Michelle Bolsonaro
Michelle Bolsonaro
26/02/2024
Por RICARDO NÊGGO TOM*
Para o projeto de poder neopentecostal, Michelle Bolsonaro já conta com a fé de muitos evangélicos de que ela é uma mulher ungida por Deus
A julgar por tudo que vimos acontecer neste domingo na Paulista, podemos dizer que a próxima tentativa de golpe contra a democracia no Brasil se dará pelos evangélicos. Mas não sem a permissividade do Estado com o projeto de poder neopentecostal que vem sendo pavimentado por etapas desde o final dos anos 1970.
E aqui vai uma crítica ao presidente Lula, porque foi nos seus primeiros dois governos que essa permissividade se ampliou com a participação de líderes evangélicos apoiando o seu governo em troca de benesses que favoreceram ainda mais o cumprimento das etapas desse projeto. Um projeto que tem na mentira e nos seus disseminadores a sua principal base de convencimento e sustentação. Na atual etapa, a da fomentação da teologia do domínio, duas figuras ganham destaque e serão fundamentais para as perversas pretensões do neopentecostalismo no país. São elas Michelle Bolsonaro e Silas Malafaia.
Quem conhecesse a história de Jezabel, a esposa do rei Acabe que governou Israel entre os anos 873-852 a.c, vai reconhecer muitas semelhanças entre ela e a ex-primeira dama da República. A começar o livro de I Reis a descreve como uma mulher dominadora, potencialmente religiosa e que se dizia porta-voz dos deuses na terra, o que lhe rendeu a fama de profetisa e mística. Após se casar com o rei Acabe, Jezabel introduziu as suas crenças culturais e religiosas no reino de Israel, passando a ser considerada uma sacerdotisa e educadora espiritual para aquele povo.
Sua fama de ex-prostituta nunca pode ser, de fato, comprovada, uma vez que sua imagem mística e religiosa era muito convincente e o seu comportamento de mãe zelosa e dona de casa a tornava ainda mais crível como a escolhida dos deuses e exemplo de mulher. Graças a fraqueza de seu marido, foi crescendo politicamente e submetendo até mesmo os rabinos e sacerdotes às suas ordens e ao culto do seu deus Baal.
Michelle Bolsonaro já conta com a fé de muitos evangélicos de que ela é uma mulher ungida por Deus. Durante sua participação na manifestação da Paulista ela mostrou todo o seu lado Jezabel ao olhar para o céu, erguer as mãos e, com a voz embargada e contrita, invocar o socorro do seu Deus contra aquilo que ela considera do mal e nocivo ao projeto de poder que ela defende e faz parte. Uma verdadeira ode à mentira e a falta de escrúpulos, mas que não deve ser refutada sob a égide do respeito a crença religiosa das pessoas.
Michelle Bolsonaro sabe disso, por isso abusa do seu direito de ser desonesta religiosamente e golpista em nome de Deus. Por ser mulher e possuir um estereótipo frágil, sensível e delicado, aos moldes do que muitos cristãos acreditam ser o tipo de mulher perfeita aos olhos de Deus, ela pode manifestar todos os demônios que carrega dentro de sua falsa personalidade sem ser considerada suspeita de possuí-los. O reino da besta neopentecostal brasileira já tem sua postulante a rainha.
Ainda sobre as mentiras contadas pelos bolsonaristas na Paulista, eu diria que se o diabo é o pai de tal arte, Silas Malafaia é seu filho primogênito. Vou mais além e digo que o empresário da fé possui todas as credenciais para suceder o cramulhão no cargo. Além de ataques subliminares ao STF, Silas Malafaia incitou os evangélicos a combaterem Lula como inimigo de Deus por suas declarações contra Israel. Algo que do ponto de vista sócio religioso significa promover uma cruzada evangélica contra o atual presidente da República, atribuindo a ele a personificação do mal a ser combatido pela igreja.
Aqui eu volto à permissividade do Estado com a conduta de certos líderes religiosos, que usam o direito constitucional de professarem a sua fé religiosa para disseminar o ódio e incitar os seus fiéis contra aqueles que discordam de suas opiniões. Parafraseando um trecho do apocalipse bíblico, eu diria que Silas Malafaia é a primeira besta, que veio anunciar o governo da segunda besta, para um bando de bestas que assistem passivamente o Brasil se tornar um evangelistão sob uma teocracia miliciana.
Das etapas desse projeto de poder neopentecostal, três delas já foram praticamente cumpridas e outras duas estão em processo. A primeira, foi a disseminação da ideia de um Estado evangélico governado por “Deus”, cujo programa de governo oferece como benefício máximo a salvação da alma das pessoas em nome de Jesus. A segunda, consistia no chamado a aceitação desse projeto salvador, através da conversão à igreja evangélica e do estrito cumprimento de sua doutrina.
A terceira, foi fomentar a teologia da prosperidade no imaginário dos fiéis, promovendo a alienação dos novos convertidos, sob a promessa do sucesso material e financeiro por meio da fidelidade ao projeto. A quarta, que ainda está em vigor, mas em processo de conclusão, é a conclamação de uma luta contra o mal sob a égide do pânico moral e da defesa da família e dos valores cristãos. O que significa condicionar os convertidos a enxergarem todos aqueles que não aceitam o projeto da “salvação” como uma ameaça às suas conquistas e a sua salvação através da fé no projeto.
Esses “seres do mal” que resistem e fazem a oposição ao poder neopentecostal, precisam ser destruídos para a manutenção e expansão desse projeto na sociedade por meio da quinta e derradeira etapa: a teologia do domínio. Esse conjunto de ideologias políticas que buscam submeter a vida pública ao pleno controle neopentecostal evangélico e da interpretação que este segmento faz da lei bíblica, é o que podemos classificar como um apocalipse “babyconsuêlico”, ou o fim do Estado democrático de direito na nossa sociedade.
Quando foi ministra, Damares Alves já anunciava a hora de os evangélicos governarem esta nação, enquanto Michelle Bolsonaro se ajoelhava em seus aposentos presidenciais e entregava o país nas mãos do senhor Jesus, associando o governo de seu marido a uma profecia de avivamento sobre o Brasil. Avivamentos que começaram a pipocar “espontaneamente” em locais públicos logo após a eleição de Lula. Quem não se lembra das cantorias gospel em supermercados e shoppings de algumas regiões do país, que era absorvida pelas pessoas que ali estavam despretensiosamente, sugerindo uma manifestação do espírito santo em suas vidas e um chamado à conversão ao projeto neopentecostal? Puro circo armado para impressionar os incautos e os mais suscetíveis ao controle.
A Jezabel evangélica e a besta do neopentecostalismo brasileiro já mostraram o seu cartão de visitas na Paulista e deixaram claro que não estão para brincadeira. A ordem do Deus deles é incendiar o país com mentiras que levem a sustentação de sua ideologia teocrática miliciana. Um evangelho de horrores que exclui Jesus Cristo e o substitui por um Messias genocida e adorador da morte, que está sob o iminente risco de prisão. Jair Bolsonaro será preso por seus inúmeros crimes, e que isso seja breve. No entanto, o evangelistão dirá que, assim como Jesus, ele é um perseguido por defender a verdade e amar a Deus sobre todas as coisas.
Jair Bolsonaro é a personificação do mal. Não é pela divergência política, é pela maldade que exala de gente tão ordinária e fascista que contamina a atmosfera terrestre e nos causa a sensação de estarmos vivendo um eterno apocalipse. Que seja breve, porque já durou demais.
*Ricardo Nêggo Tom é cantor e compositor.
Publicado originalmente no portal Brasil 247
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