Medidas emergenciais para educação
10 medidas emergenciais para educação que Lula deve adotar no início do mandato
Merenda escolar, recuperação da aprendizagem pós-pandemia, novo Enem e retomada da inclusão nas universidades estão entre as prioridades do novo governo, segundo membros da equipe de transição.
Por BBC-
Merenda escolar, recuperação da aprendizagem pós-pandemia, novo Enem e retomada
da inclusão nas universidades estão entre as prioridades do novo governo
— Foto: GABRIEL JABUR/AGÊNCIA BRASIL
"Desde o início do governo Bolsonaro, a política de educação foi negligenciada, tratada como instrumento para a guerra cultural e com aparelhamento ideológico. Trocas de ministros, denúncias de corrupção, crises na oferta dos serviços públicos foram a tônica."
Assim começa o capítulo sobre educação do relatório final produzido pela equipe de transição do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"De 2019 a 2022, o Ministério da Educação (MEC) e suas autarquias sofreram retrocessos institucionais, orçamentários e normativos, observando-se falta de planejamento; descontinuidade de políticas relevantes; desarticulação com os sistemas de ensino estaduais e municipais e da rede federal de ensino; incapacidade de execução orçamentária; e omissões perante os desafios educacionais", segue o documento.
Com o MEC sob o comando do ex-governador do Ceará Camilo Santana, e tendo Izolda Cela à frente da secretaria-executiva da pasta, a nova gestão federal deve tomar uma série de medidas emergenciais para reverter o que foi identificado pela equipe de transição como um "desmonte do Estado e das políticas públicas" na área da educação.
Entre essas prioridades, segundo membros da equipe de transição, estão a alimentação escolar, recuperação da aprendizagem pós-pandemia, implementação do novo Ensino Médio e do novo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) — que deverá passar por mudanças em 2024.
A compra de livros didáticos — atrasada pelo atual governo —, retomada dos espaços de participação social na definição das políticas de educação, e retomada de políticas para a primeira infância, alfabetização e valorização dos professores também estão entre as medidas urgentes a serem adotadas, segundo os especialistas.
No Ensino Superior, a retomada da inclusão de grupos historicamente desfavorecidos nas universidades e a revisão dos valores das bolsas de pesquisa estão na ordem do dia.
"Desde a creche, até a pós-graduação, o governo Lula vai ter problemas a resolver", diz Heleno Araújo, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e membro da equipe de transição.
Confira dez medidas emergenciais para a educação que o novo governo Lula deve buscar adotar já no início do mandato, segundo membros da equipe de transição.
1) Alimentação escolar
"A primeira coisa que precisa ser garantida é a questão da organização da merenda", diz Claudia Costin, diretora geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV Ceipe), que fez parte equipe de transição.
"Num Brasil que voltou ao mapa da fome, a merenda escolar era um grande programa de segurança alimentar. Embora Estados mais ricos tenham como funcionar sem os repasses federais, o Brasil é profundamente desigual. Então o corte que foi feito na verba da merenda precisa ser consertado com urgência. É uma questão de emergência", diz a especialista.
Segundo o Observatório da Alimentação Escolar, desde 2017, o governo federal repassa R$ 0,36 por aluna por dia aos Estados e municípios, para alimentação escolar no ensino fundamental e médio.
Em 15 de dezembro, o Congresso derrubou veto de Bolsonaro que impedia aumento de repasse à merenda, abrindo caminho para que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) receba ao menos R$ 1,5 bilhão a mais em 2023, totalizando R$ 5,5 bilhões.
O Observatório estima, no entanto, que seriam necessário R$ 7,9 bilhões para recompor o poder de compra do orçamento.
2) Recuperação do aprendizado pós-pandemia
A segunda "emergência" a ser endereçada pelo novo governo na área da educação, segundo Costin, será criar uma coordenação nacional para a recuperação do aprendizado após o longo período de fechamento das escolas durante a pandemia de covid-19.
"Essa emergência decorre da quase ausência de coordenação nacional para a recomposição das aprendizagens que se perderam com a pandemia", diz Costin. "Será preciso então montar um sistema nacional de recuperação da aprendizagem, não adianta apenas mapear as aprendizagens que não ocorreram."
Segundo o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), os alunos em etapa de alfabetização foram os mais prejudicados pela pandemia.
Conforme reportagem do jornal O Globo publicada em setembro deste ano, a parcela de crianças que ainda não sabem ler e escrever ao fim do segundo ano do fundamental mais do que dobrou entre 2019 e 2021, de 15% para 34%.
3) Novo Ensino Médio e novo Enem
Um terceiro desafio a ser encarado ainda no curto prazo é a implementação do novo Ensino Médio, que teve início em 2022.
No novo modelo, a carga horária dos alunos é ampliada de 4 para 5 horas diárias, com objetivo de progressivamente chegar ao Ensino Médio de tempo integral. Além disso, a formação passa a ser composta por um ciclo básico obrigatório e uma parte flexível, a ser escolhida pelo aluno, chamada de itinerários formativos.
Aprovada em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), a mudança foi alvo de discordância no grupo de transição para a educação do novo governo.
Parte dos participantes defendeu a revogação da reforma, enquanto outra parcela prefere seu aperfeiçoamento. Sem consenso no grupo, a decisão sobre que caminho seguir ficou para o novo ministro, relata Heleno Araújo, da CNTE e um dos defensores da revogação.
"Os jovens gostaram [da mudança], 92% deles disseram numa pesquisa Datafolha que querem poder escolher uma área de aprofundamento. Mas as diretrizes firmadas para isso são tão genéricas que, num Brasil tão desigual, vai ser muito difícil a implementação. Isso pode ser aperfeiçoado", defende Costin, partidária do aperfeiçoamento.
"É preciso também deixar mais claro como o novo Enem será alinhado com esse novo Ensino Médio, pois a data para o novo Enem é 2024, o que é daqui a pouco."
Francisco Soares, ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que a falta de unidade nacional na implementação do novo Ensino Médio será um desafio para a efetivação do novo Enem.
"A mudança do Ensino Médio foi cheia de intercorrências. Ela começou com uma Medida Provisória, uma maneira ruim de fazer política educacional", lembra Soares.
"Mas o que veio depois foi pior ainda, porque os documentos são pouco claros, então as diferentes redes [estaduais] interpretaram a norma de maneiras um pouco diferentes. O Enem se vê numa situação complicada, porque a prova precisa contemplar a todos."
Segundo o professor da UFMG, o novo governo terá que definir se as diretrizes para o novo Enem — apresentadas pelo MEC de Bolsonaro em março de 2022 — serão revistas. Definido isso, o Inep precisará apresentar as matrizes de referência para elaboração da nova prova e apresentar exemplos do novo modelo de provas, para que os alunos possam se preparar.
"São milhões de alunos envolvidos, então o Enem é uma questão importante socialmente. São literalmente milhões de famílias que precisam ter clareza de como seus filhos e filhas farão o exame. A questão do Enem ultrapassa o âmbito educacional e é também uma questão social."
Estudante deixa local de prova com caderno de questões do Enem 2022, em
Ribeirão Preto (SP) — Foto: Érico Andrade/g1
4) Compra de livros didáticos
Outro problema que precisará ser resolvido ainda no início de mandato é que o governo Jair Bolsonaro deixou de comprar parte do material que integra o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2023.
Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo publicada no início de dezembro, o problema afeta obras literárias e de recuperação da aprendizagem para alunos da primeira à quinta série do Ensino Fundamental, incluindo a alfabetização, e materiais pedagógicos para professores.