O novo Papa
Papa Leão 14: quem é Robert Prevost, 1º pontífice americano e defensor do legado de Francisco

Crédito,Getty Images
- Author,Paul Kirby - Role,BBC News - 8 maio 2025
Antes mesmo de seu nome ser anunciado na sacada da Basílica de São Pedro, a multidão abaixo gritava "Viva il papa" (Viva o papa).
Robert Prevost, de 69 anos, será o 267º ocupante do trono de São Pedro e será conhecido como Leão 14.
Ele será o primeiro americano a ocupar o posto de papa, embora também seja considerado um cardeal latino-americano devido aos muitos anos que passou como missionário no Peru, antes de se tornar arcebispo.
Leão 14 disse à multidão que o ouvia na Basílica de São Pedro que é membro da Ordem Agostiniana, a primeira da Igreja Católica Romana a combinar a posição clerical com uma vida comunitária plena. A ênfase moderna tem sido na missão, na educação e no trabalho hospitalar.
O novo papa será o primeiro papa agostiniano a comandar a Igreja Católica.
Leão 14 tinha 30 anos quando se mudou para o Peru justamente como parte de uma missão agostiniana.
Poliglota, ele tem nacionalidade peruana e é lembrado com carinho como uma figura que trabalhou com comunidades marginalizadas e ajudou a construir pontes na Igreja local.
Nascido em Chicago em 1955, Prevost é filho de mãe espanhola e pai americano, Tem dois irmãos, Louis Martín e John Joseph.
Ele serviu com coroinha e passou a infância e a adolescência como estudante no Seminário Menor dos Padres Agostinianos, em sua cidade natal, e mais tarde na Universidade Villanova, na Pensilvânia, onde estudou matemática.
Aos 22 anos, ingressou no noviciado da Ordem de Santo Agostinho de São Luís e se formou em Teologia. Foi ordenado sacerdote em 1982.
Ele foi então enviado para Roma, onde estudou direito canônico. Em 1987, obteve seu doutorado e nesse mesmo ano foi eleito diretor de vocações e diretor de missões da província agostiniana "Mãe do Bom Conselho" em Illinois, Estados Unidos.
Embora tenha se mudado para o Peru três anos depois, ele retornava regularmente aos Estados Unidos para servir como pároco e prior em sua cidade natal.
Ao retornar a Chicago em 1999, foi nomeado prior provincial dos agostinianos naquela região americana e, posteriormente, prior geral da ordem em todo o mundo.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, parabenizou o novo papa em sua plataforma Truth Social.
"É uma grande honra saber que ele é o primeiro papa americano. Que emoção e que grande honra para o nosso país! Estou ansioso para conhecer o Papa Leão XIV. Será um momento muito significativo!", afirmou Trump, que já havia manifestado grande interesse nos rumos do conclave que consagrou Leão 14.
O papa Francisco, de quem era muito próximo, o levou para Roma em 2023 para chefiar o Dicastério, um dos escritórios mais influentes da Cúria, responsável pela seleção da próxima geração de bispos.
Isso o tornou bem conhecido pelos cardeais de toda a América Latina.
No mesmo ano, ele o nomeou cardeal e lhe atribuiu a igreja romana de Santa Mônica.
Em fevereiro de 2025, ele foi promovido a Cardeal-Bispo de Albano, uma das sedes suburbicárias de Roma, reservada aos membros de mais alto escalão do Colégio Cardinalício.
Ele também foi até agora presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina.
Como 80% dos cardeais que participaram do conclave foram nomeados por Francisco, não é de se surpreender que alguém como Prevost tenha sido eleito.
Seu nome figurava entre os favoritos a se tornar o novo papa.
Dos cardeais americanos, ele era visto como o que tinha mais chances de se tornar papa devido à sua inclinação pastoral, perspectiva global e capacidade de governar a Cúria Romana, segundo os especialistas.
Mas, ao mesmo tempo, sua sólida formação em direito canônico tranquilizava os círculos da Igreja que buscam uma abordagem mais focada na teologia.
Como cardeal, ele não hesitou em contestar as opiniões do vice-presidente dos EUA, J.D. Vance.
Ele republicou numa rede social X uma postagem crítica à deportação de um residente americano para El Salvador, realizada pelo governo Trump, e compartilhou um artigo de opinião crítico a uma entrevista concedida por Vance à Fox News.
"J.D. Vance está equivocado: Jesus não nos pede para hierarquizar nosso amor pelos outros", dizia a postagem, repetindo a manchete do comentário no site National Catholic Reporter.
Leão 14 é considerado um reformista e visto como uma figura que favorece a continuidade das mudanças que Francisco promoveu na Igreja Católica.
Acredita-se que Prevost compartilhasse as visões de Francisco sobre migrantes, os pobres e o meio ambiente.
Após a morte de Francisco, ele disse em uma entrevista que ainda havia "muito a fazer" na transformação da Igreja: "Não podemos parar, não podemos retroceder. Temos que ver como o Espírito Santo quer que a Igreja seja hoje e amanhã, porque o mundo de hoje, em que a Igreja vive, não é o mesmo que o mundo de 10 ou 20 anos atrás".
Embora seja americano e esteja plenamente ciente das divisões dentro da Igreja Católica, sua origem latino-americana também representa a continuidade de um papa que veio da Argentina.
O reverendo Mark Francis, amigo de Prevost desde a década de 1970, disse à Reuters que o cardeal era um firme defensor do papado de seu antecessor e, em particular, do compromisso do falecido pontífice com a justiça social.
"Ele sempre foi gentil e afetuoso, e continuou sendo uma voz de bom senso e preocupação prática com o trabalho da Igreja em prol dos pobres", disse Francis, que frequentou o seminário com Prevost e mais tarde o conheceu quando ambos moravam em Roma nos anos 2000.
"Ele tinha um senso de humor irônico, mas não buscava os holofotes", acrescentou Francis.
Antes do conclave, o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, disse que, durante as reuniões do Colégio Cardinalício nos dias que antecederam o conclave, foi enfatizada a necessidade de um papa com "um espírito profético capaz de liderar uma Igreja que não se fecha em si mesma, mas sabe como sair e trazer luz a um mundo marcado pelo desespero".
Em suas primeiras palavras como papa, Leão 14 falou com carinho de seu antecessor, diante das mais de 40 mil pessoas presentes ali na Praça de São Pedro.
"Ainda ouvimos em nossos ouvidos a voz fraca, mas sempre corajosa, do papa Francisco, que nos abençoou", disse ele.
"Unidos e de mãos dadas com Deus, avancemos juntos", afirmou diante de uma multidão em festa.
"A humanidade precisa de Cristo como ponte para ser alcançada por Deus e seu amor. Ajudem-nos e ajudem-nos uns aos outros a construir pontes."
A metáfora das pontas era cara também a Francisco e foi lembrada no funeral do falecido pontífice.
Fortes laços com o Peru e apoio aos migrantes
O novo papa mudou então do italiano para o espanhol para agradecer à sua antiga diocese no Peru, "onde um povo leal compartilhou sua fé e doou muito".
Leão 14 também insistiu na necessidade de unidade e, no final de seu discurso, convidou todos a se unirem em oração.
Ele tem nacionalidade peruana desde 2015, tendo passado grande parte de sua vida religiosa no país andino.
Durante seus anos no Peru, atuou como pároco, professor de seminário, prefeito de estudos, juiz eclesiástico e membro do conselho consultivo da Diocese de Trujillo, além de dirigir o seminário agostiniano naquela cidade por uma década.
Ele foi membro da Conferência Episcopal Peruana (CEP) de 2018 a 2023, atuando como segundo vice-presidente, e atuou como administrador apostólico de Callao de 2020 a 2021.
Em 2014, foi nomeado bispo de Chiclayo, cargo que ocupou até sua transferência definitiva para o Vaticano, em 2023.
Embora, durante seu mandato como arcebispo no Peru, ele não tenha escapado dos escândalos de abuso sexual que obscureceram a Igreja, sua diocese negou veementemente que ele tenha se envolvido em qualquer tentativa de encobrimento.
Em seu primeiro discurso como papa, Leão 14 disse em espanhol: "Uma saudação especial à minha amada diocese de Chiclayo, no Peru, onde um povo fiel acompanhou seu bispo, compartilhou sua fé e deu muito, muito, para continuar sendo a Igreja fiel de Jesus Cristo".
Jesús León Ángeles, coordenador de um grupo católico em Chiclayo que conhece Prevost desde 2018, o descreveu como uma pessoa "muito humilde" que se esforçava para ajudar os outros.
León Ángeles enfatizou que Prevost demonstrou preocupação especial com os imigrantes venezuelanos no Peru.
A presidente peruana Dina Boluarte descreveu a eleição do primeiro papa com nacionalidade peruana como "um momento histórico para o Peru e o mundo".
Boluarte afirmou que o novo Papa era "um cidadão peruano por escolha e de coração".
"Ele escolheu ser um de nós, viver entre nós e carregar a fé e a cultura desta nação em seu coração", disse ele.
Um conclave rápido

Crédito,Getty Images
Um total de 133 cardeais, todos com menos de 80 anos, se reuniram na Cidade do Vaticano, um Estado independente no coração de Roma, para eleger o 267º Papa.
Para escolher o novo pontífice, os diferentes grupos de cardeais — cada um com seus interesses particulares — tiveram que formar alianças e acordos ao longo do processo, chamado de conclave.
Pela primeira vez, cardeais de lugares da "periferia", como Francisco os chamou, fizeram parte do conclave, então representantes de lugares como Mongólia, Papua Nova Guiné, Paquistão, China e Ruanda votaram.
Dois terços dos eleitores deviam concordar com o mesmo nome para que o papa fosse eleito.
Após a decisão, a fumaça branca subiu da chaminé da Capela Sistina para anunciar que há um novo Papa, e ele foi questionado se aceita o cargo e qual nome deseja adotar.
Desta vez, os cardeais tomaram a decisão em um único dia e após apenas quatro rodadas de votação, o que é considerado relativamente rápido em comparação a ocasiões anteriores.
"É um sinal claro da unidade da Igreja", disse o cardeal italiano Giuseppe Versaldi na sala de imprensa do Vaticano.
Enquanto a fumaça branca subia e os sinos tocavam alto, os fiéis na Praça de São Pedro, no Vaticano, irromperam em aplausos e vivas.
Muitos dos que estavam ali se abraçaram e agitaram bandeiras de diferentes países ao redor do mundo.
FONTE:
Quem são os agostinianos, ordem à qual pertence o novo papa

Crédito,Getty Images
O novo papa escolhido nesta quinta-feira (8/5), papa Leão 14, é o primeiro papa agostiniano a comandar a Igreja Católica.
Como fica claro pelo nome, a ordem segue a linha de pensamento de Santo Agostinho. Seus membros são denominados frades agostinianos ou agostinhos.
No século XI, essa ordem religiosa foi a primeira da Igreja Católica Romana a combinar a posição clerical com uma vida comunitária plena. A ênfase moderna tem sido na missão, na educação e no trabalho hospitalar.
A vida em comunidade é central para os agostinianos, assim como a partilha e a fraternidade. Essa linha de pensamento também valoriza o estudo e pensamento crítico, que, assim como Santo Agostinho, acredita que fé e razão caminham juntas.
Trilhando esse caminho, Robert Prevost, o novo papa, tinha 30 anos quando se mudou para o Peru como parte de uma missão agostiniana, que engloba a evangelização, a promoção humana, a educação e o seguimento de Jesus Cristo, vivenciando o carisma agostiniano.
A Ordem de Santo Agostinho é uma das ordens medicantes da Igreja Católica, organizações que existem até hoje. Entre as mais famosas estão também os franciscanos e os dominicanos.
As ordens medicantes surgiram na Idade Média em contraponto às ordens monásticas. Partiam da ideia de que não fazia mais sentido o religioso enclausurado, em um mosteiro distante no alto de uma montanha. Nesse sentido, a Igreja não deveria se esconder dos problemas do mundo, mas sim ir de encontro a eles.
Quem foi Santo Agostinho?
Filho de mãe católica — depois tornada Santa Mônica — e de pai pagão, Patrício, que só se converteria ao cristianismo no leito de morte, Aurélio Agostinho de Hipona (354-430) nasceu em Tagaste, onde hoje fica a cidade de Souk Ahras, na Argélia.
Sua vida foi cheia de prazeres mundanos até se converter ao cristianismo e se tornar um grande filósofo e teólogo.
Na infância, foi educado em latim e, aos 11 anos, acabou levado a uma escola a cerca de 30 quilômetros de sua cidade Natal, onde aprendeu literatura e costumes próprios da civilização romana. Ali teve acesso a obras clássicas da filosofia, tendo contato com autores como Marco Tulio Cícero (106 a.C. - 43 a.C), depois creditado pelo próprio Agostinho como o responsável por despertar nele o interesse pela temática.
Aos 17 anos, Agostinho foi embora para Cartago, onde hoje fica a Tunísia, para estudar retórica. Criado dentro dos princípios cristãos, por conta da educação materna, foi ali que ele acabou assumindo posturas contraditórias à fé.
Abraçou o maniqueísmo como doutrina e, na companhia de outros jovens, passou a viver no espírito hedonista. Seu grupo se vangloriava de colecionar experiências sexuais, enumerando aventuras tanto com mulheres quanto com homens.
Agostinho envolveu-se com uma jovem local, mas, ao contrário do que era esperado pela sociedade, decidiu não se casar com ela. Viveram como amantes e tiveram um filho, Adeodato — sobre o qual pouco se sabe além do fato de que ele teria morrido ainda jovem.
Sua adesão à fé só ocorreu por volta dos 30 anos. Conforme seu próprio relato, ele ficou impressionado quanto tomou contato com a história da vida de Santo Antão do Deserto (251-356), um ermitão que acabaria conhecido como "pai de todos os monges". E, nesse transe, teria ouvido uma voz infantil dizendo "toma, lê". Agostinho interpretou como uma ordem: ele deveria pegar a Bíblia e ler o primeiro trecho que encontrasse.
Caiu justamente num trecho da carta de São Paulo aos Romanos, no qual o apóstolo falava sobre como as sagradas escrituras teriam o poder de transformar o comportamento dos seres humanos.
"Comportemo-nos com decência, como quem age à luz do dia, não em orgias e bebedeiras, não em imoralidades sexuais e depravações, não em desavenças e inveja. Ao contrário, revistam-se do Senhor Jesus Cristo e não fiquem premeditando como satisfazer os desejos da carne", conclama a passagem.
Ele entendeu o recado como algo para si. Na Páscoa de 387, foi batizado pelo bispo de Mediolano, Aurélio Ambrósio (340-397). No ano seguinte, na companhia da mãe e do filho, decidiu voltar para a África.
Mônica, contudo, morreu antes ainda de embarcar. Adeodato morreria pouco tempo depois do retorno. Desgostoso diante das desgraças familiares, Agostinho decidiu vender todo o patrimônio e doar o dinheiro aos pobres.
Manteve apenas sua casa, convertida em um mosteiro.
Em 391, foi ordenado sacerdote, em Hipona, na mesma província da Numídia. Então, o convertido Agostinho permitiu-se utilizar de toda a sua erudição a favor do cristianismo. Logo se tornaria um grande pregador e um grande estudioso teórico das bases da religião.
Poucos anos depois, ainda no fim do século 4, acabaria nomeado bispo de Hipona. Até o fim da vida, ele se dedicou às pregações, aos estudos e aos escritos, sempre mantendo um estilo frugal e ascético. De acordo com relatos de um bispo que foi seu contemporâneo, Possídio, ele havia se tornado um comem que comia pouco, trabalhava muito, não gostava de conversas sobre a vida dos outros e era um hábil administrador financeiro das obras de sua comunidade.
Agostinho foi um dos pioneiros a defender que o ser humano era a junção perfeita de duas substâncias, o corpo e a alma, um entendimento que acabou influenciando muito da filosofia que seria construída a partir de então.
Também ergueu bases para a eclesiologia, propondo que a Igreja era uma única entidade legítima, mas que ela precisava ser entendida sob duas realidades. A parte visível seria formada pela instituição hierarquizada e pelos sacramentos; mas a parte invisível seria constituída pelas almas dos praticantes.
Aos 75 anos, adoeceu. Morreu em 28 de agosto de 430. Em um tempo em que a Igreja não havia definido os critérios objetivos para a canonização de alguém, acabou se tornando santo por aclamação popular.
Em 1298, o papa Bonifácio 8 (1235-1303) deu a ele o título póstumo de Doutor da Igreja.
Lutero, também agostiniano
Um dos mais importantes representantes dos agostinianos foi Martinho Lutero (1483-1546).
Como sacerdote, Lutero parecia incomodado com o monopólio da fé que a Igreja Católica detinha, sobretudo porque notou haver uma mercantilização das indulgências, o perdão pleno dos pecados que, naquele momento histórico, vinha sendo negociado por religiosos em troca de pagamentos em dinheiro.
O monge agostiniano germânico acabou, meio que sem querer, promovendo o que ficou conhecido como Reforma Protestante, um movimento que abriu as portas da religião, quebrando o monopólio da Igreja Católica e permitindo que passassem a existir, no mundo ocidental, diversas outras igrejas cristãs.
Na época, Lutero já era um religioso renomado, com respeitável carreira acadêmica.
Em 31 de outubro de 1517, o agostiniano afixou 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Basicamente, ele questionava esse comércio de graças e o poder absoluto da Igreja na fé popular — e afirmava que a Bíblia era o texto primordial que deveria ser considerado, acima de qualquer autoridade papal.
A partir daí, o religioso passou a ser alvo de um longo processo até que, em 1520, o Vaticano determinou sua excomunhão.
Sua expulsão da Igreja acabou suscitando outras denominações cristãs, abrindo as portas da religião, quebrando o monopólio da Igreja Católica e permitindo que passassem a existir, no mundo ocidental, diversas outras igrejas cristãs.