Manual das escolas cívico-militares
Manual das escolas cívico-militares prevê meninos 'bem barbeados' e meninas com adereços discretos
Texto do MEC recomenda 'rondas' para monitorar alunos e diz que militares só podem se dirigir aos estudantes acompanhados de professor; cabelos tingidos e adereços para meninos são vetados
Bolsonaro com alunos militares de Brasília Foto: Jorge William / Agência O Globo
Decreto nº 10.004, de 5 de setembro 2019 - Institui o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares.
RIO — Alunos das escolas cívico-militares terão que estar "bem barbeados". Já as meninas só poderão usar adereços discretos.O cabelo dos alunos deve ser cortados "de modo a manter nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço". A tonalidade deve ser natural, assim como de sobrancelhas, e sem adereços, quando uniformizados.
Já as meninas têm mais opções. Aquelas que têm cabelos curtos ("cujo comprimento se mantém acima da gola dos uniformes") podem ser usados soltos com todos os uniformes, mas deve ser "cuidadosamente arrumado". As que possuem cabelos longos devem fazer “rabo de cavalo na parte superior da cabeça ou trança simples".
O texto ainda faz previsão sobre acessórios: "Quando uniformizadas, as alunas poderão usar apenas adereços (relógio, pulseiras, brincos) discretos".
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A informação consta no "Manual das escolas cívico-militares", que foi obtido por meio da Lei de Acesso à Informação pelo site Fiquem Sabendo, que publicou as informações nesta segunda-feira.
Confira aspectos do novo modelo:
- As unidades ainda darão notas para a conduta dos alunos. Elas vão de 0 a 10, em seis escalas diferentes: de "Mau" (0 a 2,99) a "Excepcional" (10). O aluno de comportamento "Regular” (menor do que 5,99) será encaminhado pelo Oficial de Gestão Educacional à Seção Psicopedagógica para avaliação e acompanhamento. Quem atingir o nível "Mau" poderá ser expulso.
- Os alunos chegam à escola com nota 8 em comportamento. Há, a partir daí, punições e recompensas. Repreensão, atividade de orientação educacional e suspensão (por dia) perdem 0,3, 0,5 e 0,8 pontos, respectivamente. Por outro lado, elogio individual, coletivo, aprovação e aprovação após recuperação valem 0,1, 0,3, 0,5 e 0,2, respectivamente.
- Militares só deverão se dirigir aos alunos que estiverem participando de atividades escolares com a presença de professor caso chamados pelo docente ou com a autorização dele.
- A criação de grêmios só pode ser realizada com autorização do diretor "alinhados às orientações didático-pedagógicas das Ecim e sob a supervisão de um orientador civil ou militar".
- Não haverá processo seletivo para a escolha dos alunos nem qualquer tipo de reserva de vagas.
- É aconselhado o máximo de 30 alunos por turma, mas isso fica a cargo das secretarias responsáveis pela escolas. Elas também decidem, entre outras coisas, sobre a carga horária semanal, a grade de horários, o tempo destinado à recuperação dos alunos com baixo rendimento escolar e os critérios para aprovação dos alunos.
- A grade curricular é a mesma da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No entanto, o documento prevê pelo menos uma hora-aula semanal do Projeto Valores, "a ser conduzido pelos Orientadores Educacionais e pelos Monitores", que são militares.
- Para cada turma, haverá um aluno Chefe e um Subchefe. Eles serão designados por meio de um rodízio, de acordo com a escala elaborada pelo Monitor. Serão responsáveis por, entre outras funções, zelar pela disciplina na ausência do professor ou do monitor e apurar as faltas na turma.
- Portar drogas, cometer depredações e cometer crimes ou contravenção são motivos para expulsão.
- Após o início do 2º tempo de aula, o ingresso de alunos nas salas de aula ou sua frequência a quaisquer outras atividades na escola só poderá ocorrer com a presença ou justificativa por escrito do responsável.
- Quando o aluno não puder comparecer a escola, seu responsável deverá comunicar o fato a secretaria escolar no mesmo dia, via e-mail ou telefone.
- O tratamento usado pelo aluno para com os civis é pela função que desempenham: professor, Diretor, Senhor ou Senhora. Para os militares, o tratamento usado pelo aluno deverá ser precedido pelo posto ou graduação.
- O aluno sempre deve usar a boina no interior da escola e fora dela quando uniformizado.
- Entre a relação de faltas, há 30 itens. Um deles é "ter em seu poder, introduzir, ler ou distribuir, dentro da escola, cartazes, jornais ou publicações que atentem contra a moral".
- Enquanto o aluno estiver em aula ou participando de outras atividades escolares, fica proibido o uso do aparelho celular, exceto se fizer parte da atividade proposta pelo professor.
- O governo recomenda a realização de rondas pelos monitores, com a finalidade de verificar se alunos estão faltando à alguma atividade sem autorização.
O manual define a organização da escola, normas de apoio pedagógico, de avaliação educacional, de gestão escolar, de conduta e atitudes, de uso de uniforme e apresentação de alunos.
O modelo apresentado no documento foi construído, segundo o texto do manual, "democraticamente, pelo MEC, com a participação de representantes das redes estaduais e municipais de educação". Estudantes não participaram do processo
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Ele foi apresentado durante a 1ª Capacitação dos Profissionais Participantes do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, em dezembro de 2019 e, segundo o MEC, recebeu sugestões para o seu aperfeiçoamento até a sua versão final.
Investimento federal
O governo federal prevê o aporte de R$ 1 milhão de verba da União por escola em estados que aderiram ao programa — são 15, mais o Distrito Federal, no Brasil.A verba poderá ser utilizada de duas formas. Na primeira, o MEC repassará os recursos ao Ministério da Defesa para pagamento dos militares que serão alocados na escola. Em contrapartida, os estados ou os municípios farão adaptação nas instalações das escolas e providenciarão uniformes, materiais, laboratórios e tecnologias.
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Na outra forma, em caso de não haver militares das Forças Armadas, o ministério repassará os recursos à cidade ou ao estado para adaptação das escolas, aquisição dos uniformes, laboratórios e tecnologias. Por outro lado, será o estado que disponibilizará militares das corporações estaduais às escolas cívico-militares
Já as grades horárias serão construídas pelos estados. Há, segundo o MEC, previsão de pelo menos um tempo semanal para "atividades de orientação educacional e de desenvolvimento de valores e atitudes, a serem conduzidas pelos orientadores educacionais e pelos monitores", que são militares.
Ainda de acordo com o ministério, isso significa que eles vão atuar acompanhando alunos de baixo rendimento; atuar na integração família-aluno-escola; auxiliar os alunos a definirem os seus projetos de vida; orientar os alunos a gerenciar os seus processos de aprendizagem e a cultivar métodos e hábitos de estudos adequados; e propor ações que permitam a adaptação dos alunos e professores à escola, contribuindo para a melhoria do ambiente escolar, entre outros.
"Essas atividades não têm um formato único. Elas devem ocorrer pelo menos durante uma hora-aula, uma vez por semana (não sendo opcional) e em outras oportunidades que podem ser promovidas pela escola. Não necessariamente devem ocorrer na sala de aula. Podem ser realizadas no pátio, na biblioteca, numa roda de conversas, etc", afirmou o MEC.
Projeto do governo de escolas cívico-militares fica no papel
Governo ainda vai contratar e treinar oficiais para atuar em colégios; lista completa de unidades do novo programa não foi divulgada
Uma das principais apostas do presidente Jair Bolsonaro para melhorar o desempenho educacional no País, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, vai começar o ano letivo sem a presença das Forças Armadas nos colégios. Também não há ainda a definição de todas as unidades que receberão o modelo, piloto em 2020, e diretores esperam do governo os recursos prometidos.
Escolas cívico-militares têm gestão compartilhada entre militares e civis. Hoje, diz o Ministério da Educação (MEC), há 203 colégios no País no modelo. São diferentes das escolas mentidas pelo Exército, que têm custo bem maior do que unidades da rede pública convencional.
Promessa de campanha, o governo anunciou em setembro o programa em 54 escolas, do ensino fundamental (6.º ao 9.º ano) e médio, em 23 Estados e no Distrito Federal este ano. A meta é chegar a 216 unidades até 2023.
O projeto prevê que militares da reserva atuem em tutorias e na área administrativa - e não como professores ou em sala de aula. Apesar de esperar que o oficiais auxiliem na gestão educacional, a orientação do MEC às escolas é que iniciem as aulas e que, depois, os militares vão se "inserir" na rotina e na programação escolar.
O MEC, responsável pelo programa, minimiza a indefinição. Diz que, embora a contratação dos militares ainda não tenha começado e que a pasta ainda não tenha escolhido todas as unidades, "as escolas terão tempo" para adaptação. Segundo o MEC, as contratações serão feitas "nos primeiros meses deste ano" - o Estado apurou que o processo deve ser concluído só em abril, ao menos dois meses após o início das aulas.
O modelo cívico-militar é alvo de frequentes elogios de Bolsonaro e do ministro Abraham Weintraub, mas foi visto com ressalvas por especialistas. Nos últimos dias, tem crescido a pressão pela saída de Weintraub. Parecer de uma comissão da Câmara, de novembro, apontou paralisia no planejamento e execução de políticas do MEC.
Entrave
A seleção dos militares da reserva travou por causa da dificuldade de o ministério definir as escolas que receberiam o modelo. No fim de novembro, a pasta anunciou os municípios que participariam e foi só neste momento que as secretarias de educação indicaram em quais colégios queriam o projeto. Isso contrariou algumas comunidades escolares.
Em Campinas, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Odila Maia Rocha Brito foi indicada sem ter se voluntariado para ter o modelo - o que, segundo o próprio MEC, era critério para a seleção. Também era requisito para entrar no programa o aval da comunidade escolar por consulta pública. Uma votação foi agendada pela prefeitura para dezembro, mas suspensa pela Justiça, a pedido de uma entidade estudantil, até o fim das férias escolares.
A incerteza sobre o funcionamento do programa também leva a desistências. Maceió ofereceu uma escola, mas recuou após saber que teria de selecionar por conta própria os militares. "Depois que fomos selecionados, informaram que não havia oficiais do Exército disponíveis para atuar aqui. Teríamos de negociar com o governo estadual para contratar policiais militares ou bombeiros", diz a secretária municipal de Educação, Ana Dayse Dorea. "O ministério entraria só com recurso financeiro para reformas, mas sem informar o valor certo."
É previsto que Estados e municípios façam a escolha entre dois modelos. Em um, há oferta de pessoal e o MEC repassará R$ 28 milhões ao Ministério da Defesa arcar com o pagamento de militares da reserva das Forças Armadas; no outro, o dinheiro é enviado para o governo local aplicar na infraestrutura das unidades - nestas escolas, atuarão PMs e bombeiros militares.
"Em um Estado em que falta policiais, como nosso caso, não faz sentido. Seria criar um problema muito grande para nossa secretaria. Além do mais, não havia clareza de que o recurso que receberíamos compensaria a mudança", diz Ana.
Nos locais onde o MEC já garantiu que se encarregará da contratação dos militares, também há indefinição e ainda não houve mudança nas escolas. É o caso de Manaus, que teve duas unidades estaduais selecionadas. "Com o modelo que escolhemos, o Estado do Amazonas entra com o recurso para reformas e recebemos os militares. Fizemos o que já é feito em todas as escolas, com a manutenção da parte elétrica, hidráulica e mobiliários das escolas. Agora, esperamos a contratação dos oficiais", explica o coronel André Gomes Ribeiro, indicado como responsável local pela implementação do programa.
Ministério da Defesa diz seguir cronograma
O Estado pediu ao MEC o nome e a cidade das 54 escolas que receberão o modelo, mas a pasta disse, em nota, que a lista ainda "está sendo atualizada" e será divulgada em breve, sem definir prazo. Questionado sobre quando a verba prometida para reforma e equipamentos chegará às escolas, o ministério não respondeu.
A Defesa, que será responsável por conduzir a contratação dos oficiais, informou seguir o "cronograma inicial do programa" e prevê inscrições dos militares até 16 de fevereiro. A previsão é de que sejam contratados 540 militares inativos das Forças Armadas, mas ainda não há definição do contingente por localidade. Após a contratação, o MEC ainda fará o treinamento dos oficiais antes que eles passem a atuar nas escolas.
Bolsonaro e ministro elogiam modelo, mas especialistas veem com ressalvas
Mesmo com indefinições sobre as escolas cívico-militares, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Abraham Weintraub têm elogiado o modelo. No dia 16, em vídeo juntos nas redes sociais, o presidente diz que colégios militares têm "resultado top em todo o mundo" e o ministro o assegura de que está levando o formato a "várias cidades e Estados". Ainda segundo Weintraub, "o modelo, dando certo, vai expandir rapidamente".
O governo diz que a presença de militares melhora os índices educacionais e traz mais disciplina e segurança. Em alguns Estados que já adotam o formato, como Goiás e Bahia, as redes de unidades cívico-militares têm crescido nos últimos anos. Em treinamento com diretores de algumas das escolas selecionadas em dezembro, o ministro disse que oferecerá os recursos necessários para ter os melhores resultados do País, mas que não vai "tolerar erros".
Nesta segunda-feira, 3, Bolsonaro também deve lançar a pedra fundamental da construção de um colégio militar de São Paulo, ligado às Forças Armadas, no Campo de Marte, na zona norte paulistana.
Ainda que atinja a meta, de 216 unidades até 2023, esse total só abrange 0,15% das 141 mil escolas públicas do País. Além disso, o ministério ainda não apresentou estudo que comprove ser a presença dos militares o que leva a uma melhora no aprendizado.
"O objetivo do governo deveria ser garantir que todas as crianças aprendam, mas escolheram investir em um número muito restrito de escolas. Ainda mais com um modelo sem comprovação de eficácia", diz Claudia Costin, do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo ela, as indefinições evidenciam a incapacidade de implementar políticas públicas da atual gestão do MEC. "Há preocupação muito grande com a parte ideológica e esqueceram que lidam com operações logísticas muito complexas. Não consideram que o ministério pode desenhar a política, mas a implementação depende dos Estados, municípios, escolas."
Mônica Gardelli Franco, especialista em educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destaca ainda que o fato de educadores dividirem a gestão com militares demanda adaptação e planejamento. "É uma organização que nenhum dos lados está acostumado. Nem professores, nem militares. Para evitar choque, é preciso que tudo esteja muito bem alinhado. Fazer isso no meio do ano letivo pode ser ainda mais desastroso."
Em 2019, o Ministério Público Federal da Bahia recomendou a escolas cívico-militares já existentes no Estado que não interfiram mais no corte de cabelo, cor da unha ou maquiagem de alunos. Não deve haver, diz o órgão, restrição à liberdade de expressão dos jovens.