O ENEM da desigualdade
O ENEM da desigualdade
Apesar de 6,5 milhões de alunos da rede pública não terem como se preparar online, o ministro da Educação Abraham Weintraub não quer discutir o adiamento do ENEM
O educador baiano Anísio Teixeira (1900-1971) se destacou pela luta por um sistema educacional que pudesse atender de forma equânime todos os brasileiros. Como diretor-geral do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), teve uma atuação tão marcante que seu nome foi literalmente incorporado — desde 2001, o órgão se chama INEP Anísio Teixeira. Vinculada ao ministério da Educação, a entidade organiza o Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. A igualdade de oportunidades sonhada por Anísio Teixeira, no entanto, está ameaçada: não apenas pelo coronavírus, mas pela intransigência do próprio ministro da Educação.
A nova realidade imposta pela pandemia exigiu a interrupção das aulas presenciais nas redes estaduais, afetando cerca de 87,5% dos estudantes do ensino médio no Brasil. Desse total, 6,5 milhões de alunos não têm sequer acesso à internet, o que impede uma preparação adequada para as provas. O ENEM está marcado para o período de 1 a 8 de novembro, mas um grupo de 145 entidades que representam universidades públicas e privadas, movimentos estudantis, associações de professores, organizações da sociedade civil e servidores do INEP exigem o adiamento dos exames. Para Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os alunos da rede pública podem ter seu desempenho prejudicado. “Esse é um momento crucial. Emocionalmente, o aluno se prepara melhor no último ano”, afirma.
O ENEM é a principal forma de acesso ao ensino superior no País. Se o calendário for mantido, pode haver uma redução significativa no número de inscrições, além de abandono de provas e diminuição da qualidade na média final. “A falta de mediação do professor no processo de aprendizado, e na apropriação de cultura, é prejudicial aos candidatos”, diz Cara.
Intransigência
O ministro Abraham Weintraub descarta qualquer alteração no calendário. “O ENEM não foi feito para corrigir injustiças, mas para selecionar”, afirmou Weintraub, durante uma reunião com senadores. “Educação não é privilégio. O governo não pode negar a realidade. O calendário tem que ser alterado”, defende Daniel Cara.