O trabalho pode ser em dupla?
O trabalho pode ser em dupla: eu e meu celular? (Desligando o celular – 2ª parte)

Apesar da proibição do uso na escola, o celular ainda é central na interação dos
adolescentes com seu meio. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Os gritos e risadas que ecoam de dentro do Colégio Adventista de Cachoeirinha (CACH) podem ser ouvidos a duas quadras de distância. O ambiente barulhento, cheio de agitação e hormônios, é também o local de formação educacional de mais de 1500 alunos, que dedicam cerca de cinco horas diárias para aprendizado sem o uso de celulares ou redes sociais. Algumas destas vozes saem de dentro da sala de aula do 2° ano do Ensino Médio. Ali, os estudantes fazem de tudo: conversam, jogam, leem, dormem, desenham — mas poucos copiam a revisão da prova de Filosofia que o professor Ezequiel Macedo escreve no quadro branco.
Uma aluna, sentada no fundo da sala, pergunta ao professor o horário. “São 9:23”, Ezequiel responde de forma solícita, afinal, grande parte dos seus alunos adolescentes de 16 anos não sabem identificar as horas pelo relógio analógico pendurado na parede. “No início da implementação da Lei foi mais tranquilo, a escola conversou bastante tentando explicar, mas agora, eles estão cada vez mais agitados”, diz Ezequiel. A manhã ainda não estava na metade e os alunos já se comportavam de forma barulhenta, ansiosos pelo sinal que tocaria no último período avisando-os que é hora de voltar ao mundo hiperconectado.

A caixa onde ficam guardados os aparelhos eletrônicos dos alunos do 2º ano do
ensino médio. Foto: Larissa Schöntag
Alguns gritavam e apontavam “olhem a caixa, não tem nada lá”, referindo-se ao pequeno armário de madeira bege pendurado no canto direito da parede da sala, onde, em teoria, ficam guardados os celulares dos alunos. A instalação foi feita em 2023, por meio do acordo estabelecido entre a direção da escola e os pais, como uma tentativa de evitar o uso dos aparelhos que causavam a dispersão dos estudantes durante as aulas. Em janeiro de 2025, a prática virou norma oficial para cumprir a Lei 15.100, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que visa limitar o uso de celulares nos ambientes escolares do Brasil. No CACH, o que antes era uma proibição somente nos horários de aula, agora com a Lei, passa a valer também nos intervalos.
Com o aumento da agitação, Ezequiel tenta de todas as formas atender às demandas que lhe chegavam, tendo que conciliar a escrita da revisão, o atendimento aos alunos e as respostas às perguntas que lhe eram feitas sobre a Lei. Neste momento, o professor é atingido na cabeça, de forma proposital, por uma pequena bola de papel. O incidente fez com que a sala, antes barulhenta, ficasse em um absoluto silêncio. Constrangido com a situação, ele repreende o responsável, e a calmaria é interrompida pelas conversas paralelas que retornam segundos depois, como se nada tivesse acontecido.

Mais de 300 mil estudantes estão matriculados na rede privada do Rio Grande do Sul, abrangendo a pré-escola, o ensino fundamental e o ensino médio. Arte: Larissa Schöntag
Uma pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que 12,5% dos professores ouvidos no país dizem ser vítimas de agressões verbais ou intimidação dos alunos pelo menos uma vez na semana.
A sobrecarga e a agressividade também está afetando a relação com os pais dos estudantes, “eles estão desesperados”, confessa Ezequiel. “Já passei por situações em que pais exigiram ver a resposta de uma questão e pediram para que eu mostrasse no livro, às vezes, chegam a xingar nos grupos de WhatsApp”. Com o acesso à tecnologia virando parte do cotidiano dos jovens cada vez mais cedo, os limites perante o comportamento em sala de aula estão se estreitando e se tornando um problema que afeta a todos que frequentam o ambiente. O professor de Filosofia acredita que a situação se agravou no período da pandemia, quando crianças e adolescentes foram submetidos ao ensino remoto e também ao uso excessivo de aparelhos eletrônicos.
O relógio marca 10h05, e os ânimos seguem à flor da pele após o recreio. Um jovem com aparelho dental sentado na última fileira de carteiras chama a atenção. Seu nome é Leonardo, de 16 anos. No início, aparentava ser tímido, mas ao começar a contar sua relação com os estudos, seu discurso sai com sinceridade, refletindo sobre como sua vida mudou em 2020, tendo apenas 11 anos. “Para mim, tudo foi ladeira abaixo na pandemia. Antes, eu só tirava nota alta, estudava, mas, depois da Covid, passava o dia jogando no celular e no videogame”.
Uso abusivo do celular e outras telas no período de confinamento
Leonardo é o reflexo de como o confinamento foi o intensificador do vício nas telas e nas dificuldades de aprendizado para estudantes. De acordo com a pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Escolas Brasileiras de 2023 (TIC Educação), em 2014, cerca de 61% dos alunos com mais de 10 anos já eram usuários ativos na internet, e em 2023 esse número subiu para 84%. Para especialistas da infância e da juventude, esses estímulos precoces das tecnologias seriam uma das causas do aumento de transtornos mentais, dificuldades de interação social e de concentração. Sobre a proibição do uso dos telefones, o jovem que sonha em cursar Direito até concorda, mas argumenta que só traz vantagens para quem consegue se concentrar na aula. “Eu não presto atenção com ou sem o celular, então não faz diferença”, diz.
A Organização Não Governamental Todos pela Educação publicou um estudo em abril de 2025 procurando entender como está a qualidade da aprendizagem da educação básica no Brasil pós-pandemia. Comparando os anos de 2023 com 2019, a análise revelou um declínio considerável no desempenho dos alunos do Ensino Médio. A brusca queda de desempenho nas matérias importantes da matriz curricular não foram os únicos sintomas pandêmicos. A formação também teve reflexo: segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) apenas 9% das pessoas que estão matriculadas nos últimos anos do período colegial são proficientes, ou seja, possuem um alto nível de competência em leitura, escrita e cálculo.

A pesquisa da ONG Todos pela Educação revela que a média de rendimento escolar no Ensino Médio na disciplina de Português caiu de 33,5% para 32,4% e matemática de 6,9% para 5,2%. Fonte: Todos Pela Educação
Respeitável público, a matéria está no quadro
Nas disciplinas que compõem a matriz curricular dos alunos do 2° ano do Ensino Médio do CACH, está o Projeto de Vida, ministrado pela docente Karen Becerra, a qual leciona do 6° ano do Fundamental ao 3° ano do Médio. Entre os discentes das mais variadas idades e anos escolares, os alunos dos anos finais foram os que mais mostraram aversão à Lei de restrição aos aparelhos eletrônicos. A ansiedade e aflição estiveram presentes nos primeiros meses de aplicação do dispositivo. Em uma das aulas da 2MA, a relação de dependência ultrapassou as barreiras e a abstinência começou a dar as caras. O aluno agoniado por estar tanto tempo desconectado diz: “O telefone é o meu bebê, sora, ele precisa de mim”, suplica. Restando poucos minutos para o final do período, as exigências desesperadas pelo aparelho eram ouvidas atenciosamente pela professora, que respondia com muita calma: “Não, meu amor, espera aí, faltam cinco minutos”.
Para Karen, com o passar do tempo, o uso do celular vai dando lugar para outras atividades que já não pareciam mais fazer parte do cotidiano dos alunos no colégio. Ela recorda que, na primeira semana do ano letivo, ao entrar para dar aula para o terceirão, se deparou com uma cena inusitada: os educandos estavam rindo e se divertindo jogando Stop. “Era tão triste entrar numa sala onde havia silêncio. Mas era porque todo mundo estava olhando para o celular”, relembra. Além da ausência de ruído, o telefone atrapalhava os momentos de instrução no quadro. A competição pela atenção deles chegou a ficar tão acirrada que sentia que mesmo preparando a melhor aula, ainda assim, não era suficiente. “Às vezes tinha que inventar coisas atrativas para conseguir chamar a atenção dos alunos dentro de sala de aula, a gente virou palhaço, a gente virou tudo”, desabafa Becerra.

Alunos do 2º ano do ensino médio durante a revisão de Filosofia do professor
Ezequiel. Foto: Larissa Schöntag
Educação crítica, o celular e as famílias
O mestre, doutor e pesquisador em Educação, e professor de Filosofia do Ensino Superior, Gabriel Grabowski, explica que a falta da garantia da educação crítica do governo, da sociedade e da família conforme assegurada no Artigo 205 da Constituição Brasileira, resulta ao uso disperso da tecnologia e à leitura superficial de temas críticos para a sociedade. O pesquisador alerta que para a geração de nativos digitais a lei de proibição dos aparelhos tecnológicos se mostra insuficiente, já que a tecnologia por si só causa grande sedução e como consequência resulta em escassez de foco. Portanto, seriam necessários outros mecanismos para fazer uma relação mais saudável com a inovação tecnológica. “Precisamos criar estratégias para reduzir a intensidade do uso e propor outras atividades”, completa.
No Adventista, Becerra avalia que a adesão da lei atualmente tem dado resultados favoráveis e não esconde o êxito por parte dos professores. Entretanto, pontua que as conversas paralelas têm aumentado consideravelmente. “Na parte da comunicação, a gente melhorou muito, tanto que a gente agora precisa colocar limites”, diz. Grabowski avalia que a sociedade está cada vez mais solitária, dessa forma, a interação no ambiente escolar é vista de forma positiva pelo educador, e ainda confirma que o professor tem um papel de reforçar ainda mais a intercomunicação dos alunos.
Além da conversação exacerbada, durante os períodos, a ansiedade sai de cena para que as olheiras e os bocejos comecem a se tornar frequentes nas salas de aula. As horas de sono estão sendo alteradas, a fim de recuperar o tempo que não está sendo usado com o aparelho eletrônico durante o dia. Em troca, o cansaço dos alunos reverbera nas notas em atividades avaliativas e nos boletins.
– Sora, eu durmo 4 horas — diz o aluno.
– Mas meu amor, agora tá explicado o porquê das suas notas — ironiza a professora.
De acordo com o artigo da National Library of Medicine, a expressão em Inglês chamada de “Fear of Missing Out” (FOMO) é traduzida no Português como “medo de ficar de fora”, na qual se caracteriza como a sensação de estar perdendo algo. A pesquisa expressa sobre o apego problemático nas redes sociais e associações de experiências e sentimentos negativos com a vida, essa situação torna-se ainda mais agravante. A professora estimula para que os adolescentes tentem se desconectar antes de dormir. “Dentro de casa eles precisam ter uma rotina, horário de dormir e acordar”, diz.
Nesse contexto, Grabowski relembra que o papel dos pais é necessário para a dinâmica de funcionamento em âmbito escolar e que eles têm se mostrado contentes com a redução de aparelhos tecnológicos em colégios. Além disso, a professora Karen Becerra recapitula sobre a importância do trabalho coletivo. “Nós somos uma equipe. Pais, professores e alunos, a gente precisa trabalhar junto”, acrescenta.
Segundo a Resolução nº 2/2025 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, publicada em março de 2025, as escolas e redes de ensino devem promover palestras e encontros com pais e responsáveis para orientá-los sobre como acompanhar o bem-estar emocional dos filhos. O texto também recomenda o fornecimento de materiais educativos voltados ao uso saudável das tecnologias e autoriza a criação de contratos pedagógicos ou outras formas de pacto entre a escola e as famílias, como forma de envolver toda a comunidade escolar nesse processo.
A psicóloga de Nova Petrópolis Karin Michaelsen orienta sobre a importância do Guia de Planejamento da Adoção de Dispositivos Tecnológicos nas Escolas: “O adolescente precisa ser ouvido e necessita ser incluído na negociação quanto ao uso e regras de uso do celular. Porque, assim, as telas são uma ferramenta e hoje não tem mais como a gente excluir isso da nossa vida. Tem que dar um sentido”. A primeira edição publicada pelo Ministério da Educação, em janeiro deste ano, explica que o uso de dispositivos tecnológicos na aprendizagem requer uma estratégia que considere as necessidades educacionais específicas e a intencionalidade pedagógica. A tecnologia deve ser vista como um meio para potencializar os processos de ensino, de aprendizagem e promover a inclusão digital — e não como um fim em si mesma.
Em meio a uma especialização da profissão, em 2018, a psicóloga se mostrou contra o controle parental dos celulares de crianças e adolescentes, contudo, diante do seu amadurecimento profissional, suas ressalvas diminuíram. “Penso que no mundo ideal a gente deveria ensinar os alunos a usarem o celular e não proibir. Mas no mundo ideal, né? O Estado precisa intervir através da Lei porque a autoridade parental já se foi embora”, reflete.
Surgido em 2017 pela empresa americana Google, o Family Link veio como uma solução para a necessidade de proteger menores de idade de conteúdos impróprios, monitorar a localização e controlar o uso de telas.

Com mais de 100 milhões de downloads na Google Play Store, o aplicativo Family Link, do Google, se tornou uma das principais ferramentas de controle parental nos últimos
cinco anos, segundo estimativas do site AndroidRank. Fonte: Google
Atuando na profissão em uma clínica particular, Michaelsen relata que grande parte de seu público-alvo está perdendo a fase de transição para a vida adulta por causa dos aparelhos tecnológicos e que muitas reclamações partem do mesmo princípio: a proibição do uso dos smartphones em sala de aula.
Durante a conversa, Karin se mantém firme em um pensamento: a culpa da situação estar fora de controle é dos pais, que não limitam e nem educam de forma positiva o uso da tecnologia, especialmente quando introduzem aquele pequeno aparelho “touch” entre a primeira e a terceira infância, ou seja, do nascimento até os 11 anos. É nessa fase que o lobo frontal do ser humano começa a se desenvolver, processo que só se completa aos 25 anos.
O mau exemplo dentro de casa também é um dos fatores. Uma das maiores reclamações que a psicóloga recebe é de que “os meus pais também não saem do celular” e, como a graduada em Psicologia afirma, os filhos são apenas o reflexo dos pais. “A função parental está muito falha, porque, na verdade, o celular está na mão de crianças e adolescentes porque os pais compraram”, diz demonstrando decepção com o nível que a situação alcançou.
Animais da “fortuna”
Os tigres não vivem mais apenas nas florestas e savanas, agora, eles moram na casa de vários brasileiros. A sedução de ganhar dinheiro e a ilusão de mudar de vida tranquilamente do conforto de casa é a porta de entrada para o vício nos jogos de aposta online. Eles estão cada vez mais presentes no dia a dia dos jovens, estampados nas camisas dos times de futebol, nos stories daquele influenciador favorito, nos anúncios da TV e até na traseira dos ônibus e transportes públicos. Entre porcos e touros, um dos pacientes da psicóloga Karin foi presa fácil. Além de estar completamente viciado no conteúdo oferecido pelo celular, perdeu todo o dinheiro em jogos de azar. E isso não é um caso isolado. Ezequiel conta que, até 2024, era comum ver meninos jogando no tigrinho durante as aulas. Enquanto isso, as meninas aproveitavam o tempo de estudo para comprar acessórios na plataforma de vendas Shopee. “Nós pedíamos uma pesquisa, e eles abriam várias abas no navegador, fingindo que estavam estudando”, relata o educador.
Mas, apesar das controvérsias, Ezequiel comemora que os pais apoiaram a Lei. Ele explica que, antes mesmo de ser sancionada, as famílias do Colégio Adventista de Cachoeirinha assinaram um termo que autorizava a instituição a reter o celular. “Com a Lei, tudo ficou mais claro. Os pais ficaram aliviados”, diz. O docente enfatiza que não se trata de proibir a tecnologia, mas sim de incentivar o uso consciente, e cita como exemplo os Chromebooks disponibilizados pela escola para pesquisas acadêmicas.

Sala de aula do 2º ano do E.M. durante o intervalo dos estudantes.
Foto: Larissa Schöntag
(Des)conectados
Antes da entrevista começar, Isadora senta-se ao lado da mãe, Anelise. Entre as duas, o silêncio não é ausência de palavras, mas presença de entendimento. Um olhar basta. “Você quer responder?”, pergunta a filha, aluna do terceiro ano do Ensino Médio. O gesto de ceder a vez traduz respeito e, acima disso, parceria. Isa quer cursar Fisioterapia e brinca que a mãe será sua paciente vitalícia. Talvez seja retribuição ao apoio que recebeu ao longo da vida escolar. Um aprendizado que atravessa os muros da escola, e que se fortaleceu ainda mais na pandemia de 2020, quando os pais tornaram-se tutores do cotidiano escolar da filha, improvisados.
Na era do digital, onde tudo se resolve por um clique, o contato entre pais e filhos no ambiente escolar se tornou mais difícil. Antes, era fácil confirmar uma informação, reagir a uma emergência ou combinar um horário de saída. Agora, tudo passa por protocolos, aplicativos, espera. “Tem recursos que eu nem sabia que ela tinha à disposição. A Isa me contou esses tempos que existiam programas para ajudar nos estudos. Às vezes, eu vou às reuniões, mas nunca foi dito nada”, diz Anelise.

Segundo a pesquisa do Panorama, mais da metade dos pais brasileiros participam de grupos do WhatsApp compostos por responsáveis pelas crianças da turma dos seus filhos. O auge é quando o filho tem entre 7 e 9 anos: 82% dos responsáveis participam. Na adolescência, a proporção dos pais cai para 67%. Fonte: Panorama
Gabriel tem 17 anos, estuda no mesmo colégio desde a Educação Infantil e também precisou reaprender a se comunicar com os pais dentro dessa nova lógica. Diferente de Isa, ele não usa muito o celular. “Nunca fui apegado”, tranquilo diz utilizar o telefone para checar notificações ou jogar Clash Royale. Mas que, quando precisou conversar com o pai sobre um mal-estar, não teve alternativa. Ele vai à coordenadoria e pede para contatar o pai, de lá, prontamente a atendente realiza a ligação feita em viva-voz. “A comunicação hoje é muito difícil. É tudo intermediado e não tem privacidade”, relata.
Gabriel carrega uma rotina puxada. Ele estuda pela manhã e, no contraturno, trabalha com carteira assinada em uma empresa do Distrito Industrial, como assessor jurídico. Com orgulho, destaca que não é menor aprendiz, já está efetivado. Planeja seguir no mercado de trabalho após o colégio, sem planos imediatos de faculdade. Assim como Isa, ele sentiu os impactos da pandemia na aprendizagem. Passou o 6º ano todo em casa e parte do 7º em ensino híbrido: “Foi difícil. Quando voltaram para o presencial, seguiram o conteúdo direto. Fizeram algumas revisões, mas nem sempre dava tempo de entender tudo”, conta.
Apesar de reconhecer que o uso excessivo do celular pode atrapalhar, ele observa mudanças no comportamento da turma com a nova proibição. “Depois que tiraram o celular, o pessoal ficou mais agitado. Parece que o tempo custa a passar”. Ainda assim, mantém uma boa relação com os professores e acredita que o desrespeito que já viu em sala de aula vem, muitas vezes, do estresse, não da intenção de ofender.
A Lei que proibiu o uso dos celulares em sala de aula deu o que falar, no primeiro trimestre do ano foram mais de 155 mil movimentações nas redes sociais sobre o assunto, de acordo com a análise feita pela empresa de tecnologia Timelens. Antes mesmo da aprovação da Lei, o tema já era debatido, diversas pesquisas de termômetro foram realizadas para medir o nível de aprovação da população, de pais e professores. Mas nas redes sociais, no habitat natural dos adolescentes nativos digitais, as opiniões se dividiram, apontando seus benefícios e falhas.

De volta à revisão de filosofia, um dos alunos de Ezequiel brinca ao descobrir o motivo da entrevista. “Preciso mexer no meu Instagram, ver uns cinco posts rapidinhos, tô com abstinência”, ele diz imitando os trejeitos de uma pessoa viciada em drogas. Faltando poucos minutos para começar o último período da aula, Leonardo já está com sua mochila fechada em cima da mesa, o caderno e as canetas ficam ali guardados durante toda a revisão do professor. Na opinião dele, as regras começaram a ficar mais frouxas, os professores não cobram tanto quanto o início, então os alunos começam a ficar criando táticas para mexer no aparelho; vão ao banheiro passear, escondem embaixo da mesa e dentro da mochila. “Mas se te pegam com o celular, vai direto para a coordenadoria, e só quem pode retirar é o pai, aí a gente está ferrado”, explicou. Ele também não é fã de deixar o celular na caixa, prefere esconder na mochila, assim consegue conferir mensagens e até ver uns vídeos no TikTok. Quando perguntado sobre a opinião dos pais, de forma descontraída responde que são favoráveis, pois sua mãe acha que ele aprenderá mais.
O relógio marca 12:30, o último sinal da manhã ressoa e Ezequiel dispensa os alunos. Semana que vem, Isa, Gabriel e Leonardo terão prova de Filosofia. Eles não se conhecem, mas vivem realidades próximas, com olhares complementares sobre o mesmo cenário. Cresceram em um mundo conectado, acostumados com a agilidade da comunicação digital. Agora, enfrentam o desafio de se adaptar e equilibrar o uso consciente da tecnologia. A escola cumpre seu papel pedagógico, no esforço de proteger o foco sem perder os laços.
Apesar dos percalços, a Lei seguirá nos próximos meses regulamentando a vida de jovens hiperconectados, que já nasceram tocando as telas antes mesmo de aprender a escrever. Na saída do colégio, nos pontos de ônibus, em qualquer canto, adolescentes andam magnetizados com seus telefones nas mãos, restando somente uma questão: a diretriz jurídica é suficiente?
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O que a tela não ensina (Desligando o celular – 1ªparte)
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Reportagem produzida por estudantes na Unidade Curricular Dual Laboratório de Produtos Jornalísticos do curso de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis (Uniritter), com a orientação dos professores Ana Acker e Roberto Belmonte.
Esta é a segunda de uma série de quatro intitulada “DESLIGANDO O CELULAR”, sobre o cotidiano da comunidade escolar após a proibição dos aparelhos nas escolas e foram realizadas no primeiro semestre de 2025. O Extra Classe e a Uniritter firmaram Termo de Cooperação no início de 2025, para a veiculação no jornal de reportagens produzidas pelos estudantes com acompanhamento final e publicação pela equipe do EC sob responsabilidade do editor executivo César Fraga e da editora-chefe Valéria Ochôa.
FONTE: