Para adiar o fim do mundo
Ideias para adiar o fim do mundo
07/10/2022


Charge: Frank
Por Pedro Augusto Pinho
“IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO” é um conjunto de cinco artigos.
Os quatro primeiros tratam dos aspectos fundamentais do ESTADO, hoje descartados do debate político pela invasão ideológica do neoliberalismo. Eles tratam da SOBERANIA, da CIDADANIA, da DEFESA DOS DIREITOS e da VOCALIZAÇÃO, como explicitadas no curso das exposições. No último é apresentada uma perspectiva do fim do mundo, se ele ficar sob o domínio das finanças, é um “1984”, de George Orwell, adaptado ao século XXI e às tecnologias contemporâneas, contrapomos então o título geral para SEM ESTADO: MANTENDO O RUMO DO FIM DO MUNDO.
“IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO”: SOBERANIA
O mineiro Ailton Alves Lacerda, nascido em 1953, índio da etnia crenaque, conhecido internacionalmente como Ailton Krenak, escreveu o livro cujo título (“Ideias para Adiar o Fim do Mundo”) copiamos para este artigo.
A questão de Ailton é sobretudo ambiental, que viu desde criança na região do Rio Doce, provocada pela mineração, pelo desrespeito que o capital sempre demonstrou pelo trabalho. Mas trata igualmente das questões de uma sociedade desigual e discriminatória.
Do livro que inspirou o título deste artigo (Companhia das Letras, Editora Schwarcz, SP, 2019):
“Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência de vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar”.
Os temas desenvolvidos por Krenac, nós costumamos tratar de forma mais abrangente como os da Soberania e da Cidadania, que são, a nosso ver, os objetivos do Estado Nacional.
A questão ambiental é uma das que envolve a questão da energia, esta que é fundamental para Soberania. A questão identitária deve ter solução na construção da Cidadania. No entanto há um elemento que interliga estas questões, que denominamos vocalização, porém é mais facilmente encontrado como um dos aspectos da aplicação da teoria da informação, da comunicação social.
Energia, como os recursos naturais, não é igualmente distribuída pelo mundo. Vejamos como são consumidas, pelas fontes de energia primária, de acordo com a publicação de mais de 70 anos: a “BP Statistical Review of World Energy”, da empresa British Petroleum (BP).
Atualmente a BP tem como os cinco maiores acionistas as empresas financeiras estadunidenses: State Street, BlackRock, Dimensional Fund Advisors, Fisher Investments, e a seguradora israelense Menora Mivtachim (fonte: investopedia.com).
Para o ano de 2020, os consumos de energia assim se concentram, em exajoules EJ (medida de energia, no Sistema Internacional de Unidades):
– o maior consumo vem das energias fósseis, 463,24 EJ, dos quais 174,20 do óleo, 151,42 do carvão e 137,62 do gás natural, ao todo 83,15% da energia consumida no mundo vêm das fontes fósseis;
– a segunda maior fonte primária é a hídrica, 38,16 EJ, 6,84%;
– a terceira são as renováveis, 31,71 EJ e, por último a nuclear, 23,98, respetivamente 5,69% e 4,30% dos 557,09 EJ totais daquele ano.
Na estatística da BP Review, as energias renováveis computadas são do vento (energia eólica), do Sol (energia solar) e da biomassa, geotermal e outras, tais como das marés. A energia eólica representa mais da metade da geração das renováveis (190/350), seguida pela solar (120/350).
O Brasil tem situação ímpar neste cenário. Se houvesse governo autônomo, se pudéssemos comemorar não os 200 anos de alguma independência política, mas os 92 da Revolução pela Soberania Brasileira, em 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder e dele foi duas vezes afastado pelas forças estrangeiras e dos traidores brasileiros, certamente teríamos hoje o País Soberano e Cidadão.
Examinemos a questão da energia brasileira em relação às fontes primárias.
O Brasil consumiu, em 2020, 12,1 exajoules. A principal fonte foi o óleo (petróleo), 4,61 EJ (38%), seguida da hidroeletricidade, 3,52 EJ (29%), correspondendo a mais de dois terços do consumo energético. Porém a situação privilegiada não se esgota somente nestes valores equilibrados. O Brasil é autossuficiente em petróleo, com as reservas do pré-sal e as demais existentes em nosso território. Se administradas pelo interesse nacional e não do “mercado”, teremos reservas provadas para quase um século, incluindo o gás natural.
As fontes hídricas, gerenciadas com o mesmo interesse, como já descrevia para a Amazônia, o intelectual fluminense Euclides da Cunha, em “À Margem da História”, obra póstuma de 1909, poderia se transformar além de fonte de energia, em sistema de transporte, recurso para o saneamento básico, para irrigação, e promoção da urbanização do interior do Brasil.
Seria um recurso a mais para a energia renovável, da biomassa, que com a área já disponível e os recursos tecnológicos para agricultura, tiraríamos, definitivamente, o Brasil do mapa da fome e poderíamos ter metade de energia de fonte não poluente – as renováveis representam 16,7% (2,01EJ) – do consumo total. O gás natural contribui com 1,16 EJ (9,6%), o carvão 0,58 EJ (4,8%) e a energia nuclear 0,14 EJ (1,2%).
O Brasil tem insolação por todo território e o ano inteiro, ventos na costa de 7.491 quilômetros, ou seja, é país verdadeiramente abençoado em energia e também em riquezas minerais e aquíferas.
Ao que acresce ter desenvolvido tecnologia própria para o aproveitamento de todas estas fontes em suas empresas estatais.
Por decisão meramente ideológica, o neoliberalismo neopentecostal, que não encontra respaldo em qualquer condição objetiva, os governos, desde 1990, vem procurando atender interesses estrangeiros, principalmente das finanças apátridas e marginais, colocando a venda ou fechando ou reduzindo recursos para suas empresas estatais.
Longe de caminharmos no sentido da Soberania, regredimos ao da Colônia, da submissão. Observe que são dois os pilares que sustentam a Soberania no século XXI. A energia e a informação, no mais amplo significado, de hardware, software e segurança nacional.
O que fizeram os governos desde 1990:
a) Fernando Collor. O Plano Collor, um modelo neoliberal aplicado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, abriu as portas para importações e privatizações, iniciando pela siderurgia.
b) Itamar Franco, que assume com a destituição de Collor, prossegue na privatização da siderurgia e acrescenta a Embraer e subsidiárias da Petrobrás na área da petroquímica (União, Poliolefinas, Oxiteno, Politeno, Coperbo, Ciquini, Polialden, Acrilonitrila) e dos fertilizantes (Ultrafértil e Arafértil). Seu ministro foi Fernando Henrique Cardoso.
c) Fernando Henrique Cardoso (FHC). Teve por ministros Rubens Ricúpero, Ciro Gomes e Pedro Malan. Em seu governo, medidas provisórias, leis, decretos e ações na área do Banco Central promoveram as condições para o maior programa de privatização e alienação do Estado Nacional jamais ocorrido, antes de Jair Bolsonaro, no Brasil.
Limitar-nos-emos aos que diretamente estão ligados às comunicações e à energia: todo Sistema Telebrás, Damatec, Light, Gerasul, Escelsa, Copene, Salgema, Petroquímica de Camaçari, Polibrasil, Polipropileno, Poliuretanos, Nitrocarbono, Estireno do Nordeste, Deten Química, Química do Recôncavo.
FHC também privatizou malhas ferroviárias, portuárias, docas e a maior mineradora do mundo, a Companhia Vale do Rio Doce. “O negócio CVRD tinha futuro tão promissor que, em 10 anos após a privatização, ela chegou à receita líquida de US$ 64 bilhões e ao lucro líquido de US$ 20 bilhões. Poucos meses antes de ser privatizada, a CVRD encontrou em Carajás reservas de ouro e cobre consideradas das mais importantes descobertas geológicas da história. Eram comparáveis com as do início do século XX no Canadá e na África do Sul” (Carlos Henrique Lopes Rodrigues e Vanessa Follmann Jergenfeld, “Desnacionalização e financeirização: um estudo sobre as privatizações brasileiras (de Collor ao primeiro governo FHC)” – Economia e Sociedade, Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, agosto/2019).
Um grande golpe aplicado por FHC na Petrobrás, além da reorganização da Empresa, foi a venda de suas ações na Bolsa de Nova Iorque, de modo a sujeitar as decisões da empresa às leis dos Estados Unidos da América (EUA), quer nacional quer de seus estados, como estabelece a Constituição dos EUA, que já lhe causaram prejuízo de milhões de dólares estadunidenses (USD).
d) governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff promoveram a concessão de administração de rodovias e ferrovias. Houve também, na área da energia, das Hidrelétrica Santo Antônio, Usina Hidrelétrica de Jirau e da linha de transmissão Porto Velho (RO) – Araraquara (SP). Foram também entregues, a capitais privados e estatais de países estrangeiros, reservas de petróleo para exploração e produção.
e) a partir do golpe de 2016, com Michel Temer e Jair Bolsonaro, o estado nacional brasileiro, explicitamente nas palavras do presidente eleito, se subordina ao “mercado”. Com isso, o Brasil deixa de ser um Estado Nacional e passa a ser um órgão executor das decisões do sistema financeiro internacional, dos “gestores de ativos”, ou, como no título de livro do historiador e membro da Academia Brasileira de Letras, o cearense Gustavo Barroso, a ser “Colônia de Banqueiros”.
Porém, o que vem significativamente ocorrendo no Brasil, desde a sucessão do presidente Ernesto Geisel, é o progressivo afastamento dos governos de suas responsabilidades com o Estado Nacional e o povo brasileiro, sob o pretexto que o “governo é mau administrador”, e agindo no sentido de o comprovar, restringindo recursos, estabelecendo remunerações inadequadas, e designando pessoas desqualificadas, técnica e moralmente, para direções. Em outras palavras e de modo sintético, a Questão Nacional saiu da pauta política brasileira.
Soberania esteve tradicionalmente estabelecida para a autonomia decisória nos eventos ocorridos dentro dos limites do Estado Nacional e das consequência para seu povo.
Porém há realidades decorrentes do avanço das tecnologias, em especial daquelas derivadas da teoria matemática da comunicação, que nos levam a dar outra dimensão à Soberania do Estado.
O recente conflito bélico entre os EUA com suas colônias, unidas na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e a Federação Russa obriga-nos a rever o conceito de Soberania.
Transcrevemos do Portal Dinâmica Global (25/09/2022) sob título: “Toda a política imperial envolve um duplo ataque à Rússia e à Alemanha”, as afirmações de Zoltan Posner, do banco Credit Suisse: “Os momentos Minsky (referência à “crise” 2008-2010) são desencadeados por alavancagem financeira excessiva e, no contexto das cadeias de suprimentos, alavancagem significa alavancagem operacional excessiva: na Alemanha, US$ 2 trilhões em valor agregado dependem de US$ 20 bilhões em gás da Rússia”. Na mesma matéria:
“E o conceito de alavancagem operacional também se aplica no domínio militar: se Taiwan fabrica os chips para os mísseis, os EUA os enviam para autodefesa, mas precisam esperar pelos mísseis porque são necessários na Ucrânia ou não podem enviá-los para os EUA devido a um bloqueio marítimo e aéreo imposto pela China, os EUA estão operacionalmente mal equipados para apoiar uma guerra em duas frentes”.
Soberania, debaixo de alavancagens financeiras, bloqueios e sanções, nos remete ao filósofo alemão Johann Gottlieb Fichte (“Fundamentos do Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina da Ciência”, 1796, tradução de José Lamego do original alemão para Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2012) que considera a prevalência dos contratos e “logo que uma das partes ultrapasse, no mínimo que seja, os seus limites, o contrato fica anulado e abolida toda a relação jurídica por ele fundada”. Como colocar as alavancagens financeiras que destroem as economias além das fronteiras, os bloqueios comerciais, impedindo ou trazendo como consequência restrições à circulação de bens?
Estas são reflexões para a Soberania na época da cibernética, da informática, da revolução termonuclear.
Ideias para adiar o fim do mundo: Cidadania
Introduziremos agora a questão da Cidadania. O melhor conceito de Cidadania é o que considera todo habitante do país um par,
ou seja, nada distingue um brasileiro dos outros. E, sendo um país miscigenado na totalidade da população, isso se transforma em inigualável vantagem.
Lembremos que o conceito de cidadania ganhou, com o Direito Romano, a identidade política ao invés das raciais, até então preponderantes.
O direito romano foi construção dos povos miscigenados que habitavam no entorno do rio Tibre (Itália). Este direito é caracterizado pela formalidade, ou seja, é um direito positivo e não fruto de pensamentos mitológicos ou mágicos, impõe regras objetivas; pela individualização, isto é, obriga cada um pessoalmente, é abrangente e não excludente; e pela habilidade de incorporar em seu corpo legal as inevitáveis mutações da sociedade, a que os romanistas denominam conservantismo.
Embora tenha vigorado até 565 da era cristã, sua influência ainda se observa no direito germânico, francês, ibérico e, por consequência, no brasileiro.
A Cidadania só pode existir em Estado Soberano, que, por sua vez, encontra sua força na condição de cidadania da população. Portanto Soberania e Cidadania são pilares indispensáveis para a existência do Estado Nacional.
Vimos que, neste século, energias e tecnologias da informação são elementos básicos da Soberania. A Cidadania é mais complexa, pois além de questões materiais, objetivas, trata do psicossocial da sociedade.
Coloquemos então as obrigações de um Estado para garantir a igualdade, que todos sejam pares, na linha de partida. Estas condições não são, portanto, da inatingível igualdade física, mental e espiritual de todos, mas aquelas objetivas de se ter existência sadia e condições cognitivas e éticas de agir como efetivo colaborador da sociedade.
Para Cidadania se grupam as condições para existência: saúde, habitação, mobilidade, e as condições para consciência: educação, trabalho e vocalização. E aquelas que são necessárias para usufruirmos de ambas, que constituem a garantia dos direitos. É nesse conjunto que se desenvolve a construção da cidadania.
Discorramos brevemente sobre condições para existência.
A saúde já existe como um sistema dos mais avançados no mundo: o Sistema Único de Saúde (SUS) – Constituição de 1988, Título VIII, Capítulo II, Seção II. O empecilho é a sujeição orçamentária do Estado Brasileiro ao decálogo neoliberal, estabelecido pelas finanças internacionais, designado “Consenso de Washington”.
Fosse Estado independente e soberano, o Brasil poderia e deveria ignorar esta imposição apátrida e de capitais em grande parte de origem ilícita, como são os dos “gestores de ativos”, existentes nos 84 paraísos fiscais espalhados pelo mundo. Porém os governantes desde João Figueiredo ou desconsideraram nossa autonomia, ou buscaram desconstruir o Estado Nacional Soberano.
No caso específico do governo pós-2019, quando o covid-19 chega ao Brasil, a única explicação para as 686 mil mortes (até 22/09/2022) é da sujeição governamental ao interesse do sistema financeiro internacional, concentrador de renda e redutor de empregos, e contribuir para reduzir a população mundial que, no desespero, poderia levar à transformação da sociedade. Em 2011, a mais famosa revista médica do mundo, The Lancet, do Reino Unido, publicou artigo destacando a qualidade e eficácia do SUS brasileiro.
A habitação não se reduz à construção imobiliária. Ela tem início no plano urbanístico da cidade, na preservação das áreas verdes, na proteção de rios, lagos e aquíferos, no saneamento básico, e na construção dos recursos indispensáveis para a existência e para a consciência, tais como sistemas de transporte, escolas, teatros e áreas públicas de comércio e lazer.
Singapura não é um país comunista, ao contrário, muitas vezes citado como “pérola capitalista no Oriente”. Ex-colônia britânica, esta cidade-estado, constituída por 63 ilhas, separada da Malásia pelo Estreito de Jor, ao norte, e, ao sul, das Ilhas Riau (Indonésia) pelo Estreito de Singapura, é o que apresentou, em 2014, o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos países asiáticos (9º melhor do mundo).
Desde 9 de agosto de 1965, com a Independência política, até 1990, Lee Kuan Yew governou o País. Lee Yew faleceu em 23 de março de 2015, quando eram comemorados 50 anos da Independência. O Partido Ação Popular (PAP), de Yew, vem desde 1965 governando o país; dos 95 membros eleitos do parlamento, o PAP obteve, na última eleição em 10 de julho de 2020, 83 cadeiras.
Os exíguos 704 km², para 5,7 milhões de habitantes (2021), exigem forte presença do Estado no planejamento urbano. A Cidade-Estado se subdivide em cinco regiões.
(a) Área Central de Singapura é a zona administrativa e comercial. É área urbana planejada de 266 hectares urbanos, no sul de Singapura. Como o próprio nome indica, forma o centro econômico, incluindo os distritos mais importantes, os edifícios administrativos, como a Casa do Parlamento, a Suprema Corte e a Prefeitura, bem como numerosos edifícios comerciais e monumentos culturais. Nesta área está o porto de Singapura que é dos mais movimentados do mundo e fica em ponto estratégico, no Oceano Pacífico, na parte sul do estreito de Malaca.
(b) Jurong era um pântano até os anos 1960, quando Goh Keng Swee, um ministro, com auxílio das Nações Unidas (ONU), transformou em lugar para construções industriais. Jurong é dividido em Jurong do leste, com casas e as lojas e Jurong do oeste, principalmente industrial.
(c) Kallang é zona de desenvolvimento urbano, localizada na Região Central de Singapura, com área de 9,17 km² e população de 101 200 habitantes (2014).
(d) Queenstown foi a primeira cidade satélite a ser construída no país. A maioria das residências, dentro do município, consiste em apartamentos simples de um, dois ou três quartos, normalmente em edifícios baixos e sem elevador. Até 1968 foram construídas 19.372 unidades habitacionais.
(e) Toa Payoh é outra cidade planejada da região central de Singapura. Sua construção iniciou-se em 1962.
Singapura tem política habitacional que proporciona residência a toda população cingapurense.
Todos habitantes maiores de 18 anos celebram contrato de 100 anos para locação imobiliária com o Estado. A primeira suposição é que pouquíssimos, se algum cingapurense, celebrarão 119 anos. Depois, que as necessidades variam ao longo da vida. O jovem locador será certamente solteiro com salário apenas capaz de alugar um conjugado. O planejamento urbano possibilita condições de moradia, com a infraestrutura adequada e com o transporte público mais eficiente de quantos já tivemos oportunidade de conhecer.
Ao longo da vida, com a progressão funcional, o casamento, a vinda de filhos, tanto os homens quanto as mulheres, irão aditando o contrato para mais espaçosas e melhor situadas locações. Até que a idade possa reverter suas necessidades.
Seria impossível o “mercado” edificar uma Cidade-Estado como Singapura. Apenas o Estado Soberano, com o apoio da população, pode atingir esta situação.
Analisemos agora algumas condições para consciência.
A educação tem sido o discurso mais cínico que as elites brasileiras apresentam ao povo desde o Império escravista. Foi efetivamente objeto de atenção do Poder Executivo e aplicado apenas em três momentos: no Governo Nacional, com Getúlio Vargas, e com o Plano Nacional de Alfabetização de João Goulart, e nos governos estaduais de Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, e, com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), no Rio de Janeiro.
Tratando este artigo da Cidadania, não cabe discorrer sobre pedagogias e outras questões didáticas. Porém é importante deixar claro que não se adestra apenas nem principalmente para o trabalho; se constrói conhecimento para capacitar o cidadão para a vida intelectual, profissional, afetiva, esportiva, artística e sobretudo para que assuma seu papel na defesa e na construção da Nação, do Estado Nacional.
Estudo comparativo do pedagogo paulista Manuel Bergström Lourenço Filho (“Educação Comparada”, Edições Melhoramentos, SP, 1961) mostra que, praticamente em todo mundo, com diferentes orientações políticas e econômicas, é garantido aos jovens até 18 anos o ensino, que no Brasil seria denominado atualmente creche/fundamental/médio.
E o Estado é, em grande parte quando não o único ou mais importante, o executor desta política educacional, sempre estabelecida por documento normativo, editado pelo governo.
O trabalho na concepção neoliberal é algo a ser combatido na prática política, legislativa e nas ações do executivo e judiciário, embora seja cobrado pelos solertes discursos. É estabelecida a oposição capital x trabalho, que não foi o projeto varguista, conforme se leem em diversos discursos e se confirma na legislação que obteve do legislativo ou propôs ou implantou no Estado Novo.
O trabalho é uma das ferramentas para realização humana. É o que nos dá prazer e orgulho. O leitor deste artigo já teve certamente a sensação de satisfação ao concluir um desafiante trabalho, seja predominantemente manual ou intelectual, seja na coordenação de pessoas para superar obstáculos ou promover um feito complexo.
O que se dirá então do trabalho de um artista, da vitória de um esportista, da descoberta de um cientista. Não há dinheiro que pague, certamente foi a expressão mais ouvida.
O curioso é que, colocando como luta de classe, o trabalho contra o capital, os marxistas acabam fazendo eco aos neoliberais. Há espaços para o capital sem que este seja hostil ou se oponha ao trabalho. Este é um princípio que leva à pacificação do País: ao nacional-trabalhismo.
O trabalho, como instruiu Getúlio Vargas, precisa da proteção não paternalista do Estado, para o que existem os sindicatos, de livre associação dos trabalhadores, e a legislação trabalhista e previdenciária; como para o capital deve haver limitações impostas pelo Estado, para o que se vota a legislação tributária.
E a consciência cidadã de todos, pela educação, fará da grande maioria, perto da totalidade, da população, defensores desta ação cooperativa de interesse nacional.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, presidente da AEPET.
Ideias para adiar o fim do mundo: Defesa dos Direitos
Jean-Jacques Chevalier, jurista e historiador francês, escreveu que o objeto primordial da política é o Estado
(“As grandes obras políticas de Maquiavel e nossos dias”, Livraria Agir Editora, RJ, 1957). Seria o Estado um bem econômico, a ser valorado e transacionado? Muitas concepções, inclusive a marxista, têm esta ideia, para explicar a mudança da concepção religiosa para a moderna, e as distintas formas de propriedade.
Buscam-se com frequência respostas globais, totalizantes, quando o homem é fruto do meio; seu próprio aspecto físico já indica, em grande parte, sua procedência continental ou subcontinental. E nestas não se vê as variadíssimas influências culturais. O cientista, médico, professor e acadêmico, Antônio da Silva Mello é categórico, em seu “A Superioridade do Homem Tropical” (Editora Civilização Brasileira, RJ, 1965), que foram “os povos morenos mais primitivos”, habitantes da faixa que se distende da Espanha à Índia, de cultura neolítica, os pioneiros da civilização. “Isso pode ser aceito com tanto maior segurança quanto todas as criações dessa cultura são idênticas, por assim dizer homogêneas, qualquer que seja o lugar em que são encontradas”.
As Constituições constituem a expressão nacional dos Estados, e, assim, das políticas, ou seja, das compreensões particulares da cultura em determinado lugar.
Busca-se, desde a bipolaridade política do pós-guerra (1945), reinventar os territórios, no sentido de impor ideologias colonizadoras ao mundo. As Organização das Nações Unidas (ONU), os tratados de aliança – OTAN, SEATO, Pacto de Varsóvia – ou comerciais – NAFTA, Mercosul – ou políticos – União Europeia, Schengen, podem ser exemplos deste interesse de dominação política, econômica, ideológica.
Escreve o constitucionalista português, José Joaquim Gomes Canotilho (““Brancosos” e Interconstitucionalidade – Itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional”, Edições Almedina, Coimbra, 2008): “numa formulação mais chã, diz-se que o estado é vítima de seu sucesso. O estado hegeliano vê-se, agora, confrontado coma a secularização da política e a contingência da ordem social”.
O que seria o “estado hegeliano”? Inicialmente, para Hegel, toda a obra da ciência consiste em descobrir as leis subjacentes aos fenômenos, e penetrar até a ideia que é a essência das coisas. Logo o “Estado é”, e não “o que deve ser”, como está na maioria dos tratadistas. A dialética hegeliana não se opõe à origem histórica do Estado, ou melhor, dos diferentes Estados.
Porém, o Estado, segundo Hegel, existe para si em virtude de necessidade natural, que ele chama divina. O Estado não tem pois necessidade, para se fundar, do consentimento dos indivíduos, nem de qualquer contrato. Ao contrário, em lugar do Estado existir para e pelos indivíduos, são os indivíduos que existem para e pelo Estado. As pessoas seriam colocadas no mundo por acaso? O que explicaria diferentes organizações decorrentes das Constituições?
Examinando os clássicos, apenas dois poderes são, além do divino, amplamente aceitos: o parlamento e o militar ou da força. Sendo o primeiro qualificado de democrático.
Ao tratarmos da Defesa dos Direitos, como elemento da Cidadania, procuramos dotar o Estado do poder que se origine da opção popular, que resulte da participação explícita dos cidadãos.
O Poder vem sendo estudado, sob diversas perspectivas, ao longo da história humana, o que fez Adolf Augustus Berle, autor do clássico “Power” (Harcourt, Brace & World, NY, 1969) afirmar que “com o amor é um dos mais velhos fenômenos das emoções humanas”.
Poder será aqui compreendido, como a relação entre humanos e suas instituições com capacidade de produzir efeitos ou resultados. Ele é único e indivisível, manifestando-se por expressões, sendo a política uma delas.
Por conseguinte, a definição de lei como aquela norma que se impõe coercitivamente à sociedade, já demonstra a filiação do poder à força. Nosso entendimento é da progressão participativa, que vai formando a compreensão do sentido, cada vez mais aprofundado, do poder e de sua aplicação.
A Constituição da República Popular da China (RPCh), com a mais recente alteração de 2018, estipula ser um Estado Unitário multinacional, socialista, onde todo poder pertence ao povo, que o exerce pelos Congressos Locais e pelo Congresso Nacional, que por diversos canais e várias formas administra todos os assuntos do Estado. No preâmbulo está estabelecido que a RPCh é um Estado Socialista com particularidades chinesas.
Muito nos envaidece saber que, em 1982, a China adotou a “razão sociológica” do gênio baiano negro Alberto Guerreiro Ramos, apresentado no livro “A Redução Sociológica”, editado em 1958 pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), do Ministério da Educação e Cultura (MEC), no Rio de Janeiro.
Desta obra de Guerreiro Ramos: “No domínio restrito da sociologia, a redução é atitude metódica que tem por fim descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica, dos objetos e fatos da realidade social. A redução sociológica é ditada não somente pelo imperativo de conhecer, mas pela necessidade social da comunidade, na realização de seu projeto de existência histórica, tem de servir-se da experiência de outras comunidades”.
O modo chinês ou as particularidades chinesas que revestem constituição e organização da sociedade são as “reduções sociológicas” de princípios gerais, aplicadas ao caso específico da cultura e do interesse do povo chinês, e para o momento determinado.
Como descreveu outro grande intelectual baiano, o professor e político Hermes Lima (“Introdução à Ciência do Direito”, Cia. Editora Nacional, SP, 1933), o direito “é produzido segundo as condições sociais de cada época e a técnica legislativa adotada”.
Colocadas estas preliminares, a Garantia dos Direitos está no conjunto das ações executivas, sob a direção dos “congressos” locais, ou seja, da representação popular.
Os Direitos Garantidos são de toda ordem, do combate ao assédio, à lesão, à usurpação, á apropriação de bens alheios ou surrupia-los, da censura e outros delitos civis, penais, trabalhistas, tributários, políticos, que serão investigados, analisados e instruídos por profissionais habilitados nas centrais de DEFESA DOS DIREITOS, espalhadas por todo território, e julgados de acordo com o tipo de dano e as normas processuais. Nestas considerações não cabem os detalhamentos administrativos, como não os fizemos em relação às questões da Soberania e outras da Cidadania.
Apenas esclarecemos que, em princípio, o modelo deve ser concluído, se bastar numa única instância de julgamento. Casos específicos e definidos em lei poderão ter revisão por outra central.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, presidente da AEPET.
Ideias para adiar o fim do mundo: Vocalização
1968 foi ano marcante para a derrocada dos “30 gloriosos” franceses e a ascensão neoliberal.
Foi também o despertar para as crises do petróleo, desencadeadas com déficit de oferta, os processos de nacionalizações e de toda série de conflitos envolvendo Israel, os Estados Unidos da América (EUA) e os produtores árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), como a guerra dos Seis Dias (1967), a guerra do Yom Kipur (1973) – 1º oil shock, e a revolução islâmica no Irã (1979) – 2º oil shock.
A comunicação passou por intensa revisão, quer pelo ingresso de tecnologias, quer pelos questionamentos éticos. O editor de Notícias do Jornal de Brasil, Luiz Orlando Carneiro, assim se expressou – “Imprensa, mito e crise”, no “Cadernos de Jornalismo e Comunicação”, nº 12, julho de 1968, editado pelo Jornal do Brasil (RJ):
“A recente crise francesa, a ascensão das minorias violentas em todo mundo, a rebelião negra e a onda de assassinatos nos Estados Unidos colocaram dramaticamente em questão a influência – e mesmo o domínio – que os veículos de comunicação de massa exercem sobre a consciência coletiva, e sobre as atitudes pessoais de grupos e comunidades políticas, sociais e religiosas”.
Também se comemoravam 20 anos do lançamento, em Paris, da obra referencial do matemático estadunidense Norbert Wiener, “Cybernetics or Control and Communications in the Animal and the Machine”.
Hoje não há dúvida que as finanças ocupavam, já com Lyndon B. Johnson (1963-1969) e, especialmente, com Richard M. Nixon (1969-1974), importantes posições no governo dos EUA. E que muitos eventos, que pareciam ter surgido espontaneamente, foram minuciosamente programados pela Agência Central de Informações (CIA, em inglês), pela Agência de Segurança Nacional (NSA, em inglês), pelo israelense Mossad e pelos órgãos financeiros estadunidenses, britânicos e internacionais, como o Banco de Compensações Internacionais (BIS), na Basileia (Suíça).
Assim, a palavra comunicação entra para as “Palavras-Chave”, de Raymond Williams (tradução de Sandra Guardini Vasconcelos, para Boitempo, SP, 2007).
Comunicação vai além do animal e máquina de Wiener, para as ferrovias e estradas, a imprensa e radiodifusão, para compartilhar e bisbilhotar. E informação passa a ser a tecnologia em expansão, também para espionagem e golpes de Estado.
Diante desta variedade, optamos por vocalização. Sendo humano é também da sociedade, exige quem emita e quem receba o som, o balbucio. Não se pensará na CIA nem nos computadores, nas transferências de valores nem no tráfico pelas estradas.
O que é a Vocalização?
É a possibilidade do cidadão se expressar para os demais e para as Instituições da sociedade e ter deles resposta ou ações. É o diálogo em toda amplitude: das múltiplas expressões (sonora, visual, impressa, virtual, eletrônica) abertas ou dirigidas, dos entendimentos, do debate, e das consequências. Vocalização é comunicação, informação e responsabilidade.
Assim, a vocalização é parte da SOBERANIA, quando, por exemplo, trata da defesa do Estado ou da integração do País, é parte da CIDADANIA, quando denuncia a pedagogia colonial e permite a intensa participação popular das decisões do Estado, e tem seu lugar próprio, como discorremos neste artigo.
Em 1962, na Abadia de Royaumont, monumento histórico a 30 km de Paris, ocorreu importante encontro de pensadores e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento para tratar do tema comunicação, no Colóquio em homenagem a Norbert Wiener. A cibernética e a teoria dos sistemas mostravam que havia diálogo, antes inimaginável, da história com a matemática, da pedagogia com a literatura, da filosofia com a física. Os participantes estavam lá para demonstrar que a teoria matemática da comunicação era o elo do conhecimento contemporâneo (“Le concept d’information dans la science contemporaine”, Cahiers de Royaumont, Les Éditions de Minuit/Gauthier-Villars, Paris, 1965).
O jesuíta Gaston Fessard participou intensamente dos debates em Royaumont, de quem retiramos as considerações sobre a eficiência da mensagem.
As máquinas de calcular eram conhecidas desde o ábaco, datado de 5500 a.C., usados pelos povos da Mesopotâmia. Em 1837, Charles Babbage lançou nova máquina, chamada de Engenho Analítico (Máquina Analítica), que aproveitava experiências como o uso de cartões. Com conceitos do matemático George Boole, Hermann Hollerith, 1890, desenvolve a máquina que acelerou todo o processo de computação de dados e funda a empresa que, em 1916, terá o nome alterado para Internacional Business Machine, a mundialmente famosa IBM.
A partir de 1946 tem início a era dos computadores: primeira geração até1959, segunda geração (1959-1964), terceira geração (1964-1970), quando sofrem a grande transformação dos microprocessadores e computadores pessoais. Hoje os celulares são bisnetos das Holleriths.
Padre Fessard questiona o objetivo das mensagens.
O poder na fase das guerras mundiais passa a ser da industrialização, preocupada com os custos, no sentido amplo, do trabalho, e foca seu uso na substituição dos homens pelas máquinas. Disso decorre toda a via da robotização. Mas o poder derrotado nestas guerras, o financeiro, caminha no sentido da instantaneidade da mensagem e nos seus aspectos psicossociais. É o que permite estar quase simultaneamente em todo mundo e alterando comportamentos. Esta compreensão antevista por Fessard, dá, a partir de 1990, o poder às finanças, ao neoliberalismo, e toda mudança que a sociedade passa a viver.
“The Human Use of Human Beings” (“O uso humano de seres humanos”) é o segundo livro de Norbert Wiener, publicado em 1950 e revisto em 1954. E o Diretor do Laboratório de Máquinas Matemáticas do Instituto Blaise Pascal (1938-1960), Louis Couffignal usa para subtítulo em “Les Notions de Base” (Gauthier—Villars, Paris, 1958), como transcrevemos em tradução livre:
“a linguagem é a mais específica e bela criação humana, que a teoria das redes elétricas pode permitir a construção de linguagem universalmente aceitável e que as modernas facilidades de comunicação de ideias devem necessariamente provocar a constituição de um Estado Universal”.
Vemos tudo que nos incomoda, revolta e prejudica, com a apropriação das finanças apátridas desta evolução tecnológica.
Não se pode promover um desenvolvimento sem política, e a política tem que ser construída a partir da cultura dos povos, da evolução das sociedades, que não dá saltos, como eventualmente pode ocorrer com a ciência e as técnicas.
Daí que a comunicação precisa estar subordinada não a um Estado Universal, na frase de Couffignal (“la constitution d’un État Universel”), que não é do povo, Tal Estado será, inevitavelmente, de um grupo, de uma única ideia, seja ela humanitária ou anti-humana, em outras palavras, tenha origem numa ideologia de bem-estar ou felicidade geral, como as religiões pregam em princípio, seja de tirania colonial, da unipolaridade, como das finanças. A comunicação está subordinada ao Estado Nacional, único capaz de abrigar a manifestação livre e consciente de todos.
Recordemos J.G. Fichte (“Fundamentos do Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina da Ciência”), citado no primeiro artigo – SOBERANIA, que, mesmo adotando o direito natural, tem proposta contratualista: se os Estados são completamente iguais entre si, eles podem garantir-se uns aos outros, formando uma confederação, ou, na linguagem hodierna, o mundo multipolar.
Para “adiar o fim do mundo” é preciso participar das decisões e, para participar das decisões é preciso ter informações dos sistemas de instrução, das ocorrências, das interpretações e das reflexões sobre a própria vida, esta é a relevância da VOCALIZAÇÃO para o Estado Nacional.
Sem Estado: mantendo o rumo do fim do mundo
Porém se a pedagogia colonial for mais forte, a corrupção inerente ao poder financeiro permanecer comprando consciência
e chantageando dirigentes, como estará o mundo de amanhã?
Daniel Estulin é o jovem jornalista e escritor lituano, que por primeiro colocou em livro os superdonos do mundo: “A Verdadeira História do Clube Bilderberg”.
Entre suas obras está “Metapolítica Transformação global e guerras de potências”, de 2020, da qual retiramos trechos da tradução de Matheus Bonetto Pacini para Vide Editorial, Campinas, 2022.
Estulin considera que as “estruturas conspiratórias” começam no século XVII, “fruto do longo século XVI”, das conquistas marítimas, quando entre 1613 e 1617 foram criados o Standard Chartered Bank e o fundo da empresa (goodwill) da família Baruch, de onde deriva o Banco Central da Inglaterra (1694) e a “invenção da dívida pública”.
Embora não consideremos este artigo o local ideal para discursão sobre o ovo e a galinha, há aspectos da pedagogia colonial que nos impõem alguns reparos.
Na Idade Média ocorreram muitos mais fenômenos do que os comumente descritos para distinguir a Alta e Baixa Idade Média, como escrevemos nas “Reflexões para Teoria do Estado Nacional”, com Felipe Maruf Quintas, semanalmente, no jornal impresso Monitor Mercantil, desde 03/03/2022.
A festejada Magna Carta, a primeira de 15 de junho de 1215, firmada pelo Rei João, de codinome Sem Terra, visava exatamente impedir que o Rei surgisse nas sucessões dos nobres como herdeiro de suas propriedades. Nada teve de início da democracia constitucional. Ela foi ratificada e ampliada pelo sucessor de João em 1216, 1217 e 1225. Transformou-se assim numa garantia para as dívidas reais e transferiu o poder fundiário para a nobreza que foi ampliando para o poder financeiro, consolidado no século XVII com o Banco da Inglaterra. A este respeito sugerimos consulta ao tópico “O Banco da Inglaterra” em “A História Secreta do Ocidente” (Nicholas Hagger, “The Secret History of the West”, O Books, Londres, 2005).
Desde o século XVIII, a Inglaterra vem moldando o Estado aos interesses da aristocracia dominante que inclui os monarcas e os “barões”, os nobres proprietários. Nicholas Hagger e Daniel Estulin veem a participação da maçonaria, que mesmo no continente seria gerida por Londres. Há algumas controvérsias a este respeito, pois o século XVIII é também de revoluções nacionais, como a industrial, na própria Inglaterra, dos Estados Unidos da América (EUA), pela Independência, e a Francesa, mais amplamente analisada pela ciência política (Abade Sieyés e Edmund Burke), e pela história (Thomas Carlyle e Jules Michelet).
O processo da expansão colonial e o desenvolvimento da industrialização inglesa se deram sob o controle das finanças. Não houve alteração do poder. Ele só será derrotado de fora da Grã-Bretanha, pela ascensão industrial, principalmente estadunidense, com as duas grandes guerras. No entanto, as finanças britânicas não aceitaram a derrota, com seus aéticos métodos logo iniciam o contra-ataque.
Em 30 de maio de 1919, reúnem-se no Hotel Majestic, em Paris, economistas, entre eles Maynard Keynes, o historiador da Harvard, Archibald C. Coolidge, o jornalista de The Inquiry responsável por área internacional, assessores da família de J. P. Morgan, como James Brown Scott, advogado, e Thomas W. Lamont, sócio, que financiaria o Royal Institute of International Affairs, de Londres. Foi também criado o Council on Foreign Relations, nos USA. Coronel Nandel House, amigo íntimo de Woodrow Wilson, foi o coordenador do encontro denominado Round Table Group, em alusão à Távola Redonda do Rei Arthur, embora houvesse nítida hierarquia, nesta versão século XX.
A criação, nem sempre mantida oculta, de organizações para impulsionar e defender o modelo colonial financeiro inglês já ocorrera com Cecil Rhodes, Sociedade Milner, “Cercle” (Círculo) e outras.
O grupo do Majestic era a continuidade do modelo que gera o Clube Bilderberg, em 1954. Ao qual se seguem o Clube de Roma (1968), o Foro Econômico Mundial (1971), a Comissão Trilateral (1973), Diálogo Interamericano (1982), a Organização Mundial do Comércio (1995) e outros mais com o propósito de recolocar as finanças no poder mundial, um retorno ao século XIX, com os recursos da informática e das estruturas sistêmicas de organização.
O objetivo era destronar o industrialismo e se apossar de tudo que ele construíra em cerca de 150 anos. Para este feito a primeira associação foi com os ingênuos ingleses que lutavam contra poluição do carvão, principal energia do início da industrialização. Também começam a comprar e corromper as comunicações ainda incipientes no sistema audiovisual. Com o surgimento da informática, souberam melhor do que os industriais transformá-la em instrumento da conquista e manutenção do poder.
É oportuna a transcrição de ensaio de Lyndon LaRouche, originalmente publicado na Executive Intelligence Review (EIR, vol. 24, nº 51, 19/12/1997), “O Apocalipse segundo Wells”, na tradução de Gildo Magalhães e Yara Nogueira Müller, para o Movimento de Solidariedade Ibero-americana, RJ, 1999, com título “O Governo Mundial”:
“No mês de outubro de 1997, um “Titanic insubmersível” foi perfurado na colisão com uma espécie de iceberg que estava à sua espera. Eis aí o que resta da “sociedade da informação”. O sistema financeiro globalizado e impregnável pós-1989 dirige-se agora para o abismo aquático. Infelizmente, sendo a sanidade o que é, ou não é, nestes dias, mesmo depois dos acontecimentos globais de outubro e novembro, a maioria dos passageiros, inclusive o ex-chefe do Citibank, Walter Wriston, ainda se agarra ao navio que afunda, se segura na fé ilusória de uma “utopia insubmergível”, uma economia da “sociedade informacional eterna, neomalthusiana”.
Vamos lançar nossos olhos, se possível se as vendas da pedagogia colonial, para o mundo do século XXI, especialmente para o que mais nos interessa: o Brasil.
Quase todas as referências ou comentários sobre o que ocorre fora de nossas fronteiras vêm de doutrinações ideológicas, de interesses defendidos pela imprensa exterior, de nossa incapacidade de colher as informações na fonte. Nesta série, com toda certeza, nosso estimado leitor teve descrição inteiramente nova de Singapura. Porque lá passamos dias pesquisando diversos aspectos da cidade-estado, em período de campanha eleitoral. Quem já se debruçou sobre as Constituições da República Popular da China e suas emendas para entender as mudanças no sistema de poder e na estrutura organizacional?
As desregulações da década de 1980 abriram para o sistema financeiro os armários e porões dos recursos oriundos de ações criminosas. Estes não correram para os bancos, que se fundiram, e paraísos fiscais, que decuplicaram na década seguinte. Eles passaram nove anos analisando as “crises” forjadas pelas finanças e colocaram o que, para eles, era valor de teste: quatro trilhões de dólares estadunidenses (USD). O resultado foi amplamente satisfatório. Criaram os gestores de ativos para comprar, vender, subornar, corromper, chantagear e gerar ainda maiores lucros com suas ações criminosas. Não denominamos criminosas por aspectos éticos ou morais, mas pelas legislações nacionais, a brasileira evidentemente, e os acordos internacionais que assim as classificam: crime, quais sejam: tráfico de pessoas e órgãos humanos, de drogas e armas, evasão fiscal etc.
Os capitais marginais no poder do mundo ocidental, principalmente, corromperam a moral social de tal forma que um ministro brasileiro reconhece ter recursos em paraíso fiscal e não sofre qualquer tipo de punição. Idem para presidente de Banco Central.
Com o domínio da comunicação de massa, das instituições nacionais, dos governantes, vemos a violência crescer no Brasil, vê o poder das forças armadas e da polícia ser transferido para as milícias, para os primeiros comandos da capital e outros, que, se não o fazem, insinuam nomear e promover os membros do poder judiciário, que se empodera, se investe de autoridade além da missão constitucional. Nada é por acaso, nem pela falta de qualificação ou “qualidades” pessoais; é um novo poder que assume.
A luta do povo não é por partido político ou pelas qualificações de eventuais candidaturas, é pelo retorno da Questão Nacional como o mais importante debate brasileiro.
Esta questão foi sepultada com o domínio das finanças, e faz todo sentido para quem deseja a globalização e a unipolaridade. O Brasil, neste momento, tem nos países que integram os BRICS, a Organização para Cooperação de Xangai, os que participam da Nova Rota da Seda, os possíveis aliados contra a marginalidade que veio com as finanças e se transformou em poder com a “crise” 2008-2010.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, presidente da AEPET.
http://patrialatina.com.br/ideias-para-adiar-o-fim-do-mundo/