Paixão na Páscoa
Uma Liturgia Feminista de Páscoa
Liana Cirne LIns
Em Hebraico, Espírito Santo é “Rúach”: substantivo feminino. Em algumas representações, é a forma de mulher que simboliza o Espírito Santo. Ao contrário do que nos foi ensinado, a mulher integra, sim, a Santa Trindade.
Embora muitos cristãos se recusem a ver em Maria e Maria Madalena a figura que de fato desempenharam, a de discípulas e apóstolas de Cristo, foi delas o papel mais importante entre todos os papéis designados aos apóstolos. Foi através do testemunho delas que veio a comprovação de que que Jesus cumprira sua promessa de Ressurreição.
A prova da Ressurreição se dá pelo testemunho de Maria e Maria Madalena.
Thomas Mann afirma, pela voz de Adrian Leverkuhn, em Doutor Fausto, que feminino teria por significado “fide minus”, ou seja, nossa incapacidade de ter fé e nos dedicarmos às elevadas questões do Espírito.
Entretanto, foi justamente a fé de Maria e de Madalena que fez delas testemunhas. Por isso foram ver e foram também incumbidas da tarefa de dar a boa nova: Jesus havia ressuscitado e aguardava seus discípulos e discípulas na Galileia.
Vários textos apócrifos nos permitem compreender que as mulheres desempenharam papel fundamental no início do cristianismo e que Madalena em nada correspondeu à figura subserviente descrita nos Atos dos Apóstolos.
Ao contrário, Madalena exercia liderança entre os apóstolos e é por essa razão que seu testemunho e de Maria é recebido sem questionamentos.
Depois de séculos de silenciamento das vozes das mulheres pela Igreja, um Decreto do Papa Francisco alçou Maria Madalena à posição de Discípula dos Discípulos, trazendo à lume a necessidade de pensarmos a Tríade Sagrada e a experiência terrena de Cristo com a presença significativa do Feminino. Mas um longo caminho precisa ainda ser trilhado e, como afirma Ivone Gebara, a Igreja ainda parece querer manter distante de si as mulheres que lutam pelo reconhecimento da igualdade e de sua dignidade.
Lembremos de quando Viviany Beleboni, mulher trans, encenou a crucificação na Parada LGBT de 2015. Vários bispos escreveram carta afirmando que aquela representação tinha sido ofensiva à Igreja.
Entretanto, quem melhor do que aquela mulher trans pode simbolizar Cristo Crucificado, por saber exatamente o que é carregar a cruz da opressão, da violência, do ódio e transformar aquele símbolo em amor e esperança? Ou as mulheres à frente das enfermarias e UTIs, arriscando as próprias vidas, para salvar a dos outros? Ou as mulheres pretas, periféricas, enfrentando a pandemia do coronavírus, diante da falta do estado nas favelas?
Ritos sem conteúdo podem significar a morte de Deus. E é essa resistência, que nós mulheres encarnamos, contra a opressão, a violência e o ódio, a maior liturgia de renovação do batismo.
E Páscoa é isso. Tempo da Gratidão por termos a felicidade de renovarmos o batismo.
Feliz Páscoa.
Liana Cirne Lins
Dedicado ao Monge Marcelo Barros, que inspirou esse texto e cujas palavras sempre renovam em mim o batismo
FONTE:
https://www.lianacirne.com.br/post/uma-liturgia-feminista-de-p%C3%A1scoa
Uma Paixão de Páscoa: a Homilia de Frei Aloísio para o Domingo de Ramos
Às vezes a ritualística da Santa Missa faz com que caiamos na mera repetição mecânica da Liturgia Eucarística.
Hoje, porém, quando Frei Aloísio pronunciou as palavras "estando para ser entregue e abraçando livremente a paixão", algo novo se abriu em minha compreensão.
Com ramos nas mãos, ouvimos que quando Jesus entrava em Jerusalém, muitos estendiam mantos e ramos e gritavam "Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!" (Mc 11:9). Uma semana depois, as mesmas pessoas gritavam: "Crucifica-o! (Lc 23:21)"
Muito poderíamos cogitar acerca da volatilidade da vontade de homens e mulheres e das razões que transformaram tão radicalmente a percepção que tinham de Cristo, em tão pouco tempo.
Mas esta reflexão é sobre o fato de que Jesus conhecia seu destino ao adentrar Jerusalém. Os louvores não o enganaram: Ele sabia qual era o destino que ali iria cumprir e, conhecendo o martírio, abraçou livremente a paixão.
Frei Aloísio convida-nos então à reflexão sobre nossa própria Cruz e sobre como com ela lidamos. Embora Deus nos tenha feito para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância (Jo 10:10), a Cruz é um destino comum de homens e mulheres.
Por quais motivos então a ela resistimos tão fortemente? Por que a ela não nos entregamos livremente?
Isso não significa se entregar à tristeza, à depressão, à doença, ao pessimismo, aos problemas. Ao contrário: ao abraçarmos a Cruz, compreendemos que ela faz parte de nossa vida e dela podemos extrair força para o enfrentamento das adversidades e para nosso próprio renascimento.
Conversando com meu filho sobre as palavras de Frei Aloísio, Pedro refletiu que mesmo Jesus teve três dias para que sua ressurreição acontecesse. 1
Diante da dor, da doença, da morte, da humilhação, renascer toma tempo: não é um processo automático.
Mas se carregamos a Cruz em nosso peito, em sinal de nossa fé, por que dela temos medo?
Disse Frei Aloísio: há quem não consiga abraçar a paixão - do latim passio, sofrimento - e implore compaixão. Entretanto, a superação da dor é subjetiva e nos oferece uma possibilidade pessoal de revigoramento e ressurgência.
Precisamos estar dispostos a abraçar livremente a paixão, se quisermos viver nossa Páscoa.
Serviço:
Confissões comunitárias durante a Semana Santa
Frei Aloísio
Terça (26) e quarta (27): 19h
Quinta (28), sexta (29) e sábado (30): 9h
Paróquia do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora
Rua Joaquim Nabuco, 237, Graças, Recife
1 Para ler sobre a importância de Maria e Madalena no testemunho da Ressurreição, convido à leitura de outro texto: Uma Liturgia feminista de Páscoa, escrito a partir das reflexões do Monge Marcelo Barros. Disponível em: https://midianinja.org/lianacirne/uma-liturgia-feminista-de-pascoa/
FONTE:
https://www.lianacirne.com.br/post/uma-liturgia-feminista-de-p%C3%A1scoa