O limite da nossa indiferença
Qual o limite da nossa indiferença?
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
(Eduardo Alves da Costa)
Nas semanas anteriores foi o estupro de uma criança indígena por garimpeiros; na semana passada foi a denúncia mais mortes patrocinadas por fazendeiros no norte do país; no início desta semana foram 24 pessoas negras chacinados no Rio de Janeiro; no meio da semana, o assassinado de um outro brasileiro pela polícia de Sergipe. Tudo isso, sabido, algumas vezes, filmado e divulgado para o mundo inteiro. Mas nem assim a gente dá um basta!
Há um processo educativo em curso que, de forma perversa, vai nos tornando indiferentes à violência e ao genocídio que aqui se pratica. É uma educação pela morte e para a morte. Já não se trata, mais, de termos medo da polícia, das milícias e das quadrilhas que tomaram de assalto a República. Trata-se, pura e simplesmente, de indiferença.
É evidente que tal indiferença não começou ontem ou anteontem. É mais longeva, muito mais longeva. Mas, não há dúvida que sob o domínio do medo e do mal, nossa insensibilidade aumentou e nossa cumplicidade e solidariedade com as sucessivas vítimas parece cada vez mais frágil. De outro lado, autorizadas e convocadas à violência as polícias e as milícias não mais se envergonham de agir à luz do dia e sob os holofotes. Pelo contrário, querem, ostensivamente, demonstrar que tudo podem.
Ainda que de outra natureza, corrobora para este estado de coisas o fato de os fazendeiros milicianos de uma cidade do Rio Grande do Sul terem proibido uma palestra de Luiz Fux, nada mais nada menos do que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o principal cargo de um dos Poderes da República. Quando nem o Presidente de um dos Poderes da República tem liberdade de ação e expressão, o que esperar dessa República a não ser o medo, o silêncio e as mortes?
Assim como não há limite para a perversidade, não parece haver também limites à nossa indiferença. O Brasil parece, hoje, ter acordado em paz… A paz dos cemitérios, já devíamos ter aprendido, não se paga com outro preço que não a própria vida.
Imagem de destaque: Latuff
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