Ordem mundial do petróleo

Ordem mundial do petróleo

A NOVA ORDEM MUNDIAL DO PETRÓLEO

por José Luís Fiori

Nas duas últimas décadas do século passado, a Guerra Irã-Iraque, entre 1980 e 1988, a Guerra do Golfo, entre 1990 e 1991, e o fim da URSS, em 1991, atingiram em cheio alguns dos maiores produtores e exportadores mundiais de petróleo, dividindo e enfraquecendo a OPEP, e destruindo a capacidade de produção russa. Foi um período de anarquia no mercado mundial de petróleo, e ocorreu no mesmo momento em que as grandes corporações petroleiras privadas promoveram uma grande desconcentração e "desverticalização" do seu capital e de suas estratégias, enquanto o petróleo era transformado num "ativo financeiro" cujo preço era renegociado diariamente nas Bolsas de Nova York e Londres. Entretanto, no final dos anos 90 e início do século XXI, esta tendência foi revertida de forma abrupta e radical. E tudo começou, surpreendentemente, pelas próprias petroleiras privadas anglo-americanas, que comandaram - a partir de 1998 - uma nova revolução na indústria privada do petróleo, envolvendo-se num processo gigantesco de fusões de empresas que já eram as maiores do mundo, e que deram origem às atuais Exxon-Mobil, ConocoPhillips, Chevron, BP, Total, ou mesmo, à norueguesa StatoilHydro.

Esse terremoto inicial assumiu logo em seguida novas formas com a reestatização e reorganização das grandes empresas energéticas russas, chinesas e indianas, junto com a expansão das empresas estatais da Arábia Saudita e de vários outros países incluindo o Brasil, sobretudo depois da descoberta do petróleo em águas profundas, em 2006. E de um passo decisivo com as novas formas de exploração intensiva do petróleo de xisto que recolocou os EUA entre os três maiores produtores mundiais de óleo. Uma transformação tão rápida e profunda que levou o grande especialista norte-americano, Michael Klare em petróleo, a afirmar que o mundo havia entrado numa "nova ordem energética internacional", caracterizada pela hiperconcentração do capital petroleiro privado, pela multiplicação das grandes petroleiras estatais, e pela crescente hegemonia do nacionalismo econômico e do "nacionalismo energético", entre as grandes potências do sistema mundial, mesmo entre as chamadas "potências liberais", incluindo os Estados Unidos de Donald Trump, o último dos "conversos". E de fato, 20 anos depois do início desta transformação, cerca de dois terços das reservas de petróleo do mundo se concentram no território de 15 países, e em 13 deles são de propriedade estatal; das 20 maiores empresas petroleiras do mundo, 15 são estatais e controlam 80% das reservas mundiais. As outras cinco empresas são privadas e controlam menos de 15% da oferta mundial do petróleo. Por isso, tem toda razão Daniel Yergin – outro grande especialista americano – quando diz que nos dias de hoje as principais decisões relativas ao petróleo – da definição dos preços ao traçado das grandes estratégias – são tomadas pelos Estados nacionais e suas grandes empresas públicas.

É muito difícil identificar uma causa única que explique esta revolução na ordem mundial do petróleo. Mas é possível pelo menos destacar algumas turbulências fundamentais, que ocorreram simultaneamente. No plano econômico, o enorme crescimento dos países asiáticos e, em particular, da China e da Índia, que produziu um verdadeiro "choque de demanda" sobre o mercado mundial de petróleo. Por outro lado, no plano geopolítico, a guerra quase contínua no Oriente Médio, que já se prolonga desde 2001, provocando um verdadeiro "choque de expectativas" negativas no mercado mundial, com a perspectiva de uma guerra permanente envolvendo as grandes potências, e quase todos os países de dentro e fora daquela região com grandes reservas de petróleo. Por fim, como consequência destes acontecimentos intensificou a concorrência das grandes potências, e sua luta para conquistar e monopolizar os novos recursos descobertos neste período, sobretudo no Canadá, Venezuela e Brasil. Assim mesmo, olhando de maneira mais ampla, se pode dizer também que esta nova "ordem do petróleo" é de fato um produto de longo prazo da expansão do sistema interestatal capitalista, ocorrida na segunda metade do século XX. Não se trata apenas da entrada da China e da Índia; trata-se de um sistema com 200 Estados nacionais que disputam hoje um recurso absolutamente escasso, concentrado e essencial para sua sobrevivência como sociedades e economias nacionais, mas também como unidades territoriais soberanas que participam de uma luta sem quartel pelo poder e pela riqueza mundial.

Nesse contexto geopolítico, e nessa nova ordem mundial do petróleo, só uma elite inteiramente corrompida e rebaixada, do ponto de vista moral, e completamente imbecilizada, do ponto de vista intelectual, pode abrir mão do controle estatal de seus recursos energéticos nacionais já conquistados.

Julho de 2018

José Luís Fiori
Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, e do Programa de Pós-Graduação em Bioética e Ética Aplicada da UFRJ; Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPq/UFRJ, "Poder Global e Geopolítica do Capitalismo", www.poderglobal.net , e do Laboratório de "Ética e Poder Global", do PPGBIOS e consultor do GEEP-FUP.




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