Pagar para trabalhar

Pagar para trabalhar: com auxílio defasado, educadoras gaúchas gastam até dois salários anuais com transporte
Gastar dois dos doze salários anuais apenas com transporte para chegar ao trabalho. Essa é a realidade de muitas(os) educadoras(es), que, em maior ou menor medida, precisam tirar do próprio — e já esvaziado — bolso para conseguirem chegar nas escolas da rede estadual.
O dado é apresentado pela economista Anelise Manganelli, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No documento elaborado pelo Escritório Regional do Órgão, ficam evidenciados dados que revelam as falhas — muitas vezes absurdas — na forma como o governo Eduardo Leite (PSD) calcula o auxílio-transporte. O estudo, que inclui um levantamento sobre as condições para o recebimento, abrangência, forma de pagamento, valores concedidos, fórmula de cálculo e eventual contrapartida das(os) servidoras(es), em várias redes estaduais brasileiras, demonstrou que não há nenhum outro estado com uma política tão prejudicial às(aos) servidoras(es).
Tarifa de referência é baixa e singularidades de cada região são ignoradas
O ponto de partida dessa história tem como base o cálculo do auxílio-transporte: o governo do Estado utiliza como referência para todas(os) as(os) trabalhadoras(es) da rede estadual do RS a tarifa de ônibus de Porto Alegre, que é de R$ 5, ignorando a singularidade de cada região.
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Conforme aponta o Dieese, essa tarifa é baixa se comparada ao que é cobrado em diversas cidades do interior do RS, onde o valor pode ultrapassar R$ 15, em caso de linhas intermunicipais. A partir daí, começa a fluir uma cascata de erros que se acumulam, levando por água abaixo o pouco de dinheiro que resta no bolso dessas(es) servidoras(es).
No Rio Grande do Sul, ao final de um mês com 22 dias úteis, o somatório desses passes fecha um valor irrisório de R$ 220 reais. No Paraná, este auxílio é de R$ 520 para quem trabalha 20h semanais, e de R$ 377 no caso do Rio de Janeiro, e em ambos os casos sem desconto de contrapartida no contracheque das(os) servidoras(es).
Para além desses estados, onde o valor do vale é fixo, existem aqueles onde o valor é calculado com base na necessidade da(o) servidora(or), método de cálculo que se aproxima mais do ideal.
Situação é agravada por descontos
Além do valor abaixo do pago nacionalmente, o auxílio-transporte das(os) educadoras(es) do RS sofre um desconto que, em alguns casos, reduz para próximo de zero o valor recebido. Isso porque o Estado desconta 4% do salário para o vale-transporte, mas considera para a base de cálculo a remuneração total dessas pessoas, deixando de lado apenas certas gratificações e algumas das verbas temporárias.
O documento do Dieese destaca ainda a inclusão de gratificações como a de direção ou o adicional do local de exercício como alguns desses valores que, no caso do RS, passam a fazer parte do cálculo total desse desconto, enquanto na maior parte dos estados a base de cálculo é o salário base e não o total da remuneração.
Conforme o levantamento do Dieese, com base em dados apurados através da Lei de Acesso à Informação (LAI), em média, as(os) educadoras(es) ficam com somente 33% do que lhes é pago a título de auxílio-transporte. Com base em estudo anterior, o Departamento identificou que em 2019 esse desconto era de 39,4%, em 2023 de 57,8% e em 2024 de 57,3%, atingindo 66% neste ano de 2025. Ou seja, de 100% – do valor insuficiente – que o governo paga às(aos) trabalhadoras(es), 66% quem banca é a(o) própria(o) trabalhadora(or).
Observando o gráfico acima, é possível constatar que, mesmo que o valor da passagem de referência tenha sido reajustado, como aconteceu nos últimos anos, o governo Eduardo Leite (PSD) ainda foi capaz de diminuir a sua despesa com a concessão do auxílio.
Salário baixo e passagem alta: pagar, com o pouco que se tem, para poder trabalhar
Almir Sodré Bastos, professor de Filosofia, possui duas matrículas na rede estadual, totalizando 60 horas. Ele reside na cidade de Pelotas e atua como docente em outros dois municípios, por isso, precisa se deslocar semanalmente para regiões distantes — e, em um desses casos, tem que ficar hospedado em outra cidade.
“ O valor que vem é muito baixo, não dá nem um quarto do que eu gasto, então eu tenho que botar dinheiro do meu bolso para ir trabalhar. E isso afeta bastante a minha vida, porque é um dinheiro que eu estou perdendo. Um dinheiro que eu poderia estar investindo no próprio aperfeiçoamento profissional, investindo em mim, na minha família, então faz muita falta, é um valor bastante alto que afeta, sim, o orçamento aqui”, afirma Almir.
Todas as segundas-feiras, o professor se desloca para Arroio Grande, em um trajeto de 99 quilômetros, para lecionar no IEE Aimone Soares Carriconde. Como não há transporte público que leve o educador até o local em horário adequado para as aulas, o deslocamento é feito através de aplicativo de caronas.
Com o custo alto desse transporte, cerca de R$ 50, o professor opta por ficar em Arroio Grande durante os três dias em que dá aulas na localidade. Já nas quartas-feiras, ao final do dia, Almir retoma o aplicativo de caronas para voltar para Pelotas.
Nas quintas e sextas-feiras, o compromisso é na EEEM Arroio do Padre, situada no município de Arroio do Padre, a 47 quilômetros do bairro onde reside, em Pelotas. Para chegar até a escola, o educador depende dos ônibus intermunicipais, gastando R$ 35 para ir e outros R$ 35 para voltar.
Ao todo, são mais de R$ 700 gastos por mês somente no traslado, já que além das caronas e dos ônibus intermunicipais, o professor ainda precisa se deslocar até a rodoviária, por exemplo. Com uma quilometragem de quase 400 quilômetros semanais somente para trabalhar, dormindo dois dias por semana fora de sua residência, a fala de Almir traz um peso e um desânimo, “é muito do meu salário”, comenta ele sobre a quantia gasta em transporte.
Vale destacar que, além do caso do Almir, existem milhares de outras(os) educadoras(es) em situações parecidas ou até mais complexas do que a abordada nesta reportagem, com servidoras(es) tendo que arcar com custos de pedágio, enfrentar dificuldades em escolas nas zonas rurais, entre outros desafios.
Solução é simples e passa pelo Fundeb
Além de identificar diversos problemas na concessão do auxílio-transporte, no estudo, o Dieese também apresenta uma saída: utilizar o Fundeb, já que, legalmente, o auxílio-transporte pode ser custeado com até 30% desses recursos, por ser uma verba indenizatória.
Com base na competência de maio de 2025, o valor total descontado das(os) servidoras(es) da educação a título de vale-transporte atingiu R$ 8,6 milhões, o que, em 12 meses, representa aproximadamente R$ 103 milhões. Segundo dados da CAGE/RS, no Demonstrativo de Receitas e Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), o saldo disponível do Fundeb em junho de 2025 era de R$ 835 milhões, ou seja, para que o governo de Eduardo Leite (PSD) elimine o desconto do vale-transporte nos contracheques, seria necessário alocar apenas 1,03% desse montante disponível, comprovando, mais uma vez, que dinheiro tem, basta vontade política.
Chega de malabarismos no contracheque, educadoras(es) precisam de valorização!
A desvalorização salarial das(os) educadoras(es) já é alarmante. Ao oferecer um auxílio-transporte insuficiente, o governador Eduardo Leite (PSD) impõe mais um peso a quem dedica a vida à educação pública e ao futuro das(os) filhas(os) da classe trabalhadora gaúcha.
Como apontado na reportagem, esse custo pode ultrapassar dois salários anuais em alguns casos, algo inaceitável em qualquer profissão, mas ainda mais grave em uma categoria que já enfrenta há anos salários defasados.
É urgente que o governador Eduardo Leite (PSD) reveja sua política de auxílio-transporte, um direito básico que vem sendo negado às(aos) trabalhadoras(es) da educação. O cálculo desse valor precisa ser atualizado, levando em conta a realidade de cada servidora(or) e de cada região do estado. Governador, nos permita trabalhar com dignidade!
Foto de capa: Joana Berwanger / Sul 21
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