Mito da sala escura
Mito da sala escura
O Mito da sala escura é meio, bastante, brasileiro. Não se confunda com o Mito da caverna, esse que tem uma enorme sofisticação filosófica.
O Mito da sala escura, como nos contaram os nossos avós – e os avós dos nossos avós –, passa-se dentro de uma sala escura em que um grupo de pessoas está atingido em seus olhos, o campo de visão está nublado, míope, sem uma visão de mundo muito apurada.
Esse grupo de pessoas não é homogêneo, aliás, nem se sabe ao certo se as pessoas se conheciam, ou quem conhecia quem.
Em algum momento, por alguma razão até hoje desconhecida em sua plenitude, alguém encontrou um ponto de fuga – alguns dizem que era uma porta, outros dizem que era um buraco no chão, como se fosse um sótão com saída para uma rua. Também dizem que não era uma rua, mas sim um beco bastante escuro.
O fato é que alguém saiu primeiro. E o legal da história está em pensar quem era essa pessoa: a fujona.
Dizem os mais antigos que era alguém curioso, muito curioso, incapaz de ficar quieto num canto qualquer dentro da sala escura. Assim, logo que viu um espaço (ou uma luz muito fraca), andando e tateando, a fujona teria achado uma passagem para fora.
Outros contam que alguém sentiu muito medo e, movido por esse medo (pânico), procurou sair da escuridão.
Há ainda quem contasse que uma certa pessoa sentiu fome, sede, frio e medo. Por tudo isso teria saído. E ainda se dizia que o primeiro foi expulso da sala escura, porque era antissocial. Foi coagido, empurrado para fora. Talvez tenha sido a primeira pessoa condenada da história da humanidade (e do Brasil). Foi condenada ao banimento, ao desterro, ao esquecimento e à morte. Teria sido um total ostracismo: condenação ao ostracismo.
Também nos contaram que o primeiro a sair teria voltado para ajudar os demais na sua fuga. Nesse dia muitos fugiram, outros tantos ficaram.
Aí o Mito deveria nos contar quem saiu depois e porque alguns por lá ficaram.
Alguns contam que o primeiro, ao voltar para dentro da sala escura, foi generoso, prestativo, queria ser amigável, muito cordial, porque queria ter amigos e amigas fora da sala escura.
Outros dizem que o primeiro voltou com uma história encantada sobre o lado de fora da sala escura (tipo uma sala obtusa), dizendo sempre mil maravilhas sobre o mundo exterior. O que não dizia é que, ao sair, dava-se de cara com um rio muito forte, caudaloso e cheio de crocodilos gigantes. Pareciam monstros, uns tipos de Leviatã, indóceis, fortíssimos.
Porém, muitos, até hoje, ainda acreditam que o primeiro a sair não queria apenas fazer amizades lá fora, nem era assim tão cordial ou social. Apenas não queria ficar sozinho ou sozinha ou esperava ter outras pessoas de quem pudesse cobrar um bom favor.
Aliás, ninguém sabe dizer se o primeiro indivíduo a sair era homem ou mulher. Antigamente dizia-se que era mulher, e deram o nome de Lucy para ela.
Até hoje também acreditam que aquele rio era só outro mito. Até inventaram o nome de Rio Estige. Diziam que, na outra margem, havia muita comida e bebida, que a festa nunca parava. Era um festão, um Banquete dos Deuses. As pessoas antigas diziam isso.
Alguém até prometeu que essa saída para além da rua ou do beco escuro, e os caminhos da liberdade, para fora da sala escura, sempre seria recompensada.
Falavam de caminhos meio tortos ou mais ou menos diretos que levariam a algum Porto Seguro.
Essa última parte é mais difícil de acreditar.
Criaram até uma história só para esse final, e chamaram de o Mito de Prometeu. Esse Prometeu, de certa forma, teria prometido aos humanos fugidos da sala escura que, toda saída para fora da escuridão, em busca de luzes sempre radiantes, com um Banquete dos Deuses aguardando a todas e todos, não poderia dar errado.
Não sei bem como termina o mito dos antigos, mas me parece que não contaram direito no Brasil. Eu sempre vejo uma caixa meio velha, com marcas de ferrugem, bastante incerta ou até perigosa. Os mais antigos ainda, que eram mais prudentes do que eu ou do que o primeiro aventureiro, chamavam de Caixa de Pandora: cheia de surpresas...
E você, quando pensa no mito brasileiro, conta essa história de que modo?
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