Órfão do guru

Órfão do guru

Órfão do guru

  Juremir Machado da Silva
Órfão do guru
Guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho morreu aos 74 anos
| Foto: Alan Santos / Palácio do Planalto

 

Não desejo nem comemoro a morte de qualquer pessoa. Olavo de Carvalho morreu, nos Estados Unidos, aos 74 anos de idade, provavelmente de complicações da Covid-19. A extrema direita brasileira está órfã. O astrólogo, autoconvertido em filósofo, emprestou ideias (odiosas) a quem nada tinha na cabeça, salvo a vontade de odiar. Em seus cursos online formou militantes de uma seita difusa determinada a atacar moinhos de vento como o globalismo. Por muito tempo o Brasil pagará a conta dos estragos que ajudou a produzir ao empoderar a mais tosca das ideologias surgidas por aqui desde o integralismo dos “galinhas verdes” dos anos 1930: o bolsonarismo.

Olavo de Carvalho parece ter lido muito e digerido pouco. Misturava ideias de esotéricos, como o francês René Guénon, com filosofias ocidentais e orientais, nacos de Hegel, pitadas de gregos e até lembranças de seus tempos islâmicos. A sua sopa indigesta fermentou em estômagos despreparados para o consumo de ideias. Cada palavra do mestre soava-lhes reveladora, especialmente as que conseguiam entender, palavrões e condenações sumárias de tudo que não coubesse numa cartilha baseada na divisão entre bem e mal, sendo o bem uma grosseira ideia de tradição, religião e colonialismo europeu. Por mal se deveria entender o “comunismo” em suas novas e multifacetadas variantes: identitarismo, esquerdismo, petismo, LGBTQIAP+, etc.

O cozido de Olavo de Carvalho alimentou mentes vazias que precisavam encher espaços generosos, inclusive na mídia. A morte do guru coincide com o começo da decadência do movimento que ajudou a fomentar. O bolsonarismo agoniza. Não, ele não vai desaparecer tão cedo e ainda pode machucar. Parte da população brasileira, contudo, parece ter despertado. Não se pode negar que o velho Olavo de Carvalho compreendeu a lógica jovem das redes sociais: pegada, batida forte, atitude, papo reto, truculência, doses máximas de ódio em textos mínimos. Alguns dos seus seguidores o chamavam de Olavo do Caralho. O tracadalho do carilho diz quase tudo sobre o imaginário da tropa.

Negacionista de carteirinha, provocador profissional, doutor em manipulações, Olavo de Carvalho chegou a dizer que ninguém havia morrido de Covid no mundo e que tudo não passava de conspiração dos comunistas. Vomitou frases, postadas no Twitter, que exigem colaboração internacional de especialistas para que algum sentido emane: “O Brasil é formalmente uma democracia capitalista, governada substancialmente por uma ditadura comunista”. É possível que fosse um humorista. O presidente Jair Bolsonaro, que costuma ignorar a morte de figuras relevantes da cultural brasileira, foi um dos primeiros a manifestar-se sobre a morte do ídolo, cujas obras certamente não leu.

Tem olavista desesperado: e agora, como se posicionar sobre isto ou aquilo, o que dizer sobre qualquer assunto, sem consultar antes o Twitter do mestre? Esperto, o guru reforçava essa dependência. Que Olavo, apesar de tudo, descanse em paz, arrependido dos seus tantos desatinos, pois por aqui ele ajudou a criar um interminável inferno.

Contato: juremirms@uol.com.br

 

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