O funeral do papa Francisco.
O funeral do papa Francisco.
Artigo de Frei Betto
25 Abril 2025
Dentro do caixão, além do corpo, são colocados elementos que contam sua história: moedas cunhadas durante o pontificado, um pergaminho com um resumo de sua vida e de sua missão como papa, e a veste litúrgica que simboliza seu serviço à Igreja. São sinais de que a memória do pontífice não será apenas preservada, mas continuará a inspirar.
Frei Betto é escritor, autor de Jesus rebelde (editora Vozes), entre outros livros.
Eis o artigo.
A morte de um papa não é apenas o fim de um pontificado — é o encerramento de um capítulo na história viva da Igreja e do mundo. É um momento carregado de simbolismo, introspecção e comunhão. Para milhões de fiéis, a partida do sucessor de Pedro é vivida com emoção e reverência, como se perdessem não apenas um líder, mas um pai espiritual, uma voz que, de alguma forma, os ajudava a enxergar Deus em meio às complexidades do cotidiano.
Todos os procedimentos que seguem o falecimento de um papa são meticulosamente definidos na Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II, em 1996. Esse documento estabelece os ritos e protocolos a serem seguidos até a eleição de um novo pontífice. Contudo, mesmo diante de tanta tradição e formalidade, há espaço para gestos pessoais. O Papa Francisco indicou em seu testamento o desejo de mudanças, revelando que, mesmo no fim da vida, um papa pode expressar sua humanidade e espiritualidade de forma única.
A confirmação da morte é um dos momentos mais simbólicos. Cabe ao camerlengo — hoje o cardeal Kevin Joseph Farrell, irlandês — verificar o falecimento. Seguindo uma tradição secular, ele chama o pontífice pelo nome de batismo, neste caso “Jorge Mario Bergoglio”, por três vezes. Diante do silêncio, declara oficialmente a morte. Em seguida, inutiliza o Anel do Pescador, símbolo do poder pontifício, para que ninguém o use indevidamente. É um gesto simples, mas carregado de significado: o poder, que nunca foi propriedade pessoal, retorna às mãos da Igreja.
O corpo do papa é velado de forma íntima, geralmente na capela do Mosteiro Mater Ecclesiae ou no Palácio Apostólico. É nesse momento que os mais próximos — auxiliares, religiosos e familiares — podem se despedir em clima de oração e silêncio. Depois, o caixão é levado à Basílica de São Pedro, onde por três dias o povo pode prestar suas últimas homenagens. Milhares de pessoas chegam de todos os cantos do mundo para orar e agradecer o mistério de uma vida consagrada ao serviço.
O funeral, carregado de simbolismo e solenidade, é presidido pelo cardeal decano do Colégio Cardinalício. No caso do Papa Francisco, espera-se que o rito também reflita sua profunda identificação com os pobres, os marginalizados e com a espiritualidade inaciana. Imaginar esse momento é quase ouvir ecos de homilias simples, palavras de ternura aos mais vulneráveis, e aquele olhar que, tantas vezes, falou mais do que mil discursos.
A missa será celebrada na Praça de São Pedro, diante de chefes de Estado, líderes de outras religiões, delegações diplomáticas e uma multidão de fiéis. Em seguida, o corpo será levado à Basílica de Santa Maria Maior — igreja romana particularmente querida por Francisco, que ali rezava antes e depois de cada viagem apostólica. É um gesto que revela algo profundo: mesmo no fim, ele permanece peregrino.
Dentro do caixão, além do corpo, são colocados elementos que contam sua história: moedas cunhadas durante o pontificado, um pergaminho com um resumo de sua vida e de sua missão como papa, e a veste litúrgica que simboliza seu serviço à Igreja. São sinais de que a memória do pontífice não será apenas preservada, mas continuará a inspirar.
Com o enterro, inicia-se o período da sede vacante. A Sé de Pedro está vazia. Os sinos da basílica soam com um timbre diferente, e um clima de expectativa toma conta do Vaticano e dos corações dos fiéis. Começa, então, o conclave, reunião dos cardeais na Capela Sistina, um dos momentos mais solenes da vida da Igreja. Ali, sob a presença silenciosa do Juízo Final de Michelangelo, eles rezam, discutem, votam para eleger o novo pastor.
O corpo do Papa Francisco será sepultado no próximo sábado, 26 de abril, em Roma. Antes, haverá cerimônias fúnebres na Praça de São Pedro, com missa presidida pelo decano do colégio cardinalício, Giovanni Battista Re. Em seguida, o caixão será conduzido em procissão até a Basílica de Santa Maria Maior, indicada por Francisco em seu testamento por ser a igreja de sua predileção. Há mais de um século nenhum papa foi sepultado fora dos muros do Vaticano. Os predecessores de Francisco estão enterrados nas grutas vaticanas, abaixo do altar da Basílica de São Pedro.
É tradição os papas serem enterrados em um triplo caixão, de cipreste, chumbo e carvalho. Francisco manifestou o desejo de que o seu fosse simples, de madeira revestida de zinco por dentro. E não será colocado sobre um catafalco; na lápide, haverá apenas a palavra “Franciscus”, sem nenhum adorno. Todas as exéquias serão custeadas por um benfeitor amigo de Francisco, sem onerar os cofres da Igreja.
Entre os líderes mundiais com presença confirmada no funeral destacam-se os presidentes Lula, do Brasil; Macron, da França; Trump, dos EUA; e Zelensky, da Ucrânia. As cerimônias serão transmitidas ao vivo para todo o mundo.
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Sobre conclaves
Artigo de Frei Betto
25 Abril 2025
"Pressinto que o conclave responsável pela eleição do sucessor de Francisco não será tão rápido quanto os que elegeram Bento XVI e Francisco, que não ultrapassaram 48 horas".
O artigo é de Frei Betto, escritor, autor de Quando fui pai de meu irmão (Alta Books/70), entre outros livros.
Eis o artigo.
Conclave, palavra que deriva do latim cum clave, significa "com chave", já que os cardeais eleitores ficam trancados no Vaticano até elegerem um novo papa.
O sistema de eleição, tal como conhecemos hoje, foi instituído em 1274, durante o Concílio de Lyon II, pelo papa Gregório X. A motivação foi o conclave que o elegeu, o mais longo da história, em Viterbo, que durou 33 meses, quase três anos (1268 a 1271). Os cardeais estavam divididos entre facções políticas, partidários dos angevinos (pró-França) e dos gibelinos (pró-Sacro Império Romano-Germânico).
Isso causou o impasse prolongado, e tanta frustração e revolta, que a população local chegou a trancar os cardeais no palácio episcopal e, no início do inverno, removeu o teto de onde estavam reunidos e restringiu a entrada de alimentos para forçá-los a apressar a escolha do novo pontífice.
O eleito, Gregório X (1271-1276), criou então regras para tornar o processo mais rápido e eficiente, como isolamento dos cardeais; restrição de contato externo; redução gradual de conforto (menos refeições); exigência de maioria qualificada (2/3) para a eleição, de modo a pressionar a decisão.
A eleição dos papas já era feita por cardeais desde 1059, por iniciativa do papa Nicolau II, mas não havia um sistema fechado nem regras tão definidas. O processo podia durar meses, envolver influência externa (sobretudo de reis e imperadores), e ser bastante caótico.
Já o conclave mais rápido da história da Igreja Católica, realizado na Capela Sistina, foi o que elegeu o cardeal Eugenio Pacelli, ex-núncio na Alemanha nazista, papa Pio XII. Durou apenas 24 horas, com três votações realizadas no mesmo dia 1º de março de 1939 por 62 cardeais.
Outro conclave longo foi o que elegeu Celestino V. Morto Nicolau IV, em 1292, cardeais italianos e franceses fizeram do conclave arena de disputas pelo poder, movidos mais por interesses políticos que pelas luzes do Espírito Santo. Após dois anos e três meses de impasse na eleição do novo papa, Pedro Morrone, eremita italiano, de sua caverna nas montanhas enviou carta aos cardeais, instigando-os a não abusar da paciência divina. O conclave viu na carta um sinal divino e decidiu fazer do monge o novo chefe da Igreja. Pedro Morrone relutou, não queria abandonar sua vida de pobreza, solidão e silêncio, mas os prelados o convenceram de que o consenso em torno de seu nome tiraria a Igreja do impasse.
Com o nome de Celestino V, tornou-se papa em agosto de 1294. Menos de quatro meses depois, a politicagem vaticana o levou ao limite de sua resistência. E levantou a pergunta inesperada: posso renunciar? O Colégio Cardinalício não se opôs e, numa bula histórica, Morrone justificou-se, alegando que deixava o trono de Pedro para salvar sua saúde física e espiritual. A 13 de dezembro do mesmo ano retornou à solidão contemplativa nas montanhas. Vinte anos depois foi canonizado, exaltado como exemplo de santidade. A 19 de maio a Igreja celebra a festa de São Pedro Celestino.
Antes de Celestino V o papa Gregório XII renunciou em 1415 quando chegou a haver três papas rivais durante o Grande Cisma do Ocidente, para facilitar a resolução da crise. O terceiro papa a renunciar foi Bento XVI, em 2013, devido à idade avançada e falta de alento. Intelectual, Ratzinger vivia o conflito entre sua afeição à teologia e as exigências de administração da Igreja.
Pressinto que o conclave responsável pela eleição do sucessor de Francisco não será tão rápido quanto os que elegeram Bento XVI e Francisco, que não ultrapassaram 48 horas. Mas sobre isso escreverei em seguida.
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