Palavras de repúdio
Palavras de repúdio não são suficientes
Diante da expressiva passividade de líderes e autoridades internacionais, não deixa de ser admirável que o Brasil manifeste-se de forma clara e contundente
Carol Proner e Helena Pontes*
Entre tantas desgraças da guerra em Gaza, algumas são especialmente graves, como a morte dos nove dos dez filhos do casal de médicos palestinos Alaa e Hamdi Al-Najaar na cidade de Khan Younis. Em nota publicada no último domingo, dia 25 de maio, o Presidente Lula voltou a condenar o genocídio perpetrado contra o povo palestino e disse que a conduta das forças armadas de Israel em muito extrapola uma resposta razoável às mortes e tomada de reféns no dia 7 de outubro, e configura, na realidade, verdadeira vingança de um estado fortemente armado contra uma população civil indefesa.
Prova disso é a crescente mortandade desde o início do conflito, que já ultrapassa o número de 50 mil vítimas, sendo mais de 16 mil crianças, segundo as estimativas do Ministério da Saúde de Gaza.
Ao comentar o massacre em curso, não se pode esquecer que a ofensiva militar israelense é absolutamente antijurídica, contrariando as normas peremptórias do direito internacional humanitário, dos direitos humanos e o regime da Carta da ONU sobre uso da força. Tanto o Estado de Israel quanto membros de seu governo são réus pelo delito de genocídio na Corte Internacional de Justiça e no Tribunal Penal Internacional, já tendo ambas as cortes proferido decisões provisórias que reconhecem indícios do cometimento de crimes internacionais pelo estado israelense e suas autoridades. No mesmo sentido, a Relatora Especial da ONU sobre territórios palestinos ocupados, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e outras organizações não-governamentais como a Anistia Internacional continuam a denunciar o tratamento desumano imposto à população civil de Gaza, que encontra-se cercada, sob ataque e deliberadamente privada de condições indispensáveis de sobrevivência.
Diante da expressiva passividade de líderes e autoridades internacionais, não deixa de ser admirável que o Brasil, pelo seu máximo representante, manifeste-se de forma clara e contundente. A postura de Lula é consistente com a política externa adotada em mandatos anteriores, lembrando que em 2010 o Brasil reconheceu oficialmente a Palestina como Estado pleno e desde então mantem relações diplomáticas com a autoridade constituída.
Contudo, diante de um genocídio em curso, palavras de repúdio não são suficientes. Seguindo o exemplo de outros países, a diplomacia brasileira tem perfeitas condições de ir além e sancionar tais condutas inumanas e ilícitas. No exercício da política externa ativa e altiva, o Brasil poderia, ao menos, somar-se aos nove países do Sul Global que integram o chamado Grupo de Haia em prol das medidas judiciais e do boicote internacional contra o estado israelense. Ou ainda seguir o exemplo de países como a Espanha e Eslovênia, que defenderam, em recente coletiva de imprensa, a imposição de sanções da União Europeia à venda de armas para Israel, e do Reino Unido, França e Canadá, que publicaram nota conjunta ameaçando impor sanções contra o recrudescimento da ocupação israelense em Gaza e na Cisjordânia.
Recentemente, destacados artistas, movimentos sociais, sindicatos, parlamentares e acadêmicos pediram ao governo brasileiro que aplique embargos ao país agressor e promova algum tipo de sanção. A carta, organizada pela entidade BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), menciona que, apesar de Lula ter tomado uma atitude firme de solidariedade ao povo palestino e de apresentar propostas para o cessar-fogo na Faixa de Gaza, o que ocorre é o aumento da violência: "um bloqueio desumano e cruel que ameaça a vida de 2,3 milhões de pessoas em Gaza, em especial 14 mil bebês que se encontram em risco iminente de morte". Os signatários dizem que "Israel viola abertamente deliberações emanadas da Corte Internacional de Justiça, colocando-se à margem do direito, além de desrespeitar o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU, sendo a aplicação de sanções de direito internacional o mecanismo adequado e essencial para endereçar a situação".
Nesse sentido, o manifesto, do qual fazemos parte, exerce pressão legítima para que o Brasil se alinhe ao parecer de especialistas das Nações que prevê que, para o cumprimento da decisão da CIJ, que os Estados devem "cancelar ou suspender relações econômicas, acordos comerciais e relações acadêmicas com Israel" até que este cumpra as determinações para pôr fim ao genocídio, ocupação e apartheid e respeitar a autodeterminação do povo palestino".
*Carol Proner é advogada, Doutora em Direito, Professora de Direito Internacional Público da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Instituto Joaquín Herrera Flores - América Latina
*Helena Pontes é acadêmica de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Instituto Joaquín Herrera Flores - América Latina