NEM: ajustar ou revogar?

NEM: ajustar ou revogar?

Por Emily Santos, Fernanda Calgaro e Luiza Tenente, g1 — São Paulo

Novo Ensino Médio traz mudanças na formação dos estudantes.  — Foto: FIEC/Marília Camelo

Novo Ensino Médio traz mudanças na formação dos estudantes. — Foto: FIEC/Marília Camelo

 

Em seu segundo ano de vigência, o Novo Ensino Médio, que traz mudanças na grade curricular e oferta de disciplinas optativas em todas as escolas do país, tem pontos positivos, de acordo com especialistas, mas também é alvo de críticas por grupos que chegam a defender até a sua revogação. (Veja no vídeo.)

 

📊 CONTEXTO: Com o início do ano letivo, a reforma do ensino médio tem mobilizado discussões acaloradas nas redes sociais.

 

Novo Ensino Médio — Foto: Reprodução/Redes sociais

Novo Ensino Médio — Foto: Reprodução/Redes sociais

 

Escolas sem infraestrutura (salas de aula em número insuficiente, por exemplo), falta de formação adequada dos professores e diminuição da carga horária de disciplinas tradicionais podem, segundo os críticos, ampliar ainda mais a desigualdade no acesso ao ensino superior entre os alunos da rede pública e os da particular.

 

Novo Ensino Médio — Foto: Reprodução/Redes sociais

Novo Ensino Médio — Foto: Reprodução/Redes sociais

 

"O Ministério da Educação (MEC) diz que a questão "transcende a simples revogação e passa pelo debate sobre melhoria da qualidade". A pasta pretende fazer uma "ampla pesquisa com toda a comunidade escolar" para "corrigir distorções".

O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que representa as redes estaduais, afirma que "aprimoramentos e ajustes" podem e devem ser discutidos, mas que a revogação "não é o caminho para tornar essa etapa mais atrativa ao estudante".

Alguns estados, como São Paulo, já têm pensado em fazer mudanças. O governo paulista estuda reduzir as opções de formação específica para poder dar mais apoio às escolas.

 

Entenda debate em 7 pontos:

1 - O que é o Novo Ensino Médio? 📝

- É um novo modelo obrigatório a ser seguido no ensino médio por todas as escolas do país, públicas e privadas.

- A lei estipula aumento progressivo da carga horária. Antes, no modelo anterior, eram, no mínimo, 800 horas-aula por ano (total de 2.400 no ensino médio inteiro). No novo modelo, a carga deve chegar a 3.000 horas ao final dos três anos.

- Desde 2022, as disciplinas tradicionais passaram a ser agrupadas em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas).

 

 

Como será a nova grade curricular do Ensino Médio — Foto: Arte: g1

Como será a nova grade curricular do Ensino Médio — Foto: Arte: g1

 

 
- A partir de 2023, cada estudante passou a poder montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas (os chamados "itinerários formativos") nas quais se aprofundará. A intenção é que sejam três anos de estudo com: esses conteúdos eletivos (1.200 horas focadas nos objetivos pessoais e profissionais dos alunos) + a parte fixa (1.800 horas de ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e matemática).

- Somando, chegamos a 3.000 horas-aula nos três anos. Antes, a lei estipulava uma carga horária mínima de 800 horas-aula por ano (ou seja, um total de 2.400 horas no ensino médio).

- Foi criado também o chamado “projeto de vida”: um componente transversal que será oferecido nas escolas para ajudar os jovens a entender suas aspirações.

- Cada rede de ensino tem a liberdade de distribuir a carga horária dos itinerários formativos da maneira como julgar ideal: tudo no primeiro ano ou espaçado ao longo dos três anos, por exemplo.

- O ensino de língua portuguesa e matemática é obrigatório nos três anos do ensino médio. A lei não estipula um número mínimo de aulas dessas disciplinas por semana. O que importa é que elas estejam sempre presentes na grade.

- Sancionado em 2017 no governo Temer, entrou em vigor em 2022 e prevê a implementação gradual até 2024.

- Se antes o modelo antigo era visto mais como uma preparação para o ensino superior, agora, a proposta é dar uma formação mais voltada ao mercado de trabalho.

- O novo formato irá refletir no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já a partir de 2024. A prova, que hoje é igual para todo mundo, passará a ter uma etapa específica, conforme o itinerário formativo escolhido pelo candidato. Veja mais detalhes aqui.

 

 

2 - Quais são as críticas ao novo modelo? 📢

Entidades estudantis estão entre os principais críticos à reforma do ensino médio. Nas redes sociais, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) está engajada a favor da revogação do modelo e tem cobrado uma reforma do sistema educacional.

Entre os argumentos contrários estão:

- Desde o retorno presencial após a pandemia, o programa atravessa diferentes níveis de implementação, variando de estado para estado.

- Há escolas públicas sem infraestrutura para manter o novo formato. No novo ensino médio, cada colégio deve escolher, no "cardápio" de itinerários formativos elaborado pela sua rede estadual, no mínimo duas opções para oferecer aos alunos (matemática e linguagens, por exemplo). Com isso, em vez de uma turma grande ter a mesma aula às 8h, como era antes, serão dois grupos menores (um que escolheu matemática, outro que preferiu linguagens). Isso exige que a escola tenha duas salas de aula disponíveis no horário.

- O aumento da carga horária, que era de 4 horas diárias e deve chegar a 7 horas por dia (turno integral) em 2024, não é atrativo para alunos mais pobres que precisam trabalhar. Fica mais difícil conciliar a escola com um emprego, o que aumenta o risco de evasão (se um jovem precisar daquele dinheiro, vai abandonar as aulas e focar no trabalho).

- As disciplinas clássicas têm menos prioridade na grade com a entrada das novas ofertas. Em alguns casos, estudantes relatam ter ficado com apenas duas aulas na semana de português e matemática.

- Alunos de escolas públicas em cidades menores, com menos recursos, vão acabar tendo um "cardápio" de itinerários formativos mais enxuto. Eles podem ser prejudicados em comparação com alunos de escolas privadas ou de municípios maiores.

- Estudantes mais pobres podem ser desestimulados de seguir para o ensino superior porque, no novo formato do ensino médio, há disciplinas optativas que são profissionalizantes e que facilitam a entrada precoce do jovem no mercado de trabalho.

- Entidades afirmam que a legislação que instituiu o Novo Ensino Médio não foi discutida com todos os setores da educação.

"Precisamos de escolas com tecnologia, com professores atualizados e com condições de trabalho dignas e que valorizem nossas potencialidades e múltiplas inteligências. — Ubes

A Ubes cobra a revogação imediata do Novo Ensino Médio e a "construção de uma comissão tripartite, que una sociedade civil, estudantes e governo" para elaborar uma nova lei para regulamentar o ensino médio.

Procurada pela reportagem, a União Nacional dos Estudantes (UNE) afirmou que acompanha a Ubes nas reivindicações.

Em outra frente, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) montou um abaixo-assinado on-line para coletar apoio a favor da revogação da reforma, que já conta com mais de 96 mil signatários.

 

Estudantes do ensino médio em sala de aula — Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasil

Estudantes do ensino médio em sala de aula — Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasil

 

3 - O que dizem os defensores do Novo Ensino Médio?

Favoráveis ao novo modelo, o MEC e os governos estaduais argumentam que o objetivo é tornar essa etapa do ensino mais atrativa para os estudantes. Assim como especialistas na área, que concordam com o formato, eles reconhecem, porém, a necessidade de se discutir e fazer ajustes a fim de aprimorar a etapa. Entre os pontos vistos como positivos estão:

- Mais tempo em sala de aula: o novo ensino médio propõe ampliar o tempo de aulas diárias, adotando um formato de tempo integral. Até 2024, o dia letivo deve ter 7 horas, chegando a 1.400 horas/ano.

- O novo formato também visa formar o aluno em ao menos um curso técnico já nesta etapa educacional, a fim de adiantar a entrada no mercado de trabalho.

- A grade curricular é atualizada, mas nenhuma disciplina deve ficar de fora. Então, amplia-se o leque do que é ensinado aos alunos.

- Disciplinas optativas podem tornar a etapa mais atrativa para os alunos, o que pode ajudar a combater a evasão escolar, que é maior no ensino médio.

 

Professora em sala de aula — Foto: Freepik

Professora em sala de aula — Foto: Freepik

 

4 - Qual a opinião de especialistas?

📚 O Todos Pela Educação é um dos que entendem que o novo formato aponta para a direção correta, com organização curricular por área do conhecimento e busca da interdisciplinaridade, mas defende a necessidade de ajustes.

" Nosso entendimento no Todos é que o caminho passa por fugir do binarismo - “revoga tudo” ou “deixa tudo como está”.
— Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação

A entidade considera positiva "a ideia de uma arquitetura curricular diferente e da expansão da carga horária", mas vê dois problemas:

1. "A ausência de coordenação do governo federal nos últimos anos deixou os estados à própria sorte, gerando uma implementação muito heterogênea e, em muitos casos, problemática".

2. "Há, sim, problemas nas normativas. Isso precisa ser dito, pois não é apenas um problema de implementação". Entre as questões apontadas estão não levar em conta o avanço das escolas de tempo integral e a permissão de 20% do conteúdo ser dado à distância.

 




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