Orçamento apertado na Educação
Na educação, Lula enfrentará orçamento apertado, prejuízos da pandemia e universidades à beira do colapso
Novo governo promete aumentar investimentos, com foco em expandir o turno integral
19/12/2022
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, assumirá em 1º de janeiro seu terceiro mandato com desafios na educação: a aprendizagem dos brasileiros piorou na pandemia, universidades estão à beira do colapso, políticas da área precisam de mais verba, mas o orçamento público está apertado.
Se as gestões anteriores de Lula foram marcadas por investimento em novas universidades e institutos federais no Interior do Brasil, além de bolsas no Ensino Superior privado, o teto de gastos deve trazer amarras. Os últimos bloqueios orçamentários impostos pelo Ministério da Economia de Jair Bolsonaro atingiram em cheio diversas autarquias federais – universidades sequer têm dinheiro para pagar contas de água e luz, enquanto centenas de bolsistas de mestrado e doutorado seguem com salários atrasados.
— A recomposição orçamentária é ponto de partida. Sem isso, tudo é só projeto, porque esbarramos nos cortes. Há gastos esperados no ano que vem para saldar compromissos deste ano. A questão da alimentação escolar é caso clássico de subfinanciamento, porque a inflação corrói os valores enviados pela União, mas Estados não podem deixar de dar comida, que é caríssima — diz o presidente do Conselho dos Secretários Estaduais da Educação (Consed) e secretário do Espírito Santo, Vitor de Angelo.
O orçamento do Ministério da Educação (MEC) previsto para o ano que vem, enviado pelo governo Bolsonaro para aprovação do Congresso, é de R$ 137,1 milhões, um pouco acima dos últimos dois anos, mas abaixo do destinado nas gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop) do governo federal.
O teto de gastos, que limita os investimentos públicos ao crescimento da inflação, foi aprovado na gestão Temer. Todavia, já foi furado em diversas oportunidades e precisa ser discutido na próxima gestão, defende a vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e professora de Política e Gestão da Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Nalú Farenzena.
— Do ponto de vista do financiamento da educação básica, o governo federal precisa financiar a rede pública federal. O segundo dever é prestar assistências técnica e financeira a Estados e municípios. Só que é preciso combinar responsabilidade social com responsabilidade fiscal. Quando a responsabilidade fiscal sobrepõe todo o espectro de políticas sociais, isso é inclusive obsoleto. O pacto federativo não supõe que todos os encargos de políticas sociais, com exceção da Previdência, recaiam sobre Estados e municípios — diz Nalú Farenzena.
PEC
Caso seja aprovada no Congresso, a PEC da Transição deve acrescentar mais R$ 12 bilhões na Educação, destacou o futuro vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em coletiva de imprensa na quinta-feira (15). Em compromisso para a educação firmado com governadores, Alckmin destacou que Lula quer focar na educação básica e investir em expandir turno integral. Ainda citou a necessidade de erradicar o analfabetismo e universalizar creches.
Expandir o turno integral no Ensino Fundamental e Médio é importante para melhorar a qualidade do ensino e, neste momento, reforçar os conteúdos que não foram aprendidos durante a tentativa de aulas remotas da pandemia. No Brasil, só 12,4% dos alunos do Médio têm aulas em dois turnos – no Rio Grande do Sul, apenas 2,6%, segundo dados levantados pela ONG Todos pela Educação.
Alckmin ainda afirmou a importância de reforçar duas políticas públicas importantes: o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), que ajuda Estados e prefeituras a pagarem merenda, e o Programa Nacional do Transporte Escolar (PNAT), focado nos ônibus para estudantes. O futuro vice-presidente citou ser inadmissível o governo destinar R$ 0,36 por aluno para Estados e municípios pagarem alimentação estudantil – o valor sequer custeia um copo de leite. Para a população mais empobrecida, é a única refeição com carne do dia.
— Se conseguirmos ampliar creches, ajudar prefeituras e zerar a falta de vaga para crianças de quatro a cinco anos, daremos um salto espetacular. No Ensino Fundamental, tem a questão da merenda escolar. Não é possível R$ 0,36 por refeição. Há necessidade de corrigir esses valores, e a alimentação é prioritária, como também o transporte. Temos município brasileiro maior que países, o transporte escolar é importante. A escola de tempo integral, o presidente Lula tem avisado que vai priorizar a ampliação. Tem estudos mostrando que o aluno no segundo ciclo do Fundamental ou no Médio, quando se aumenta o turno integral, reduz o homicídio, se o jovem fica mais tempo na escola — afirmou Alckmin.
Metas
- Outras medidas importantes a serem tratadas pelo MEC
- Implementar o Sistema Nacional de Educação, o SUS da área
- Aumentar o valor de bolsas de mestrado (R$ 1,5 mil) e doutorado (R$ 2,2 mil), sem ajuste há nove anos
- Promover a inclusão digital de estudantes brasileiros
- Criar programas que ajudem Estados e municípios a fortalecer a carreira de professor
- Organizar o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), hoje com atraso
- Orientar Estados na aplicação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e no novo Ensino Médio
"Precisamos de recursos para creches", diz presidente da Famurs
No Rio Grande do Sul, 42% das crianças de zero a três anos tinham acesso à creche em 2019, taxa superior à média nacional (38%), segundo dados da ONG Todos pela Educação. Prefeituras sabem da importância de universalizar creches, mas o alto custo de aumentar vagas dificulta a expansão sem ajuda do MEC, alerta Paulinho Salerno, presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs).
— Municípios têm a responsabilidade das vagas em creches, mas precisaremos de recursos. Hoje, o custo-aluno para uma creche em apenas um turno é de R$ 1,2 mil, mas só recebemos R$ 600. Há também a questão do transporte escolar, precisamos de renovação de frota e de reajuste no valor enviado por aluno. O transporte é fundamental para alunos que não são da área urbana das cidades e que precisam de transporte para se deslocar até a escola rural — diz o presidente da Famurs.
Após atritos entre o MEC na gestão de Jair Bolsonaro com governadores e prefeitos, será necessário unir esforços para resolver o fosso das desigualdades entre alunos de escolas públicas e privadas aprofundado pela pandemia, diz Priscila Cruz, presidente da ONG Todos pela Educação.
— A questão mais urgente é recompor o orçamento. Depois, tem a agenda dos cem primeiros dias. Precisa reconstruir a relação entre União, Estados e municípios, porque vivemos quatro anos de um governo federal que foi hostil com entes subnacionais. E há outras questões: havia na gestão PT e Michel Temer um programa de fomento para expansão da educação integral, que minguou nos últimos quatro anos até desaparecer. Precisa ter apoio financeiro e técnico para esse tempo a mais que o aluno estudará para recuperar a aprendizagem que não teve nos anos anteriores — diz Cruz.
"Vivo à base de arroz, feijão, banana e salsicha", revela bolsista
Hoje com menos verbas, universidades e institutos federais atrasam contas e estudantes ficam sem pagamento de bolsas. O cenário afeta a vida de bolsistas que são pagos com orçamento das universidades. Na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), cerca de cem estudantes estão com salário atrasado desde a primeira semana de dezembro, após o MEC limpar o caixa das instituições federais.
Os valores foram garantidos para quem recebe pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mas não por quem é pago com dinheiro próprio da universidade. Um dos atingidos é o curitibano Felipe de Gouveia, de 24 anos, aluno do mestrado em Biociências da UFCSPA. Ele estuda uma enzima digestiva para melhorar a saúde de animais de corte, o que pode aumentar a qualidade da carne e evitar perdas a produtores. Com bolsa de R$ 1,5 mil mensais, o jovem paga quarto em pensionato, alimentação e transporte.
Além de ser baixo, o valor não foi depositado no quinto dia útil de dezembro, devido aos bloqueios do Ministério da Economia. Com o atraso e o vencimento das faturas de aluguel e cartão de crédito quase vencendo, Felipe foi salvo por um gesto de compaixão de sua orientadora de pesquisa, que emprestou R$ 1,2 mil a seu pupilo.
— O Felipe se manteve na graduação com bastante dificuldade e hoje se mantém basicamente com a bolsa. Depositei o valor da bolsa porque ele tem de pagar aluguel, ele tem de comer. Tenho bastante preocupação com ele. O Felipe está no laboratório trabalhando, conheço ele há cinco anos e ele mais do que merece. Ele não está estudando, está desenvolvendo pesquisa relevante — diz a professora de Farmacociências Tanira Aguirre.
Felipe, que é químico medicinal, economiza onde pode. Ele não come como gostaria.
— Vivo à base de arroz, feijão, banana e salsicha. Consigo dar uma improvisada de vez em quando. Às vezes, nem verdura dá pra comprar, de tão caras que as coisas estão. Lazer é basicamente zero, só quando é de graça na casa de amigo. Carne nunca nem vi. Até gosto de salsicha, mas faz mal pra saúde, sei que não deveria depender disso. Vou para as aulas a pé, senão seria R$ 10 por dia — resume o jovem.
Cofres raspados nas universidades, segundo reitores
Após bloqueios de verba no fim deste ano, as universidades federais, onde 90% da ciência brasileira é produzida, estão com cofres raspados, segundo reitores. Em 2022, o orçamento previsto para as universidades federais, antes dos bloqueios, era de R$ 5,2 bilhões, cerca de meio bilhão a menos do que no ano anterior, segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) corrigidos pela inflação.
As universidades federais perderam mais de 50% do valor do nosso orçamento de 2016 para cá. Nosso orçamento hoje é metade do que era 7 anos atrás. Isso inviabiliza o funcionamento das instituições, que precisam ser resgatadas.
RICARDO MARCELO FONSECA/ Presidente da Andifes
O menor repasse atrasa a inauguração de um laboratório de alto nível de biossegurança no Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O local está em construção para pesquisas com vírus e bactérias em animais vivos, o que ajudará a desenvolver novos remédios e vacinas. O atraso traz impactos concretos, como atrapalhar pesquisas científicas.
Uma delas é um estudo de Carlos Alexandre Netto, professor dos Programas de Pós-Graduação em Neurociências, Bioquímica e Fisiologia, sobre covid longa – quando indivíduos se recuperam da infecção pelo vírus, mas seguem com sequelas, como problemas de memória, equilíbrio, olfato e paladar. O estudo previa infectar ratinhos com covid-19 e identificar o efeito no cérebro, mas, sem o laboratório, Netto mudou a análise.
— Precisamos de um laboratório de biossegurança. Tínhamos a perspectiva de que o ICBS teria o laboratório montado até fim do ano passado, depois metade desse ano. Tivemos que mudar a pesquisa e trabalhar com cultura de células nervosas, já que não podemos usar o vírus, que é material infectante. Faz muita diferença. Quando trabalho com as partes de um sistema, não enxergo o efeito global daquilo no indivíduo. É que nem desmontar um carro e trabalhar só para a parte elétrica: o carro pode continuar sem funcionar porque o problema está na interface entre o elétrico e o mecânico. Ninguém sabe direito por que a resposta inflamatória da covid continua nem quais células estão envolvidas. É isso que nosso projeto, quando puder ser realizado, tentará verificar em animais — afirma o pesquisador.
Presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca diz que as universidades entrarão 2023 com contas deste ano em aberto e que a recomposição de verbas é urgente. Lembra, ainda, que Japão, Coreia do Sul e outros países investiram em ciência e tecnologia para vencer crises econômicas.
— As universidades federais perderam mais de 50% do valor do nosso orçamento de 2016 para cá. Nosso orçamento hoje é metade do que era 7 anos atrás. Isso inviabiliza o funcionamento das instituições, que precisam ser resgatadas. Foram sendo sucateadas por maus-tratos orçamentários contínuos, forma cruel e lenta de esmagar as instituições. Orçamento é pré-condição para não ter evasão, com bolsas assistenciais para os mais pobres, porque, desde a lei de cotas, as federais não são mais instituições de elite. Nesses últimos anos, a população empobreceu. Queremos nos envolver, com nossos cérebros e nossa capacidade de reflexão, para ajudar o Brasil — diz Fonseca, em tom de apelo.
Posicionamentos
O que diz o Ministério da Economia
Desde 30 de novembro, quando cortou R$ 5,72 bilhões nos gastos do governo federal, a pasta vem dizendo que o objetivo é cumprir o teto de gastos neste fim de ano. E argumenta que as despesas cresceram além do esperado em 2022, em especial na Previdência Social. “Para cumprir o dispositivo constitucional do teto, o Ministério da Economia foi obrigado a promover bloqueio adicional nos limites orçamentários e financeiros de todos os ministérios. Com isso, despesas importantes que seriam realizadas neste ano ou no começo de 2023 não poderão mais ser empenhadas e praticamente todas as despesas discricionárias que seriam pagas em dezembro estão suspensas”, informou o ministério chefiado por Paulo Guedes, no fim de novembro.
O que diz a Capes
Sobre o pagamento de bolsas, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) informou neste mês que “defenderá sempre a regularização dos pagamentos devidos aos alunos e pesquisadores”.