O Irã que se cuide
O Irã que se cuide
César Benjamin Folha de S. Paulo, 20 de março de 2010
Pela primeira vez desde que se tornaram hegemônicos os Estados Unidos mostram-se incapazes de liderar uma recuperação da economia mundial. O bastão passou para a China, que multiplica parcerias e já responde pela maior parte do crescimento global. Mesmo assim, está na berlinda, acusada de manter sua moeda artificialmente desvalorizada. Organismos multilaterais têm se pronunciado sobre isso, o governo americano já elevou tarifas de importação produtos chineses e o Congresso discute a adoção de novas medidas, mais abrangentes, na mesma direção.
São crescentes as pressões para a valorização do yuan. A meu ver, isso não acontecerá: a China tem bons motivos para não mudar, e os EUA não têm fôlego para forçar a mudança.
Desde a década de 1970, quando romperam os Acordos de Bretton Woods, os EUA manejam livremente a moeda do mundo, que é a sua, como instrumento de hegemonia. Recentemente, a emissão de trilhões de dólares para salvar instituições financeiras, combinada com taxas de juros em torno de zero, reforçou a tendência à desvalorização do dólar, que é funcional para a economia americana, entre outros motivos porque desvaloriza suas dívidas. Cria-se, ao mesmo tempo, uma superoferta de recursos que perambulam pelo mundo. Países que adotam uma posição passiva e concedem ampla liberdade à entrada e saída de capitais, como o Brasil, orgulham-se de recebê-los em abundância. São muito elogiados. Mas expandem seu passivo externo de curto prazo (o que significa maior montante de remessas no momento seguinte) e valorizam suas moedas, penalizando os sistemas produtivos locais.
Para escapar das armadilhas inerentes a esse padrão monetário, a engenhosa solução chinesa foi atrelar o yuan ao dólar, de modo a neutralizar as flutuações deste último. Não vejo por que os chineses abandonariam essa política, que tem contribuído para o seu excepcional desempenho.
A capacidade de retaliação americana tem limitações, até porque afrontaria interesses internos. Mais que do câmbio, a atual disparidade comercial entre os dois países decorre das políticas de investimento das grandes empresas dos EUA, que deslocaram em grande escala atividades manufatureiras para a China. Uma parte do déficit americano é lucro das suas multinacionais. (Nos setores em que a produção física permaneceu nos EUA, como agricultura e certos produtos de alta tecnologia, o país asiático segue sendo um grande comprador.)
Basta observar as agendas dos dois países para constatar que o tempo está a favor da China. Os EUA lidam, principalmente, com déficits e guerras: consomem demais, poupam de menos, sustentam um sistema financeiro agigantado e quebrado, aumentam a presença militar no mundo, mantêm exércitos em operação em outros continentes e gerenciam Estados falidos, como o México. A China, sem pirotecnias presidenciais, diminui substancialmente a pobreza, moderniza a infraestrutura, aumenta a base produtiva instalada em seu território, incrementa a capacitação científica, aprofunda relações com os pólos dinâmicos da Ásia e os países produtores de petróleo, investe pesadamente na exploração dos recursos naturais africanos, consolida os laços com a Rússia, grande potência energética, e se torna o principal parceiro comercial da América do Sul, desbancando inclusive o Brasil.
Não é o câmbio que explica isso. É um projeto nacional consistente. Para tentar contê-lo, talvez os EUA precisem gerar uma gigantesca instabilidade internacional.
O Irã que se cuide.
FONTE:
https://www.contrapontoeditora.com.br/arquivos/artigos/201003222359190.O_Ira_que_se_cuide.pdf
Mística ameaça nuclear
O plano de Israel e dos Estados Unidos era claro: assassinar as autoridades políticas, militares e científicas do Irã, impor ao país uma derrota militar desmoralizante e apoiar grupos propagadores da desagregação. Era o caminho para instaurar uma guerra civil infindável, que remeteria o país à condição tribal, como foi feito com sucesso na Líbia, na Síria, no Iraque e no Líbano. Assim, o Oriente Médio só comportaria Estados falidos e países subservientes, como Egito, Jordânia e os principados petrolíferos. Estariam dadas as condições para a construção completa da Grande Israel, única potência sobrante.
O Irã era o último Estado independente com relativo poder. Sua destruição era o estágio final desse plano sórdido.
Some-se a isso o papel relevante do país nas relações internacionais da Rússia e da China. A partir da sua anulação, ondas de desestabilização se propagariam em direção à Rússia, especialmente na delicada região do Cáucaso, enquanto o projeto estratégico chinês, do Cinturão e Rota, perderia seu grande hub. Talvez se tornasse inviável. A China também perderia um importante fornecedor de petróleo, logo depois de inaugurar uma via terrestre que contorna as rotas marítimas controladas pela marinha dos Estados Unidos.
A mistificação de uma “ameaça nuclear” inexistente servia para encobrir uma operação geopolítica de enorme alcance.
Deu muito errado. Os serviços de inteligência ocidentais, e os de Israel em particular, não haviam mapeado o tremendo esforço de preparação defensiva que o Irã realizara. Estavam ocupados demais, planejando assassinatos.
Agora, é Israel que está em perigo existencial. Não tem mais economia. É Netanyahu quem está trocando de esconderijos para não ser alcançado pela retaliação.
Os israelenses chamavam os habitantes de Gaza de “ratos” porque tinham que viver em abrigos subterrâneos para escapar dos bombardeios. Era uma ofensa aos seus próprios antepassados, que lutaram em túneis no gueto de Varsóvia.
Hoje, Telavive e Haifa são cidades fantasmas, cheias de “ratos” nos subsolos. É o que restou do sonho imperial.
(Por Cesar Benjamin)
Via Marilinda Marques Fernandes
Fonte:
https://www.facebook.com/photo?fbid=2800896110102359&set=a.124078011117529&locale=pt_BR