O ódio ao professor
O ódio ao professor
Li Adoro odiar meu professor, de Antônio A. S. Zuin.[1] É um livro que contribui com a reflexão sobre o ser docente e as complexas relações que isto implica. Trata-se de uma relação de poder e também, sob o risco da redundância, de uma relação humana. Reconhecer estes aspectos é um bom início para superar a hipocrisia e a ocultação dos meios ao alcance dos professores para o exercício da violência simbólica.
O abuso de poder, às vezes dissimulado por um discurso pretensamente democrático e revolucionário, manifesta-se no cotidiano da sala de aula e revela o lado obscuro de personalidades autoritárias e doentes propensas ao sadismo. Diante disto, resta ao aluno rebelar-se ou silenciar. O preço a pagar pela rebeldia pode ser muito alto. Com efeito, o poder professoral é legitimado pelo aparato burocrático. Por outro lado, o professor conta com o espírito de corpo, isto é, a anuência, o silêncio ou o apoio ativo dos pares.
Instaura-se a paz dos cemitérios. Consciente das dificuldades em desafiar o autoritarismo professoral, o aluno procura adaptar-se e estabelece formas de resistência que reforçam a dissimulação. No limite, ele finge até mesmo a concordância com a ideologia do professor, como um salvo-conduto para a difícil trajetória até a conclusão do curso. A paródia é completa quando o aluno interpreta erroneamente “qual é a do professor” (Por exemplo, ao adotar um marxismo enviesado por acreditar que esta é a ideologia do mestre, por ele ser crítico da sociedade!).
Esta relação, fundamentada na impostura, nutre o ódio e o ressentimento. Silenciados pela necessidade de passar de ano, estes sentimentos irrompem, em tempos internáuticos, na manifestação de ódio em sites de relacionamentos como o Orkut ou mesmo por comentários anônimos ressentidos e agressivos em blogs. O aluno não precisa esperar o ano seguinte para desforrar sobre os calouros na chamada aula-trote, na qual o veterano se faz passar pelo professor autoritário.[2] Com o tempo, o calouro descobre que o cômico revela-se um drama real.
Devemos refletir sobre o ódio e o ressentimento dos alunos. Até que ponto nossa prática docente estimula estes sentimento? Em que contribuímos para a formação humana destes alunos? Não está em nosso poder determinar os sentimentos deles, mas podemos contribuir para que diminuir ou anular o sofrimento. Afinal, o aprender exige sacrifícios, mas não será mais fácil se estimularmos o interesse, o gosto e o prazer pelo conhecimento? De que valem os diplomas se formamos seres humanos ressentidos? Qual o valor dos títulos acadêmicos se tratamos o aluno como objeto e não sabemos utilizar adequadamente o poder que a instituição burocrática nos confere? É preciso, sobretudo, admitir que somos seres humanos falíveis. E isto nos iguala a eles. A soberba intelectual e o sadismo da personalidade autoritária também são humanos, mas deixam marcas indeléveis sobre os indivíduos que tiveram o desprazer de ser alunos. Sendo assim, e ainda que lamente, é compreensível o ódio manifestado!
A transparência na relação professor-aluno, a autorreflexão sobre a prática docente e a democratização da sala de aula são antídotos à arrogância professoral. É preciso que o aluno seja e se sinta respeitado como ser humano e agente do seu próprio aprendizado. É necessário, porém, estarmos atentos às nossas vaidades, pois também os professores ditos “democráticos” não estão isentos da soberba intelectual. Há a necessidade da autodisciplina em relação ao impulso autoritário. É preciso não “aferra-se ao gosto de sentir-se o centro das atenções e perceber que, ao ensinar, uma parte de si morre para que possa renascer mediada na intervenção do aluno”.[3]
[1] ZUIN, Antônio A. S. Adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico. Campinas-SP: Autores Associados, 2008, 118p. (Coleção: Polêmicas do nosso tempo).
[2] Este, como nota o profº. Zuin, é um “terreno extremamente fértil para a intensificação da explosiva relação entre a soberba intelectual (afinal, a universidade é considerada o reduto da produção de conhecimento) e ressentimento. Nessa “aula” ministrada pelos veteranos aos calouros, não por acaso com a conivência dos professores e da universidade, há um veterano que se faz passar por professor e humilha os novatos com bordões autoritários, tais como a ameaça de reprovação, caso o aluno se atrase para a aula. Ora, tal “professor” atualiza, ainda que de forma caricata, as mesmas reclamações que os alunos têm de seus professores durante o cotidiano universitário, dentro os quais sobressai a falta de diálogo entre os professores e os próprios alunos sobre o conteúdo da disciplina em questão”. Idem, p. 64.
[3] Idem, p.112.