O nome disso é Eduardo

O nome disso é Eduardo

O nome disso é Eduardo  

 07/11/2022

Um fenômeno novo surgiu na última semana. Com a pouca adesão de canais brasileiros ao mal-parado discurso de fraude nas urnas, começaram a pipocar em sites estrangeiros as teorias mais malucas sobre o resultado das eleições brasileiras. E, pela primeira vez, os fact-checkers brasileiros têm sido obrigados a desmentir baboseiras publicadas no exterior. 

Tudo começou, como sempre, com o mentor do populismo de direita global, Steve Bannon.   

“Bolsonaro não pode conceder a derrota”, disse ele, minutos depois do resultado, ao site de direita Rumble. “Esta eleição foi roubada em plena luz do dia… ultrajante”, escreveu ele em sua conta no Gettr. São afirmações sem fundamento, claro – e ele sabe disso. É notável que, apesar de Bolsonaro ter feito pessoalmente um apelo para que seus seguidores fossem às seções eleitorais e ali ficassem para “denunciar fraudes”, o campo bolsonarista não tenha conseguido produzir conteúdos digitais dignos de nota durante a eleição, apontando quaisquer problemas com as urnas. As fake news que rodaram no dia foram poucas e esparsas.  

Talvez fruto da divisão dentro do núcleo duro do presidente, talvez pela sinalização clara do centrão que não ia embarcar em questionamento da urna, assim como das próprias Forças Armadas – ou talvez, ainda, pela certeza de que venceriam a eleição – os bolsonaristas não se ocuparam em dar materialidade à teoria amalucada de fraude, muito diferente do que fez Trump e seus apoiadores nos EUA, onde sobraram histórias pontuais sobre urnas encontradas num lixão, pessoas impedidas de votar etc.    

Sobrou apostar em vídeos mal-feitos explicando como “matematicamente” a contagem não faria sentido – um exemplo de desinfografia, de acordo com a classificação do Media Manipulation Casebook. E, como nem mesmo a Jovem Pan embarcou nas teorias conspiratórias – logo no dia seguinte ao resultado das eleições, o dono do canal demitiu seus apresentadores mais radicais e disse que “a resistência civil não vai sair do meu bolso” – resta ao bolsonarismo acionar sua rede de contatos no exterior, construída com muito esforço ao longo de 4 anos. É por isso que a existência do Bolsonarismo radical, de rua, tem o nome de Eduardo Bolsonaro, que construiu essa rede em mais de 70 encontros com a ultradireita americana.
 
Outras vozes norte-americanas que apoiam a teoria da conspiração sobre as nossas eleições foram Matthew Tyrmand, aquele jornalista que é membro do conselho do Project Veritas, uma organização que usa câmeras disfarçadas para "expor" o preconceito liberal, e que adora tentar chamar minha atenção no Twitter (deve estar apaixonado por mim). Mais uma vez, Matthew tuitou como louco e gastou seus emojis para atacar o presidente do TSE Alexandre de Moraes. 

Mas dessa vez houve outras adesões: o famoso apresentador Tucker Carlson, da Fox News, uma das principais vozes da extrema direita dos EUA, acrescentou às teorias da conspiração, demonstrando, ao mesmo tempo um profundo desconhecimento sobre o Brasil. “Há muitos questionamentos sobre se todas as cédulas foram contadas... por que tantas acabaram sendo jogadas fora... milhões delas”, disse, pensando que o Brasil é os EUA, onde ainda se vota em papel. Ele também disse que hoje, no Brasil, ninguém pode questionar o resultado das eleições “porque o governo de Joe Biden não quer”. Ele também convidou Matthew Tyrmand para o show para espalhar as mentiras de sempre. 

Ali Alexander, o líder do movimento “Stop the Steal” uma campanha para embasar a narrativa mentirosa de Trump sobre as eleições de 2020, também se engajou na campanha de desinformação sobre o Brasil. Alexander afirmou no Truth Social que a equipe de Joe Biden está “roubando” a eleição para Lula e pediu uma “espera militar”. Tanto ele quanto Bannon tentam vincular uma interferência imaginária democrata no Brasil como forma de pressionar os republicanos a votar nas eleições de meio de mandato na próxima terça-feira. Mike Lindell, dono da empresa My Pillow, que chegou a sugerir que Trump pedisse “lei marcial” para impedir a posse de Biden, disse que “5 milhões de votos” foram roubados de Bolsonaro.

Enquanto isso, o Breitbart, site fundado por Bannon e que foi um grande responsável pela radicalização da direita nos Estados Unidos, está chamando os extremistas brasileiros que querem um golpe militar de manifestantes pacíficos que querem “uma intervenção federal constitucional”. E um site argentino, Derecha Diário – cujo dono é amigo de Eduardo Bolsonaro e diz ter vindo ao Brasil pouco antes do segundo turno – está divulgando falsas alegações sobre uma diferença entre o novo modelo de urnas, que não teriam passado pelos testes de integridade. 

As publicações americanas devem arrefecer depois de terça-feira. Isso porque o objetivo central desses figurões da direita americana é levar seus apoiadores a votar nos “mid-terms” para levar o governo Biden a uma derrota. Por isso, tentar dizer que Biden está “interferindo” no Brasil ou tem um pacto com Lula – ou até com o diabo – é um cálculo político imediato. Os americanos vão se cansar de nós em breve. 

Por outro lado, essas publicações ajudam a manter acesa a chama do golpismo, diante da baixa adesão dos canais brasileiros. Assim, criam conteúdos em outras línguas que depois são apropriados por perfis bolsonaristas nas redes sociais – os mesmos de sempre. E aí entram os checadores, como a equipe do Comprova, que tiveram que desmentir uma postagem que alegava que Tyrmand teria “provado” a interferência de Joe Biden. O Comprova, uma coalizão de mais de 43 veículos, só checa postagens que viralizam. Nesse caso, o post já tinha quase 600 mil visualizações no Instagram e mais de 45 mil interações no Twitter. 

Os vídeos são traduzidos, retransmitidos, viram memes, e dão a impressão que “o mundo está assistindo”. Hashtags como #BrazilWasStolen, lançada por essa operação liderada pelo argentino, e #BrazilianSpring,  a “primavera brasileira”, que estaria acontecendo agorinha no nosso país, chegaram aos Trending Topics no Twitter.       

O movimento, que não é orgânico e nem de rua, vai se amalgamando à realidade das redes que o permitem existir. Assim, cada vez mais, as postagens vão se espalhando em inglês, e depois sendo traduzidas de volta, numa retroalimentação que tem outra faceta, por exemplo, na decisão da deputada Carla Zambelli, investigada por ameaçar um apoiador de Lula de arma em punho à véspera da eleição, ter ido para Miami, onde prometeu participar de protestos para dizer que nossas eleições foram roubadas.  

Assim também as manifestações vão introduzindo essa retroalimentação na própria concepção dos atos de protestos. As faixas em inglês já não são a exceção, mas a regra; em 4 de novembro, um grupo reuniu-se em  Alta Floresta, no Mato Grosso, formando duas palavras com os corpos enquanto acendiam isqueiros, a um tempo criando uma imagem bonita e impactante, enquanto os demais cantavam o hino nacional. Dizia: SOS FFAA. Uma expressão que não faz o menor sentido em português.  

Campanhas transfronteiriças contra eleições democráticas, independentemente do sistema adotado – centralizado e eletrônico no Brasil ou federalizado e baseado em papel nos EUA – já são uma realidade. E agora, com os movimentos pós-eleitorais aqui no Brasil, demonstram que sua força reside, talvez, justamente em cruzarem fronteiras. Atuando em países diferentes, eles evitam quaisquer políticas de mediação que as plataformas de mídia social tenham em vigor para a eleição de um país específico. Demonstram ainda a precariedade das nossas instituições para lidar com esse tipo de relacionamento golpista transnacional, calcado nos laços pessoais entre indivíduos que têm a seu favor sua irrefreável falta de caráter. 

Agora, entra em cena Elon Musk. Na noite de ontem, o novo CEO do Twitter demonstrou que pode ser o fiel da balança aqui no nosso Capitólio à brasileira quando resolveu responder pessoalmente a um apelo do Paulo Figueiredo Filho, neto do ex-ditador Figueiredo (sim, aquele), que lhe pedia para que deixasse de suspender as contas de bolsonaristas como a deputada Carla Zambelli e o deputado eleito Nikolas Ferreira. “Seus moderadores estão sendo mais ditatoriais que os nossos tribunais”, escreveu Paulo. “Vou dar uma olhada nisso”, respondeu Elon Musk, demonstrando que ele não tem plano nenhum para a empresa e que vai mudar as regras conforme estiver afim.    

E que, enquanto ele estiver brincando de forte apache com uma das redes sociais mais relevantes do mundo, não podemos contar com o Twitter para ajudar a manter a paz democrática no Brasil. 

Resta-nos as instituições. 

Assim como o Congresso americano já está olhando essa transnacionalização dos movimentos golpistas, segundo me contou o deputado americano Jamie Raskin, é hora de outros congressos, incluindo o nosso, prestarem atenção nessas redes – assim como organizações supranacionais. Afinal, a turma de Eduardo Bolsonaro está se esforçando muito pra que eventos como a invasão do Capitólio se tornem o “novo normal” no período pós-eleitoral.  

 

Natalia Viana
Diretora Executiva da Agência Pública 

https://mailchi.mp/apublica/newsletter-xeque-na-democracia-016?e=d9e5026f6b 




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