Formação de alunos e aprovação nos vestibulares exigem mais do que a proposta
de preparação para o mercado de trabalho e congelamento nos investimentos públicos.
A onda conservadora que entrou pelas portas da frente do MEC tem assustado todos aqueles que acompanham as questões educacionais e que possuem alguma experiência com o ensino no Brasil. Isso se dá porque, além das nomeações de figuras inexperientes e avessas aos consensos no campo educacional no século XX, há um discurso anti-intelectual em voga que nada contribui para avançar no tema. O vai-vem de propostas e, em especial, o recente bate-cabeça sobre o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), já mostram que a gestão não está preparada para os debates que permeiam a pasta.
Mas a questão não é novidade. Em campanha eleitoral, o novo presidente afirmou que o orçamento atual destinado à educação já é o suficiente para avanços, com isso, o MEC deveria focar em duas frentes: i) construir uma educação voltada para atender as necessidades do mercado de trabalho; e ii) mais foco no ensino de Língua Portuguesa (LP), Matemática e Ciências e menos em “doutrinação de esquerda e sexualização precoce”. Para além disso, aparentemente ninguém na gestão sabe de mais nada.
Neste sentido, propositadamente ou não, Bolsonaro logo cedo revelara que desconhece os verdadeiros problemas do ensino público nacional. Atualmente, já empossado, o que sua equipe propõe para a educação nacional é um giro de 180 graus, uma trilha para o passado: a volta do debate sobre a formação apenas para o mercado de trabalho, modelos fônico-fonético de alfabetização, colégio militar, educação “moral e cívica”, combate à diversidade, à educação sexual e às discussões políticas etc. Acontece que as propostas não são apoiadas nem pela maior parte da população (aqui) e nem por especialistas. Mas não só isso, também está em choque com o que vem logo depois do ensino obrigatório no Brasil, as atuais exigências dos exames vestibulares.
A prova disso é que, neste ano, tanto o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), como os vestibulares para as melhores universidades no Brasil – em especial as públicas estaduais-, exigiram dos alunos interpretações sobre assuntos contemporâneos (aqui) através de aproximações com diferentes disciplinas. Dessa forma, os recursos necessários para sucesso nestas provas são muito mais sofisticados do que a mera preparação para o mercado de trabalho ou foco em disciplinas isoladas.
Dado o número pequeno de vagas nas universidades públicas, o problema vai se tornando cada vez mais complexo quando se relaciona o ensino nacional com o contexto socioeconômico. Em um país tão desigual como o nosso, os vestibulares servem como acesso meritocrático apenas a uma camada social muito específica e pequena da população. Para a maioria dos alunos e alunas, por outro lado, essas provas são barreiras à continuidade do ensino gratuito. Se isso já é um problema histórico que ainda não resolvemos por completo enquanto sociedade, a face de “filtro social” dos vestibulares concorridos tende a piorar caso os planos desse novo governo vinguem no ensino. Em especial, quando se tem um chefe do executivo nacional que encara políticas de reparação histórica e maior acesso às universidades públicas como “coitadismo”.
Em contraste com o novo governo, também chama a atenção a recente carta endereçada ao novo ministro do MEC feita pela think-thank Critique, um grupo viabilizado pela holding Bahema Educação que possui escolas privadas de elite com atuação importante no Brasil. Com conteúdo acertado,o texto revela um claro distanciamento entre o tipo de ensino contemporâneo acessado por jovens dessas escolas e as propostas arcaicas para a maior parte dos brasileiros oferecidas pela nova gestão.
Assim, para além do que está no texto, a carta aponta como resultado no futuro o aprofundamento de uma espécie de distinção econômica que reverbera na educação: enquanto as escolas que formam as elites intelectuais intentam ensinar para interpretar e atuar sobre a realidade, a política de educação nacional objetiva que a maior parte da população apenas a aceite.
Com isso, além da evasão escolar aumentada por essa proposta que coloca a criança e o jovem em segundo plano e o mercado em primeiro, o acesso de jovens provenientes de escolas públicas ao ensino superior público será dificultado.
Os dados atuais de acesso à universidade já são preocupantes demais para ignorá-los. Para exemplificar, a tabela abaixo mostra o percentual de aprovação (1ª chamada) em três vestibulares de São Paulo que dão acesso às universidades públicas estaduais. Os dados estão divididos entre alunos que cursaram somente escolas públicas ou somente privadas. Para além disso, a tabela também apresenta a intenção de candidatura à vaga (inscritos), com isso, pode-se inferir sobre a predisposição dos alunos e alunas para realizarem o exame.
Fonte: Resultados publicados nos sites da Fuvest, Unicamp e Vunesp, para 2007 a 2017. Tabela elaborada pelo autor.
Segundo os dados coletados, é importante ressaltar que a proporção de convocados das escolas públicas aumentou no período. É positivo, por exemplo, que nos vestibulares da Unicamp e da Unesp em 2017, o percentual de convocados das escolas públicas foi maior que 50% dos inscritos oriundos desse setor. Esse dado deve ser comemorado, registrado e estudado profundamente, a fim de saber o que tem dado certo em termos de políticas públicas. Certamente, há indicativos para relacionar o bom resultado com algumas políticas diretas sobre o tema: isenção da taxa de inscrição no exame, política de cotas, proliferação dos cursinhos populares, dentre outras; como também, pode-se ligar os dados com outras medidas positivas indiretas: maior investimento no ensino médio público através do Fundeb, melhoria na infraestrutura de escolas, aumento da renda familiar etc.
Por outro lado, infelizmente, pode-se tirar de conclusão que nestes últimos dez anos não houve aumento significativo dos inscritos das escolas públicas para vagas nestas universidades. No caso da Fuvest – vestibular para entrada na Universidade de São Paulo (USP) conhecido pela sua dificuldade -, a proporção de alunos de escolas públicas inscritos no exame diminuiu com o tempo. Isso deve acender um sinal de alerta, pois mostra que ainda falta incentivos aos alunos de instituições públicas para se inscreverem nesses vestibulares, embora os avanços na área.
Ademais, a situação se torna muito preocupante quando se compara a taxa de matrícula no ensino médio entre os setores público e privado. Analisando os dados da tabela, a maior proporção dos alunos inscritos (e aprovados, considerando toda a série histórica) ainda é proveniente de escolas privadas, mesmo o percentual de matrículas neste setor representar apenas 12,2% no ensino médio nacional e 14,8% no estado de São Paulo, segundo o Censo Escolar de 2017. Este caso de São Paulo é um exemplo evidente da inversão de matrículas na transição do ensino básico para o ensino superior: quem estuda em escola particular tem mais chances de se encaminhar para as instituições públicas, e quem estava nas escolas públicas vão para as faculdades particulares ou param de estudar.
Essa é uma das dívidas que o setor público acumulou com os alunos e alunas no Brasil e a resolução disso não é simples.
De maneira geral, a preparação intelectual, física e psíquica para a aprovação no vestibular leva anos e também se concretiza fora da instituição escolar. O conteúdo escolar trabalhado é apenas uma das partes importantes do processo. Alimentação saudável, treinamento diário de concentração em um ambiente propício e estar emocionalmente autoconfiante da possibilidade de ter sucesso nesse tipo de prova são, sem dúvidas, outros aspectos que envolvem a preparação e definem os resultados finais. Sem contar, é claro, o apoio e o “background” familiar, que vão desde o estímulo e contato com diferentes formas de acesso ao conhecimento em casa (jornais, internet etc), museus, passeios, lazer e viagens até a formação escolar dos pais. Tudo isso, além da formação, garante mais chances de sucesso no vestibular.
Mas esse conjunto de fatores exige uma renda familiar muito acima da média da população. Por isso, grande parte dos alunos e alunas no Brasil precisam da escola para suprir essas demandas que não podem vir de casa. Seja para formar intelectualmente, seja para o ingresso no vestibular, os alunos mais vulneráveis precisam ter contato eficiente com os conteúdos do currículo escolar e professores valorizados, um ambiente propício à autonomia nos estudos, estrutura escolar adequada (biblioteca, refeitório, sala de estudos, laboratórios, quadra esportiva etc), apoio psicológico, saídas escolares à campo, espaços para organização estudantil etc.
Isso exigiria da federação mais apoio financeiro aos estados e municípios, os quais são os entes constitucionalmente responsáveis pela maior parte da oferta do ensino básico público. Como exemplo, em 2018, o valor aluno-ano (o menor custo possível por aluno efetuado anualmente pelas redes de ensino público) ficou definido em R$ 3.016,67, o que daria em torno de R$250 por mês. Em São Paulo, o valor do aluno no ensino médio urbano foi de R$ 4.693,04, situação melhor que o mínimo nacional, mas ainda sim muito pouco: R$391 por mês.
Certamente, isso não é o suficiente para formar os brasileiros na escola básica, e é surpreendente que haja jovens que consigam competir nos vestibulares e alçar a uma vaga nas melhores universidade do país. Em termos de comparação, a média das mensalidades das escolas acessadas pelas elites no Brasil gira em torno de R$ 4.000, sem levar em conta os valores das novas escolas internacionais. Isso mostra o potencial intelectual retraído nas escolas públicas, o que pode piorar ainda mais nos próximos anos caso a proposta de fato seja manter a Emenda Constitucional nº 95, que congela o investimento público em Educação (aqui) e em outras áreas (proposta apoiada por Jair Bolsonaro quando deputado).
Isso não é novidade para os profissionais da área educacional: é mais investimento público no setor público e consciência dos problemas reais do Brasil que garantirá um futuro aos jovens brasileiros. A perseguição fanática aos professores progressistas, a inserção precoce no mercado de trabalho, resultados em provas de larga escala, método de alfabetização “bala de prata” etc, tudo isso é cortina de fumaça que esconde os verdadeiros problemas.
Construir a escola como espaço de reflexão do nosso cotidiano, formando cidadãos que possam intervir e modificar a própria história, é um dos pilares educacionais mais bonitos já construídos sobre o tema. Inclusive, isso é importante para que os próprios alunos e alunas do ensino público repensem e atuem no mercado de trabalho, de forma a alterar a evidente reprodução das diferenças entre as classes sociais que ocorrem nas diversas áreas de atuação profissional.
Por essa razão, deve-se cobrar e pressionar que os governos não percam tempo com as bobagens e falsos debates tipo Escola Sem Partido ou o combate ao “marxismo cultural”. Para começar, no campo educacional, tem-se urgência na agenda do novo Fundeb e na obrigatoriedade de se estabelecer o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), meta para 2016 no Plano Nacional de Educação e até agora não colocada em prática. Esses são primeiros passos, e ambos podem alterar significativamente a vida de milhões de jovens no Brasil.
https://contraturno.wordpress.com/2019/01/15/mec-propoe-caminho-nada-suave-para-o-passado/?fbclid=IwAR0kLiwX15GrjNDVHyLaJdP2QaiHJ2lGjBAclCAHpDhfVBfjVSBKLNzU-pQ
Formação de alunos e aprovação nos vestibulares exigem mais do que a proposta
de preparação para o mercado de trabalho e congelamento nos investimentos públicos.
A onda conservadora que entrou pelas portas da frente do MEC tem assustado todos aqueles que acompanham as questões educacionais e que possuem alguma experiência com o ensino no Brasil. Isso se dá porque, além das nomeações de figuras inexperientes e avessas aos consensos no campo educacional no século XX, há um discurso anti-intelectual em voga que nada contribui para avançar no tema. O vai-vem de propostas e, em especial, o recente bate-cabeça sobre o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), já mostram que a gestão não está preparada para os debates que permeiam a pasta.
Mas a questão não é novidade. Em campanha eleitoral, o novo presidente afirmou que o orçamento atual destinado à educação já é o suficiente para avanços, com isso, o MEC deveria focar em duas frentes: i) construir uma educação voltada para atender as necessidades do mercado de trabalho; e ii) mais foco no ensino de Língua Portuguesa (LP), Matemática e Ciências e menos em “doutrinação de esquerda e sexualização precoce”. Para além disso, aparentemente ninguém na gestão sabe de mais nada.
Neste sentido, propositadamente ou não, Bolsonaro logo cedo revelara que desconhece os verdadeiros problemas do ensino público nacional. Atualmente, já empossado, o que sua equipe propõe para a educação nacional é um giro de 180 graus, uma trilha para o passado: a volta do debate sobre a formação apenas para o mercado de trabalho, modelos fônico-fonético de alfabetização, colégio militar, educação “moral e cívica”, combate à diversidade, à educação sexual e às discussões políticas etc. Acontece que as propostas não são apoiadas nem pela maior parte da população (aqui) e nem por especialistas. Mas não só isso, também está em choque com o que vem logo depois do ensino obrigatório no Brasil, as atuais exigências dos exames vestibulares.
A prova disso é que, neste ano, tanto o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), como os vestibulares para as melhores universidades no Brasil – em especial as públicas estaduais-, exigiram dos alunos interpretações sobre assuntos contemporâneos (aqui) através de aproximações com diferentes disciplinas. Dessa forma, os recursos necessários para sucesso nestas provas são muito mais sofisticados do que a mera preparação para o mercado de trabalho ou foco em disciplinas isoladas.
Dado o número pequeno de vagas nas universidades públicas, o problema vai se tornando cada vez mais complexo quando se relaciona o ensino nacional com o contexto socioeconômico. Em um país tão desigual como o nosso, os vestibulares servem como acesso meritocrático apenas a uma camada social muito específica e pequena da população. Para a maioria dos alunos e alunas, por outro lado, essas provas são barreiras à continuidade do ensino gratuito. Se isso já é um problema histórico que ainda não resolvemos por completo enquanto sociedade, a face de “filtro social” dos vestibulares concorridos tende a piorar caso os planos desse novo governo vinguem no ensino. Em especial, quando se tem um chefe do executivo nacional que encara políticas de reparação histórica e maior acesso às universidades públicas como “coitadismo”.
Em contraste com o novo governo, também chama a atenção a recente carta endereçada ao novo ministro do MEC feita pela think-thank Critique, um grupo viabilizado pela holding Bahema Educação que possui escolas privadas de elite com atuação importante no Brasil. Com conteúdo acertado,o texto revela um claro distanciamento entre o tipo de ensino contemporâneo acessado por jovens dessas escolas e as propostas arcaicas para a maior parte dos brasileiros oferecidas pela nova gestão.
Assim, para além do que está no texto, a carta aponta como resultado no futuro o aprofundamento de uma espécie de distinção econômica que reverbera na educação: enquanto as escolas que formam as elites intelectuais intentam ensinar para interpretar e atuar sobre a realidade, a política de educação nacional objetiva que a maior parte da população apenas a aceite.
Com isso, além da evasão escolar aumentada por essa proposta que coloca a criança e o jovem em segundo plano e o mercado em primeiro, o acesso de jovens provenientes de escolas públicas ao ensino superior público será dificultado.
Os dados atuais de acesso à universidade já são preocupantes demais para ignorá-los. Para exemplificar, a tabela abaixo mostra o percentual de aprovação (1ª chamada) em três vestibulares de São Paulo que dão acesso às universidades públicas estaduais. Os dados estão divididos entre alunos que cursaram somente escolas públicas ou somente privadas. Para além disso, a tabela também apresenta a intenção de candidatura à vaga (inscritos), com isso, pode-se inferir sobre a predisposição dos alunos e alunas para realizarem o exame.
Fonte: Resultados publicados nos sites da Fuvest, Unicamp e Vunesp, para 2007 a 2017. Tabela elaborada pelo autor.
Segundo os dados coletados, é importante ressaltar que a proporção de convocados das escolas públicas aumentou no período. É positivo, por exemplo, que nos vestibulares da Unicamp e da Unesp em 2017, o percentual de convocados das escolas públicas foi maior que 50% dos inscritos oriundos desse setor. Esse dado deve ser comemorado, registrado e estudado profundamente, a fim de saber o que tem dado certo em termos de políticas públicas. Certamente, há indicativos para relacionar o bom resultado com algumas políticas diretas sobre o tema: isenção da taxa de inscrição no exame, política de cotas, proliferação dos cursinhos populares, dentre outras; como também, pode-se ligar os dados com outras medidas positivas indiretas: maior investimento no ensino médio público através do Fundeb, melhoria na infraestrutura de escolas, aumento da renda familiar etc.
Por outro lado, infelizmente, pode-se tirar de conclusão que nestes últimos dez anos não houve aumento significativo dos inscritos das escolas públicas para vagas nestas universidades. No caso da Fuvest – vestibular para entrada na Universidade de São Paulo (USP) conhecido pela sua dificuldade -, a proporção de alunos de escolas públicas inscritos no exame diminuiu com o tempo. Isso deve acender um sinal de alerta, pois mostra que ainda falta incentivos aos alunos de instituições públicas para se inscreverem nesses vestibulares, embora os avanços na área.
Ademais, a situação se torna muito preocupante quando se compara a taxa de matrícula no ensino médio entre os setores público e privado. Analisando os dados da tabela, a maior proporção dos alunos inscritos (e aprovados, considerando toda a série histórica) ainda é proveniente de escolas privadas, mesmo o percentual de matrículas neste setor representar apenas 12,2% no ensino médio nacional e 14,8% no estado de São Paulo, segundo o Censo Escolar de 2017. Este caso de São Paulo é um exemplo evidente da inversão de matrículas na transição do ensino básico para o ensino superior: quem estuda em escola particular tem mais chances de se encaminhar para as instituições públicas, e quem estava nas escolas públicas vão para as faculdades particulares ou param de estudar.
Essa é uma das dívidas que o setor público acumulou com os alunos e alunas no Brasil e a resolução disso não é simples.
De maneira geral, a preparação intelectual, física e psíquica para a aprovação no vestibular leva anos e também se concretiza fora da instituição escolar. O conteúdo escolar trabalhado é apenas uma das partes importantes do processo. Alimentação saudável, treinamento diário de concentração em um ambiente propício e estar emocionalmente autoconfiante da possibilidade de ter sucesso nesse tipo de prova são, sem dúvidas, outros aspectos que envolvem a preparação e definem os resultados finais. Sem contar, é claro, o apoio e o “background” familiar, que vão desde o estímulo e contato com diferentes formas de acesso ao conhecimento em casa (jornais, internet etc), museus, passeios, lazer e viagens até a formação escolar dos pais. Tudo isso, além da formação, garante mais chances de sucesso no vestibular.
Mas esse conjunto de fatores exige uma renda familiar muito acima da média da população. Por isso, grande parte dos alunos e alunas no Brasil precisam da escola para suprir essas demandas que não podem vir de casa. Seja para formar intelectualmente, seja para o ingresso no vestibular, os alunos mais vulneráveis precisam ter contato eficiente com os conteúdos do currículo escolar e professores valorizados, um ambiente propício à autonomia nos estudos, estrutura escolar adequada (biblioteca, refeitório, sala de estudos, laboratórios, quadra esportiva etc), apoio psicológico, saídas escolares à campo, espaços para organização estudantil etc.
Isso exigiria da federação mais apoio financeiro aos estados e municípios, os quais são os entes constitucionalmente responsáveis pela maior parte da oferta do ensino básico público. Como exemplo, em 2018, o valor aluno-ano (o menor custo possível por aluno efetuado anualmente pelas redes de ensino público) ficou definido em R$ 3.016,67, o que daria em torno de R$250 por mês. Em São Paulo, o valor do aluno no ensino médio urbano foi de R$ 4.693,04, situação melhor que o mínimo nacional, mas ainda sim muito pouco: R$391 por mês.
Certamente, isso não é o suficiente para formar os brasileiros na escola básica, e é surpreendente que haja jovens que consigam competir nos vestibulares e alçar a uma vaga nas melhores universidade do país. Em termos de comparação, a média das mensalidades das escolas acessadas pelas elites no Brasil gira em torno de R$ 4.000, sem levar em conta os valores das novas escolas internacionais. Isso mostra o potencial intelectual retraído nas escolas públicas, o que pode piorar ainda mais nos próximos anos caso a proposta de fato seja manter a Emenda Constitucional nº 95, que congela o investimento público em Educação (aqui) e em outras áreas (proposta apoiada por Jair Bolsonaro quando deputado).
Isso não é novidade para os profissionais da área educacional: é mais investimento público no setor público e consciência dos problemas reais do Brasil que garantirá um futuro aos jovens brasileiros. A perseguição fanática aos professores progressistas, a inserção precoce no mercado de trabalho, resultados em provas de larga escala, método de alfabetização “bala de prata” etc, tudo isso é cortina de fumaça que esconde os verdadeiros problemas.
Construir a escola como espaço de reflexão do nosso cotidiano, formando cidadãos que possam intervir e modificar a própria história, é um dos pilares educacionais mais bonitos já construídos sobre o tema. Inclusive, isso é importante para que os próprios alunos e alunas do ensino público repensem e atuem no mercado de trabalho, de forma a alterar a evidente reprodução das diferenças entre as classes sociais que ocorrem nas diversas áreas de atuação profissional.
Por essa razão, deve-se cobrar e pressionar que os governos não percam tempo com as bobagens e falsos debates tipo Escola Sem Partido ou o combate ao “marxismo cultural”. Para começar, no campo educacional, tem-se urgência na agenda do novo Fundeb e na obrigatoriedade de se estabelecer o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), meta para 2016 no Plano Nacional de Educação e até agora não colocada em prática. Esses são primeiros passos, e ambos podem alterar significativamente a vida de milhões de jovens no Brasil.
https://contraturno.wordpress.com/2019/01/15/mec-propoe-caminho-nada-suave-para-o-passado/?fbclid=IwAR0kLiwX15GrjNDVHyLaJdP2QaiHJ2lGjBAclCAHpDhfVBfjVSBKLNzU-pQ