Nova Base Curricular do MEC

Nova Base Curricular do MEC

O que aponta a nova Base Curricular do MEC?

Mauro Sala

Campinas    10 de abril de 2017

Semana passada, o MEC entregou a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão responsável por sua aprovação final. Embora entregue com atraso, o documento enviado pelo MEC ainda é parcial, já que não consta a BNCC referente ao Ensino Médio.

Alterações de última hora e a supressão da igualdade de gênero e da diversidade sexual

Mal foi entregue, o documento já gerou bastante polêmica. As alterações feitas pelo MEC nos minutos finais antes de remetê-lo ao CNE - depois de já haver enviado uma versão para a imprensa dois dias antes -, causou desconfiança.

Normalmente, quando há divergências entre o documento entregue à imprensa e àquele tido como oficial, o próprio órgão governamental se adianta e expõe essas mudanças. O MEC só falou dessas alterações depois de descobertas pela comparação entre as duas “versões”.

Diz o MEC que essas alterações se devem a “ajustes finais de editoração/redação que identificaram redundâncias”. Poderia ser assim se esses ajustes não tocassem pontos tão sensíveis e atuais centros de polêmicas.

A alteração mais gritante foi a supressão geral da promoção de igualdade de “identidade de gênero" e “orientação sexual” dos objetivos educacionais. Isso não é um detalhe.

Devemos lembrar que a discussão sobre gênero e sexualidade está no centro de um dos movimentos mais reacionários que rondam o debate educacional: o movimento do Escola Sem Partido.

A pressão reacionária desse movimento certamente colheu seus frutos nesse “ajuste final” da versão da BNCC entregue pelo MEC para o CNE.

Essa polêmica não é nova. Desde a polêmica sobre o material anti-homofobia e na tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE), ainda no governo Dilma, o debate em torno da promoção explícita da igualdade de gênero e o respeito à diversidade sexual têm sido alvo dos movimentos reacionários que disputam a educação no país.

A capitulação do PT de retirar dos objetivos do PNE a promoção da igualdade de gênero e do respeito à diversidade sexual abriu um flanco para que esse movimento reacionário se colocasse com força em todo o país, disputando os Planos Municipais e Estaduais de educação e retirando os termos “gênero” e “diversidade sexual” dos objetivos educacionais de suas políticas, chegando ao absurdo de, em uma cidade como Campinas, buscarem aprovar uma emenda à lei orgânica do município que proíbe expressamente qualquer menção à gênero e diversidade sexual nas escolas da cidade.

Num país que é campeão em violência e intolerância contra LGBTs e contra as mulheres, retirar os temas da igualdade e da discussão sobre gênero e sexualidade das escolas de Ensino Fundamental é um silenciamento que não podemos aceitar.

Alfabetização antes da idade certa?

Mas não é só pelas ausências que o documento entregue pelo MEC pode ser criticado.

Nos objetivos relacionados com a alfabetização, a base curricular entregue pelo MEC diz que ela deve ocorrer até o segundo ano do Ensino Fundamental, ou seja, aos sete anos.

Além de estar em contradição com o próprio PNE - que deveria reger as políticas educacionais até 2024 -, essa proposta aligeira essa etapa do desenvolvimento das crianças, sendo, de fato, incapaz de garantir o que propõe e podendo, inclusive, gerar mais desigualdades.

O esforço governamental pela alfabetização das crianças é uma política pública que deve ser sempre perseguida. Entretanto, os termos colocados na BNCC pode ter efeitos bem diversos do que aparenta à primeira vista.

Além da escolarização precoce de nossas crianças, colocar na base curricular que os objetivos da alfabetização devem ocorrer precocemente aos sete anos não dá uma resposta para as crianças que não se alfabetizarem plenamente até essa fase da vida. O que fazer com as crianças que não se alfabetizarem até o segundo ano do Ensino Fundamental? Como será garantido seu direito à alfabetização depois dessa série, já que a BNCC diz que elas já deveriam estar alfabetizadas no segundo ano e isso não constará mais nos objetivos das séries seguintes?

Num país em que - segundo dados do próprio MEC - pouco mais de 77% das crianças tinham aprendizado adequado em leitura, e 65% em escrita, até o terceiro ano, como garantir que 100% das crianças tenham se alfabetizado até o segundo ano? A educação e a promoção concreta da alfabetização das crianças não se faz por decreto e nem com medidas demagógicas, mas sim com políticas públicas efetivas de melhoria das condições dessas crianças dentro e fora das escolas.

Uma base para o gerencialismo na educação

Nos termos dessa BNCC essas questões não podem ser respondidas, pois não são esses os objetivos dessa base. Embora fale em “direitos de aprendizagem”, essa Base Nacional Curricular foi pensada com objetivos gerencialistas, ou seja, de estabelecer maior controle sobre os professores e escolas com o objetivo de puni-los.

Não é à toa que cada um dos objetivos de aprendizagem é rastreado com um complexo sistema de catalogação, com códigos que poderão ser acompanhados pelos seus formuladores. Esse acompanhamento se dará via avaliações em larga escala aplicadas à todos os estudantes de determinada etapa, ou seja, avaliações censitárias.

Isso faz parte do programa do Temer desde quando assumiu o governo. No documento complementar à sua “Ponte para o Futuro”, o PMDB já dizia claramente que faz parte de suas linhas centrais para a educação “dar consequências aos processos e resultados das avaliações”. Isso significa que haverá um incremento da política de responsabilização da escola e dos professores. Sabemos que meritocracia, responsabilização e privatização são o tripé da política dos reformadores empresariais na educação, e que essa política depende dos processos de avaliação, que a formulação dessa BNCC irá potencializar.

O MEC e seus apoiadores empresariais sempre reforçam que a BNCC não é o currículo, e dizem defender a liberdade de que cada sistema de ensino possa construir seus próprios currículos.

Entretanto, como aquelas avaliações terão cada vez mais impacto na vida das escolas, dos estudantes e dos professores - e como terão como referência nacional os elementos constitutivos da BNCC -, é de se supor que cada vez mais tomarão centralidade na vida curricular. Os reais objetivos da aprendizagem se estreitarão, e os direitos de aprendizagem se reduzirão cada vez mais a somente aquilo que consta na Base Nacional Comum Curricular.

A disputa por uma Base Nacional Comum Curricular é parte da disputa pelo conjunto das políticas educacionais, e no contexto do avanço dos reformadores empresariais em articulação com os conservadores e reacionários do Escola Sem Partido, essa base, tal como posta no sentido global dessas políticas, terá um efeito bastante problemático justamente para aquilo que diz defender: o direito à educação pública de qualidade para a população mais pobre.

 

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