que essa é uma questão fundamental na área cultural, inclusive que nos leva a debate sobre regulação desses algoritmos, nos leva a debater sobre transparência, ou seja, qual base de dados eles utilizaram para treinar os seus algoritmos, e nos leva a questões fundamentais de remuneração dos artistas, que estão tendo o seu trabalho utilizado por esses algoritmos para a gente ficar brincando e gerando vídeo, igual a esse último algoritmo da Google aí. Então, acho que para os artistas é uma questão fundamental, é uma questão de sobrevivência mesmo, é uma questão de garantir que os direitos autorais deles sejam assegurados. E aí cada país tem o seu debate, mas são debates que estão acontecendo. A questão de garantir a justa remuneração desses artistas dependendo, enfim, do contexto, da plataforma, etc. e tal.

Aí depende também de cada setor da produção cultural, porque esses algoritmos são muito bons para reproduzir esse tipo de coisa, de música, e claro que eles pegam isso de padrões que já existem. Você pede para ele fazer uma música de Chico Buarque, ele pega os padrões que estão na música de Chico Buarque e reproduz isso do modo que você quiser. Então, também tem esse lado que eles estão pegando dados de pessoas humanas que criaram as obras, etc. e tal. Só para te dar um exemplo de como isso tá ocorrendo em Hollywood, depois dessa greve dos roteiristas aconteceu uma greve na indústria de videogame. O que as empresas estavam fazendo, principalmente os dubladores e os performers, que são os caras que fazem as performances dos games. Tipo, você tem um personagem que você quer que seja um guerreiro, o cara vai lá e faz a arte, aí a empresa pega e transforma isso numa coisa digital. E aí vem o conflito de capital e trabalho na área cultural, que é importantíssimo. O que eles estavam percebendo? Que as empresas de entretenimento estavam pegando as vozes e as performances desses trabalhadores e replicando isso indefinidamente. Então, o cara tem uma voz, a empresa pega, joga no algoritmo de IA e faz com qualquer fala, em qualquer jogo. O que acontece nisso? Ela precariza o trabalho dele, porque a empresa paga ele uma vez só, viola os direitos autorais, porque usou a voz dele nos algoritmos e o cara vai ganhar muito menos. Isso é óbvio, por isso que eu estou falando, aí tem um conflito fundamental na área cultural entre, vamos dizer assim, grandes empresas e grandes plataformas e os produtores culturais. Quem vai decidir esse conflito? A luta política, como sempre foi na história do capitalismo. Enfim, isso vem desde o século 19, lá dos caras quebrando máquina. Vai decidir a luta capital-trabalho, para onde vai essa coisa. Ou você tem uma precarização imensa do trabalho ou, se os trabalhadores reagirem e nós conseguirmos como sociedade decidirmos que os trabalhadores têm que ser respeitados, que tem que ter regra, regulação muito forte nessas áreas. Essas pessoas vão sentir muito nesse setor da cultura e, em Hollywood, eles conseguiram acordo com as empresas, conseguiram regular a coisa como ela está agora.

Sul21 – Tu acreditas que há um ambiente, e mesmo um conhecimento na classe política, aqui e também nos outros países, para fazer uma regulação que consiga preservar questões importantes, como direitos trabalhistas, direitos autorais? Ou daqui a pouco isso vai cair no mesmo problema que a gente falou no início da conversa, de que a velocidade das inovações é muito maior do que a capacidade de compreensão delas?

André Campos Rocha: Tem uma questão aí importante que é relativa à internet de modo geral. Eu estava lendo outro dia a história do Google, como ele conseguiu crescer de forma exponencial em um ambiente não regulado. A internet nasce como um ambiente não regulado e isso é um dos fatores que torna tão difícil regulá-lo, porque à medida que você cresce, que você começa a produzir algoritmos tão complexos a partir de um terreno que é a terra de ninguém, você começa a concentrar poder em poucos atores. E tem uma questão também da complexidade desses algoritmos. Então, acho que essa é uma questão muito difícil, complexa, como você colocou. Mas eu acho que aí tem uma questão fundamental de órgãos públicos, e órgãos estatais, que, obviamente, é um diálogo nas instâncias públicas, com a ajuda de técnicos, de pessoas que conhecem esses sistemas. Eu acho que isso só pode ser feito nesse âmbito mais amplo dos estados nacionais, com técnicos, com pessoas com expertise e delimitando regras bem específicas sobre como esses algoritmos funcionam e o quê e como você quer regulá-los e torná-los mais transparentes. Isso exige o quê? Capacidade de negociação do estado, e obviamente envolve as big techs. Aí você tem que colocar todas as grandes empresas na mesa, porque são elas que desenvolvem esses sistemas. São poucas grandes empresas do mundo que têm a propriedade e a capacidade de desenvolver esses sistemas.

Sul21 – Como o senhor enxerga a incorporação da inteligência artificial no contexto do capitalismo de plataformas, que foram a grande novidade nas relações de trabalho na última década? Isso deve intensificar a vigilância algorítmica sobre os trabalhadores e usuários, vai acelerar esses processos de plataformização?

André Campos Rocha: Como eu te falei, eu acho que, pra gente ver o desenvolvimento dessa tecnologia, a gente tem que entendê-la muito a partir desse pano de fundo político e econômico. Principalmente essa última onda de IA, que veio aí de 2010 para cá, a gente tem que entender isso a partir de certas dinâmicas políticas e econômicas ligadas às grandes empresas de tecnologia, cujo objetivo é exatamente esse que você falou, renderizar e extrair dados pessoais e monetizar esses dados. Então, esse conceito de plataformização tem esse lado vinculado a uma certa ideologia do Vale do Silício, ligada a certos setores financeiros do grande capital, que utiliza essas tecnologias para renderizar nossa experiência para extrair dados pessoais, para monetizar esses dados, de forma ampla, de forma global. Não é à toa que essas empresas são hoje mais poderosas do que estados nacionais. Empresas transnacionais operam no mundo inteiro e com muito mais poder que vários estados.

Então, acho que esse desenvolvimento de plataformização, essas big techs, etc, a gente tem que ver elas como esse projeto político e econômico que direciona a tecnologia para um objetivo específico, que é a terceirização, precarização do trabalho, monetização de dados pessoais. Agora, eu acho que se as sociedades ocidentais, etc. e tal, não tiverem projetos políticos de fazerem frente à força dessas empresas, seja pela luta do trabalho ou seja por mecanismos mais regulatórios, é claro que esse processo vai se aprofundar. Ele vai se aprofundar de uma forma muito rápida, porque é um processo desigual, é um processo assimétrico E também não é novo, a história do capitalismo está ligada a conflitos que sempre apareceram, baseados no lucro, na mais valia, valor gerando valor e, por outro lado, na extração de trabalho humano e trabalho vivo. Se nada for feito, se a gente não tiver grandes reações políticas, sociais, a esse processo, é claro que tende a aprofundar mesmo, não tem outra saída, não. Vai aprofundar e vai precarizar cada vez mais setores.

Sul21 – A IA já está presente em grandes estruturas empresariais ou mesmo no serviço público. É um processo de assimilação que podemos considerar até positivo. Mas ocorre sem que impactos dessa presença nas relações de serviços sejam discutidos amplamente. Tu acreditas que parâmetros devem ser estabelecidos para lidar com isso? Que tipo de salvaguardas deveriam estar sendo discutidas nesses ambientes?

André Campos Rocha: A gente tem, claro, fatores macroestruturais, que eu falo das big techs, mas também nós, no dia a dia, a gente vai tentando se adaptar. As organizações, as empresas no dia a dia, a gente vai tentando brincar também e tentar reagir a essas tecnologias. Agora, é claro que aí cada ambiente organizacional vai ter que botar no papel quais são os impactos dessas inteligências, dessas ferramentas, no dia a dia de trabalho e, a partir de certos valores, quer eles sejam conservados, quer sejam, vamos dizer assim, jogados para fora, vão ter que definir certas diretrizes do que fazer, do que é permitido. Só para te dar um exemplo, eu que sou do ambiente acadêmico, hoje a academia já tem, nas ementas de disciplina, partes que regulam, que tentam colocar regras sobre o uso de IA generativa. Você tem que colocar fonte, você tem que colocar qual IA você usou, qual prompt que você usou para gerar tal resultado. Então, claro que as organizações também vão ter que se adaptar e decidir coletivamente — obviamente, a administração vai ter um papel mais fundamental nisso — o que vai ser permitido e o que não vai ser permitido. Porque são tecnologias que impactam a todos nós. E, claro, também há vários níveis de regulação. Você tem regulações mais abrangentes, regulações nacionais, como, por exemplo, a lei de proteção de dados brasileira, que também tem certos parâmetros para proteger a privacidade. Por mais que seja difícil em alguns pontos a sua implementação, mas a sociedade vai ter que discutir isso, não só do ponto de vista micro, das organizações, mas também do ponto de vista mais amplo, da sociedade como um todo. Um grande exemplo de macro discussão sobre isso é a lei da União Europeia sobre IA, aprovada oficialmente em 2024. Esse é um grande exemplo de macro regulação. Mas também, no ambiente, as pessoas vão ter que ver o que é permitido, o que não é permitido, como que se adaptam a esse processo. Aí vale o ambiente organizacional, como cada ambiente opera.

Sul21 – Mas pode ser preocupante esse uso desregulado no serviço público, por exemplo, que lida com dados e atendimentos à população?

André Campos Rocha: Tem exemplos bastante preocupantes. Acho que a IA pode agilizar algumas coisas, mas também tem coisas não muito favoráveis. Só para te dar um exemplo, agora temos essa proliferação de uso de reconhecimento facial. Em vários lugares que a gente vai hoje usam algoritmos de IA para reconhecer a sua face. Por exemplo, tem gente já fazendo crime com isso. Pegam os dados do rosto da pessoa e fazem crimes cibernéticos com isso. Não é à toa que a área de segurança cibernética hoje é uma área muito, muito importante e que precisa de profissional. Na medida que nossa vida vai sendo digitalizada, você abre oportunidades boas, mas também você abre oportunidades para outro lado, de violação de privacidade, de utilizar isso para fins escusos, para crimes, a questão das fake news, desinformação em massa, que também é um debate que já vem há muito tempo, desde a eleição lá do Trump e do Bolsonaro aqui no Brasil. Então, eu acho o seguinte, a gente está no meio do furacão, a coisa está acontecendo, claro que você tem uma certa perda de referência, porque, claro, são tecnologias que a gente nunca viu. Mas a gente já lidou com isso outras vezes e com outras tecnologias em outras épocas. Isso vai depender da gente, enfim, ter força como sociedade para discutir qual o futuro que a gente quer. Claro que isso exige muita luta, muita discussão, muito diálogo, com essas tecnologias. Agora, que elas vão estar aí, isso é óbvio, é uma coisa meio inevitável. Não tem jeito, não.

 

FONTE:

https://sul21.com.br/noticias/entrevistas/2025/06/a-luta-entre-capital-e-trabalho-vai-decidir-o-futuro-da-inteligencia-artificial-diz-sociologo/ 




ONLINE
16