Pagamento dos precatórios indefinido
Impasse deixa pagamento dos precatórios indefinido e impacta servidores públicos que aguardam quitação de dívidas judiciais
Funcionários e sindicatos comentam atual situação
Por Carolina Nalin e Gustavo Silva — Rio de Janeiro
Enquanto o governo busca uma solução junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para quitar as dívidas dos precatórios, servidores públicos aguardam na fila de pagamento para receber montantes referentes às decisões judiciais.
O servidor aposentado Francisco Caminha, de 74 anos, aguarda desde o ano passado para receber um precatório que transitou em julgado naquele ano. Ele entrou com uma ação judicial em 2019 para reaver gratificações durante seu trabalho como psiquiatra num hospital federal, subordinado ao Ministério da Saúde.
Os valores atrasados das gratificações se transformaram em título de precatório que já chega a R$ 173 mil. Se contabilizados honorários advocatícios, plano de seguridade social e Imposto de Renda, o montante total chega a R$ 226 mil. Ele espera receber o pagamento em breve, já que foi informado de que o valor deve sair até o ano que vem:
— Já estou com 74 anos. Então, tem as mazelas da velhice e mais algumas complicações de saúde. Não posso esperar mais muitos anos por isso. Esse recurso vai melhorar minha qualidade de vida.
Desde o ano passado, Francisco tem recebido ofertas de empresas para vender o precatório. Em novembro, uma instituição especializada na compra de precatórios ofereceu pagamento de R$ 68 mil. Agora em setembro, outra companhia fez uma proposta de R$ 95 mil para o total de R$ 173 mil.
— As ofertas são tentadoras. Eles dizem que, se eu entregar os documentos, em dez dias terei o valor na minha conta — afirma.
PEC dos Precatórios feriu constitucionalidade, diz ex-presidente da OAB
Na avaliação do advogado Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-RJ, a emendas constitucionais 113 e 114 aprovadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que dispõem sobre os precatórios, são inconstitucionais porque submeteram decisões judiciais ao teto de gastos, sendo que dívidas judiciais precisam ser cumpridas e não são enquadradas como gasto público.
Ele acredita ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá decretar inconstitucionalidade das medidas porque estas ferem as cláusulas pétreas de independência dos Poderes e direitos e garantias individuais:
— O Legislativo e o Executivo estão mudando a decisão judicial transitada em julgada que outro Poder deu. Quanto ao direito de propriedade, se eu tenho um crédito para receber numa determinada data, e ele não é pago, é como se eles estivessem confiscando a minha propriedade pelo menos temporariamente.
Além disso, Gouvêa argumenta que há precedentes para questionar a constitucionalidade da emenda:
— O Supremo já julgou como inconstitucionais no passado outras duas emendas que também prorrogavam o pagamento de precatórios.
Espera frustra planos de servidores que aguardam quantias
Aposentado desde 2012 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o professor Jorge D. tem cerca de R$ 1 milhão a receber da União desde 2021, por vencimentos atrasados relativos ao benefício de Reconhecimento de Saberes e Competências. Para ele, que já faz planos com o dinheiro que está previsto para ser pago em 2025, é preciso muita negociação política para "desfazer" a PEC dos Precatórios.
— Quero melhorar a situação de vida de meus filhos, netos e parentes. Estou com muita expectativa, mas o governo vai ter que se esforçar para remontar ao cenário antigo, que era mais justo. Desde a PEC, nos dão calotes sucessivos — salienta.
O auditor fiscal da Receita Federal Vilson Romero tem cerca de R$ 1,2 milhão em precatórios a serem pagos pelo governo federal por processos vencidos há dois anos na Justiça, a respeito de reajustes salariais não cedidos à categoria. Ele relata incerteza para o recebimento, visto que o prazo inicial de recebimento, que seria no fim de 2022, não foi cumprido.
— Manifesto meu repúdio ao prejuízo trazido pelas emendas constitucionais que foram eleitoreiras em prejuízo de todos os credores da União, com sentenças transitado em julgado. Agora, não sei ao certo quando receberei, já que as decisões atuais do governo ainda não estão completamente definidas — diz o servidor.
O especialista em Direito Administrativo Ricardo Monteiro, sócio do escritório Benevides&Monteiro, explica que o tempo de espera pela quitação de precatórios é longo, porque existe uma série de processos que retardam a finalização e o pagamento dos valores:
— Há muitas tentativas de golpes também, ao longo do processo, o que torna tudo mais moroso.
O advogado, que atende dezenas de clientes com precatórios em pendência de pagamento — que passam da quantia de R$ 2 milhões — relata que a tentativa de compra dos precatórios por empresas especializadas é outro fator que leva os servidores a titubearem: esperar ou não?