Na sala de aula

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Na sala de aula

  • Rafael Henrique de Resende Marciano


“Tem coisas que eu nem sonhei, porque eu nem sabia que podia sonhar aquilo”: quero ser professor de gente jovem e adulta, mas, agora, sei que também posso educar gente miúda.

As palavras ditas pela jornalista Maíra Cristina Dias Azevedo – conhecida popularmente nas mídias sociais como Tia Má – expressam como, sendo ela uma mulher, preta e nordestina, o racismo presente na sociedade colabora para a negação do direito à vida e, sobretudo, o direito ao ato de sonhar. Tal negação expressa uma pequena parte da substantividade ofendida pela prática preconceituosa de raça, de classe e de gênero, enunciada por Freire (2019), e que (nos) nega a democracia. No meu caso, eu, sendo um homem e preto, posso sonhar em ser um professor das infâncias? Agora, sei que a resposta é: SIM!

Refletir sobre a prática pedagógica com base nas reflexões de Paulo Freire (1921-1997), especialmente aquelas registradas no “Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa” me permite compreender o hoje e o ontem, visando melhorar a próxima prática (FREIRE, 2019), isto é, o amanhã, marcado por expectativas, mas, também, por incertezas. Desde que a Educação de Pessoas Jovens, Adultas e Idosas entrou em minha vida, estava dado como certo, caso o caminho da docência fosse minha escolha na educação, que eu estaria dedicado a essas pessoas e que meu trabalho pedagógico estaria exclusivamente direcionado a elas. Até porque a possibilidade de trabalhar com crianças, naquele momento, não se apresentava, para mim, como uma opção.

Os estudos e pesquisas que refletem sobre a presença das masculinidades no trabalho docente com às infâncias indicam avanços, entretanto ainda apresentam recorrentes resistências dessa prática pedagógica nos anos iniciais do Ensino Fundamental e, ainda mais, na Educação Infantil. Essa situação é fruto de um processo histórico complexo em que a presença feminina se constituiu como majoritária nessas profissões, que não pretendo adentrar, mas cito apenas para destacar que esses preconceitos existem, inclusive já apareceram nos comentários entre colegas já na licenciatura. Por isso, acabei interiorizando que seguir para a docência, particularmente, no trabalho com as crianças não seria um cenário possível, mas, neste ano, algumas coisas mudaram…

Em 2022, dediquei-me ao trabalho voluntário como assistente de alfabetização na Escola Municipal Ana Alves Teixeira, situada na região do Barreiro em Belo Horizonte, pelo Plano Emergencial de Alfabetização da Prefeitura da capital mineira. Na atuação como assistente de alfabetização com crianças do 1º ciclo, me encantei com as músicas, as literaturas, os poemas, as danças, os desenhos, as colagens e as outras formas de expressão das infâncias. Além disso, por guardar o número na cabeça e contar “com os dedos”, com os palitos de picolé, com os lápis. Também comemorei as primeiras leituras das letras, sílabas, palavras e frases.

Apesar dos cansaços diários e dores oriundas das andanças de uma mesa para outra, das dores por abaixar constantemente para ficar à altura das carteiras e das gripes constantes durante o ano, tudo isso valeu a pena! Posso, assim como é meu desejo e caso o futuro me permita, dedicar minha carreira profissional ao trabalho com gente jovem e adulta, mas, agora, o trabalho com gente miúda (FREIRE, 2019) não é uma impossibilidade. Vejo, agora, como uma escolha, que pode não ser fácil, mas há uma escolha. Portanto, necessito finalizar este ciclo com alguns agradecimentos:

Agradeço às professoras Elke, Fabiana, Girlane, Elaine, Adriana P. e Adriana M. que, ao me receberem em suas turmas em algum momento do ano, tiveram a generosidade de contribuir com minha formação como professor de gente miúda. Em especial, agradeço à Elke Pelegrino por ter me recebido, compartilhado saberes docentes e me permitido ter a honra de conviver com a incrível sala 29. Gratidão!

Agradeço à coordenação, em especial, à Ana, ao Marcelo e à Fernanda por compartilharem saberes, por mostrarem que a gestão escolar não se realiza apenas por burocracia, mas, sim, em diálogo com a comunidade. Especialmente, agradeço à Ana pelas diversas risadas e por me mostrar que ser coordenadora pedagógica também tem suas alegrias. Gratidão!

Agradeço à Alessandra Pimenta, minha parceira no trabalho como assistente de alfabetização, por ter compartilhado comigo mais do que ações didáticas, compartilhado também angústias, alegrias e esperanças em relação às crianças. Além disso, aos demais profissionais da educação que, diariamente, movem aquela escola pública. Gratidão!

Por fim, mas não menos importante, pois tudo isso só foi possível graças a elas. Agradeço às crianças, em especial, das turmas 27, 28 e 29 do 1º ano do Ensino Fundamental e da turma 20 do 3º ano do Ensino Fundamental, com quem tive a felicidade de aprender, mesmo que eles e elas acreditem que eu estava lá apenas para ajudar a ensinar. Em diálogo com o poeta Manoel de Barros e com o educador Paulo Freire, afirmo: o melhor de mim, sou Eles, já que essas crianças estarão sempre eternizadas em mim, da mesma forma – mesmo que não lembrem meu nome futuramente – espero, de algum modo, estar eternizado nelas. Gratidão!

 

Sobre o autor
Licenciando em Pedagogia com Formação Complementar em Educação de Jovens e Adultos, residente no Núcleo da Educação de Jovens e Adultos pelo Programa Residência Pedagógica da CAPES e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Especial e Direito Escolar da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: rafaelhmarc@gmail.com

Para saber mais
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra [60ª ed.], 2019.

TIA MÁ (Maíra Cristina Dias Azevedo). #YouTubeBlackBrasil | EU SOU Tia Má. Youtube, 20 de novembro de 2017. Acesse aqui.


Imagem de destaque: Autoria própria

 

http://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/na-sala-de-aula/ 




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