O tumor Bolsonaro
De novo, o tumor Bolsonaro
Cristina Serra
A morte a tiros do guarda municipal Marcelo de Arruda, em Foz do Iguaçu, evidencia o quanto a violência associada à campanha eleitoral já está disseminada e tende a piorar. Mas o assassinato do militante petista pelo bolsonarista Jorge José Guaranho não é o primeiro ato de violência política neste Brasil inoculado pelo vírus da brutalidade.
É preciso recuar no tempo. O marco zero do ciclo de barbárie é 14 de março de 2018, com o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, quando o Rio de Janeiro estava, havia um mês, submetido à intervenção federal na segurança pública, algo inédito desde a Constituição de 1988.
A operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) fora decretada por Michel Temer, diante do que considerou o colapso das polícias no Rio. Temer nomeou como interventor o então comandante Militar do Leste, Braga Netto. Como se sabe, a GLO não resolveu o problema da criminalidade no Rio (que surpresa!). Bolsonaro foi eleito, Braga Netto tornou-se seu ministro e agora pode ser o vice na chapa do chefe. Até hoje, não se sabe quem mandou matar Marielle.
Outro momento de paroxismo de violência em 2018 foi a facada em Bolsonaro. Nem o fato de ter sido vítima de um atentado arrefeceu sua retórica do ódio, reiterada ao longo da campanha (“vamos fuzilar a petralhada”, “vai tudo vocês pra ponta da praia” etc) e potencializada por meio de ações concretas de seu governo.
A inundação de armas na sociedade, a multiplicação dos clubes de tiro, o salvo-conduto para milícias, as operações policiais que afrontam o STF e promovem banhos de sangue em bairros pobres incorporam a selvageria no cotidiano e nos trazem até aqui.
Em agosto de 2020, escrevi que Bolsonaro foi assimilado pelas instituições e pela imprensa como ator político natural da democracia assim como um corpo doente se acostuma a hospedar um tumor. Eis aonde chegamos. Agora, o tumor está perto, muito perto, de explodir.
(publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 12/07/2022)
https://cristinaserra.org/de-novo-o-tumor-bolsonaro/
A república dos cafajestes
No campeonato de cafajestice deste governo, Bolsonaro é hors concours. É tão superior aos demais competidores, paira tão acima em patifarias e vilezas, que não pode participar da disputa. É o cafajeste-geral da república.
Vamos, pois, aos aspirantes com maiores chances. Um ano atrás, escrevi que nesta república acanalhada seria muito difícil superar Paulo Guedes. Pelo conjunto da obra, claro, mas especificamente pela maneira como conduzia a negociação de medidas para combater o impacto da pandemia sobre os mais pobres. Era na base da chantagem explícita.
Eis que aparece mais um forte concorrente ao título de cafajeste-mor. Trata-se de Pedro Guimarães, derrubado da presidência da Caixa por assédio sexual. Os relatos das mulheres assediadas traçam o retrato de um abusador. Também surgem denúncias de assédio moral contra um conjunto ainda maior de funcionários.
Guimarães não é um bolsonarista qualquer. Em novembro de 2018, na fase de montagem do governo, a jornalista Júlia Duailibe, em seu blog no G1, revelou quem é o sujeito. Ela contou que, em 2017, Guimarães, na época sócio de um banco privado, levara Bolsonaro para um giro com investidores, nos Estados Unidos. Quando pouca gente apostava em um deputado medíocre, o banqueiro comprou a ação na baixa e soube a hora de realizar os lucros.
Importante saber também que Guimarães é genro de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, cuja delação premiada, em 2017, fora crucial para a condenação de Lula na Lava Jato. Em 2021, Pinheiro recuou das acusações, quando Lula já havia cumprido pena. Libertado e inocentado pelo STF, o petista está à frente na corrida presidencial. O mundo dá voltas.
As denúncias de agora indicam que o assédio na Caixa era antigo e disseminado. Um criminoso não age impunemente, por tanto tempo, sem acobertamento e sem cúmplices. Na república dos cafajestes, não se ouviu uma única palavra de condenação clara e contundente ao comportamento do assediador serial.