NEM, oferta parte flexível do currículo
Novo Ensino Médio inicia a oferta da parte flexível do currículo em 2023; veja o que muda
Estudantes podem escolher entre duas ou mais áreas de conhecimento para se aprofundarem
26/01/2023 ISABELLA SANDER

Anselmo Cunha / Agencia RBS
Em seu segundo ano de implementação, o Novo Ensino Médio terá, em 2023, o seu principal desafio: iniciar a oferta da parte flexível do currículo, na qual os estudantes poderão escolher entre duas ou mais áreas para aprofundarem seus conhecimentos. Os alunos fizeram suas opções ainda em 2022, na hora da matrícula.
Na rede estadual de ensino, há 28 trilhas de aprendizagem possíveis. Elas estão vinculadas a cinco grandes áreas: Ciências Humanas Sociais Aplicadas, Formação Técnica e Profissional, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias e Linguagens e suas Tecnologias.
Cada escola precisa ministrar pelo menos duas trilhas. Uma das preocupações entre especialistas em Educação, no que se refere ao Novo Ensino Médio, é com a oferta restrita nos municípios pequenos, onde, muitas vezes, há apenas uma escola com a etapa de ensino. Na cidade gaúcha de André da Rocha, por exemplo — que possui a menor população do RS, com 1.129 habitantes, segundo a prévia do Censo Demográfico de 2022 — os estudantes da Escola Amantino Vieira Hoffmann puderam escolher entre duas trilhas de aprofundamento: Educação Financeira e Linguagens Aplicadas ou Vida, Cidadania e Relações Interpessoais.
Em 2022, os alunos que ingressaram no 1º ano do Ensino Médio da rede estadual encontraram um currículo semelhante aos seus colegas que cursaram a série em 2021 ou antes. A diferença estava no fato de haver três novas disciplinas: Projeto de Vida, Mundo do Trabalho e Cultura e Tecnologias Digitais, cada uma com dois períodos semanais.
A mudança maior ocorrerá a partir deste ano letivo, quando os estudantes iniciam o 2º ano com oito de seus 30 períodos semanais usados para os itinerários formativos, compostos por essas novas disciplinas e pelas aulas das áreas de aprofundamento que eles escolheram. No 3º ano do Ensino Médio, em 2025, as turmas terão 18 de seus 30 períodos ocupados pelos itinerários formativos.
Outra alteração está na forma de avaliação das disciplinas implementadas com a reforma do Ensino Médio. Em portaria publicada no dia 30 de dezembro, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) estabeleceu que, em vez de notas de zero a 10, a expressão dos resultados dos estudantes se dará por meio de parecer descritivo emitido pelos professores. Isso se aplica às aulas de Projeto de Vida, Protagonismo Juvenil, Estudos Orientados e às disciplinas eletivas.
Reforma no Ensino Médio
A “arquitetura” do currículo do Novo Ensino Médio varia em cada rede, uma vez que, para além das diretrizes mínimas, há flexibilidade de escolhas nas escolas. Em sua essência, a etapa é dividida em duas partes: a Formação Geral Básica (FGB), que são as disciplinas obrigatórias comuns a todos os alunos, e os Itinerários Formativos (IFs), que são os períodos nos quais o estudante escolhe entre duas ou mais opções de áreas de conhecimento para se aprofundar.
Na rede estadual do Rio Grande do Sul, os alunos que ingressarão no 2º ano do Ensino Médio em 2023 já escolheram, na hora da matrícula, entre uma das trilhas de aprendizagem possíveis em sua escola de preferência. Essas trilhas envolverão disciplinas oferecidas no 2º e no 3º ano.
No novo currículo, os alunos do 1º ano têm 800 horas, de mil, compostas por disciplinas da FGB, e em 200 são ministradas três novas disciplinas: Projeto de Vida, Mundo do Trabalho e Cultura Digital. Já as turmas de 2º ano têm 600 horas de FGB, aumentando, assim, para 400 horas de IF, sendo 67 horas delas obrigatoriamente de Projeto de Vida e o restante de Aprofundamento Curricular – aquelas disciplinas que cada estudante escolherá.
No 3º ano, a ser implementado em 2024, a situação se inverte: será mais tempo de IF (600 horas), sendo 67 horas de Projeto de Vida, e menos de FGB (400 horas). O entendimento é de que quanto mais o aluno se aproxima da formatura, mais consciente ele está de qual área de atuação quer seguir.
Estado altera currículo do Novo Ensino Médio e amplia períodos de Educação Física e Literatura
Atualização também incluiu a reorganização da carga horária obrigatória de Biologia, Física e Química
26/01/2023 ISABELLA SANDER
Anselmo Cunha / Agencia RBS
Prestes a iniciar o segundo ano de implementação do Novo Ensino Médio, o governo do Estado atualizou a matriz curricular da etapa nas escolas estaduais. A mudança atende a sugestões da comunidade escolar, que, no ano passado, questionava o fato de a parte obrigatória a todos os alunos do currículo prever apenas um período de Educação Física e dois de Literatura ao longo dos três anos.
A partir deste ano letivo, Educação Física passará a ter três períodos, sendo um em cada ano, e Literatura será oferecida em dois períodos do 1º ano do Ensino Médio e em um período do 2º ano. Para compensar essa ampliação, a carga horária de Língua Portuguesa perderá dois períodos, ficando com nove ao longo da etapa, enquanto Matemática perderá um, ficando com 10, no total.
Já as disciplinas de Biologia, Física e Química manterão os quatro períodos cada uma já previstos na matriz curricular divulgada no final de 2021. No entanto, a carga horária passará por uma reorganização. Se antes os três componentes curriculares tinham dois períodos do primeiro e no segundo ano cada, e nenhum no terceiro, agora passarão a ter dois períodos no primeiro, um no segundo e um no terceiro.
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Implementada neste ano, reforma traz flexibilização, mas pode gerar desigualdade
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Recém-iniciado nas escolas de Ensino Médio de todo o Brasil, o novo formato desta etapa trouxe uma série de mudanças que geram debates entre especialistas em Educação e população em geral. Ao mesmo tempo em que alguns comemoram a possibilidade de o aluno ter autonomia para escolher uma área para se aprofundar dentro do currículo, outros preocupam-se que a redução da carga horária das disciplinas básicas, gerada por essa flexibilização, impeça que o estudante aprenda pelo menos o mínimo sobre o restante das áreas de conhecimento.
Para 2022, a reforma abrangerá somente os alunos do primeiro ano do Ensino Médio. Em 2023, as mudanças envolverão as turmas de primeiro e segundo ano e, em 2024, incluirão também as de terceiro ano. Também é em 2024 que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passará a ser aplicado já adaptado ao novo formato, com provas sobre as novas disciplinas e parte do teste diferente para cada área de aprofundamento. As escolas precisarão oferecer pelo menos duas áreas de especialização possíveis, exceto as localizadas em grandes cidades, nas quais há mais oferta de instituições de ensino.
Entre especialistas, a preocupação é de que as mudanças potencializem a desigualdade entre escolas públicas e privadas. O professor Éder Silveira, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), por exemplo, estuda o Novo Ensino Médio em seu pós-doutorado na Universidade Federal do Paraná (UFPR). No seu entendimento, alguns dos fatores que motivam essa preocupação são a falta de infraestrutura adequada, recursos humanos suficientes, professores com a formação adequada para ministrar as novas disciplinas e carga horária para fazer a integração entre disciplinas proposta pela reforma.
— Por mais que se fale em integração entre áreas de conhecimento com o novo Ensino Médio, na rede estadual isso é impossível nas condições atuais, em que a maioria dos professores trabalha em mais de uma escola e não tem carga horária para trabalhar em conjunto com outros docentes — avalia Silveira.
O pesquisador considera, ainda, que a dualidade estrutural do Ensino Médio entre classes sociais, oferecendo um ensino mais técnico para os mais pobres e mais científico para os mais ricos, reaparece com a reforma. O motivo para essa impressão é a existência, entre as áreas de aprofundamento possíveis, de temáticas como Profissões e Empreendedorismo, nas quais serão ministradas disciplinas mais ligadas a setores de trabalho que não necessariamente demandarão que o estudante passe pelo Ensino Superior para acessar.
A professora Patrícia Marchand, que pesquisa e coordena o Grupo de Estudos de Políticas Públicas para o Ensino Médio (GEPPEM) e é pesquisadora também do Núcleo de Estudos de Políticas e Gestão da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é contrária à própria concepção do novo Ensino Médio. Em sua visão, como a reforma surgiu por meio de uma medida provisória, depois tornada lei, não houve uma discussão ampla com a comunidade.
— Os mais interessados, que seriam os alunos, seus responsáveis e os professores, praticamente não foram ouvidos. Isso leva ao aprofundamento da desigualdade das condições de oferta principalmente nas escolas públicas — analisa Patrícia.
A ideia do Novo Ensino Médio é de que os conhecimentos básicos sejam focados em Língua Portuguesa e Matemática. As disciplinas restantes terão redução na carga horária obrigatória, e o número de períodos delas dependerá da área de conhecimento escolhida pelo estudante.
A professora Patrícia considera que o foco em Língua Portuguesa e Matemática remete a uma formação para uma mão de obra mais barata na rede pública. Ela questiona, ainda, quem ministrará as novas disciplinas e como ficará a carga horária de professores dos componentes que tiveram redução de períodos com a reforma.
— É provável que professores de áreas como Sociologia e Filosofia sejam deslocados para dar disciplinas dos itinerários formativos, e isso é um problema, porque não dá para fazer uma formação aligeirada em uma área que não é a dele — sinaliza Patrícia.
Flexibilidade e preparação para o século XXI
A secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, por sua vez, enxerga muitos benefícios na reforma. Entre eles, está a criação de quatro novas disciplinas: Projeto de Vida, Iniciação Científica, Cultura e Tecnologias Digitais e Mundo do Trabalho. Todas serão obrigatórias e Projeto de Vida será ministrada em todos os três anos do Ensino Médio. O objetivo é preparar os adolescentes com as habilidades necessárias para se viver no século XXI.
— Antigamente, família rica contratava um psicólogo para dar uma orientação vocacional para o adolescente. Agora teremos Projeto de Vida, que, além de orientação vocacional, também buscará ajudar o aluno a entender quem ele é, o que ele quer da vida e como ele pode se preparar para aquilo — explica a secretária.
Teixeira ressalta que o que consta na matriz curricular – que prevê redução na carga horária de praticamente todas as disciplinas, a fim de acomodar as novas – é apenas o mínimo a ser feito, mas haverá espaço para as escolas ampliarem as ofertas.
— A própria escola estadual poderá fazer diferente disso dentro das eletivas, dos clubes de juventude e de projetos especiais. Ela pode criar o que quiser: essa é a beleza do Novo Ensino Médio, e acho que muitas escolas vão fazer isso, o que será, inclusive, incentivado — prevê a secretária.
Para o doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mateus Saraiva, que estuda temas ligados ao Ensino Médio, o principal desafio é proporcionar a mesma diversidade em uma rede estadual ampla, com mais de mil escolas de Ensino Médio, que tem desde instituições de ensino centrais, com laboratórios, bibliotecas e recursos, até escolas de cidades menores com infraestrutura mais precária.
— É necessário um investimento que lide com a complexidade que é fazer isso (a reforma) acontecer. Não é por decreto que se faz algumas coisas, e sim com a disposição dos envolvidos, como os professores, que são muito desvalorizados — pontua o pesquisador.
Na visão de Saraiva, a proposta tem pontos interessantes, mas ele não enxerga muita viabilidade de serem postos em prática. O estudioso também ressalta que a reforma trata os adolescentes como “sujeitos prontos” para fazerem escolhas sobre suas carreiras, quando ainda são muito jovens.
A secretária estadual de Educação, porém, defende que os alunos poderão escolher áreas de aprofundamento e ainda assim optar por ter disciplinas para além daquelas pré-definidas.
— Quando os professores entenderem as oportunidades de integração dos itinerários (formativos, nome dessas áreas de aprofundamento), verão que isso gera possibilidades muito ricas. Essa flexibilidade é muito boa, mas é nova, então é natural que as pessoas se sintam inseguras — avalia a secretária.
Teixeira salienta, ainda, que o modelo antigo “se mostrou falido”, gerando evasão escolar, o que pode mudar agora.
— No modelo antigo, a gente partia do princípio de que todos têm o direito de saber a mesma coisa. Por isso, o Brasil criou um modelo em que todos os alunos eram obrigados a fazer as mesmas disciplinas, algo que não existe em nenhum lugar do mundo. Esse modelo se mostrou falido: gerou evasão e não preparou os alunos para a vida, e é isso que está mudando — defende Teixeira.