Para além do caos
Para além do caos O que está por trás do aulão de Rossieli e Zema no Mineirão?
Para além do caos ocorrido na pretensa "maior aula de IA do mundo", o governo Zema usou o poder institucional de convocação da Secretaria de Educação para fazer um palanque político entre estudantes e professores, com o discurso de "inovação" como máscara da precarização da educação. O tamanho do fiasco do "aulão" no Mineirão é proporcional à arrogância de um governo que não faz a mínima ideia do que é a realidade escolar.
Elisa Campos quarta-feira 19 de novembro

Nesta quarta-feira (19), véspera de feriado, milhares de estudantes e professores das escolas estaduais de Belo Horizonte estiveram no Mineirão para um “aulão” convocado pela Secretaria de Educação de Romeu Zema (Novo). O evento foi realizado com a pretensão de entrar para o Guiness World Records, o ranking de recordes mundiais, como “a maior aula de Inteligência Artificial do mundo”, com o lema “trem que prospera”.
Afora o ridículo de buscar uma premiação completamente dissociada das necessidades urgentes da educação básica mineira, o "aulão" terminou em confusão, com casos de agressão entre os estudantes. Qualquer professor sabia de antemão que poderiam acontecer situações preocupantes ao se reunir 40 mil adolescentes em um mesmo espaço sem preparação prévia adequada. Mas, para além do esperado fiasco, o que está por trás do aulão de Rossieli e Zema? Vindo de onde vem, “trem bão” que não é.
Um palanque político do governo Zema
Em primeiro lugar, trata-se não só de uma jogada de marketing do governo Zema - o que já seria absurdo o suficiente - mas sim de um palanque político. Frente às eleições de 2026, o governador que irá disputar a presidência do país está desesperado para ter alguma política educacional para chamar de sua, após o fracasso da tentativa de militarização e de projetos privatistas como o Somar barrados pela mobilização dos trabalhadores da educação. Matheus Simões (PSD), vice-governador e legendário de carteirinha, também participou da abertura ao lado de Zema, reforçando o caráter político e eleitoral do evento.
Já o atual secretário da educação mineira, Rossieli Soares (PSDB), tenta reerguer a sua imagem após ser expulso do Pará no início desse ano por professores e povos indígenas em luta contra sua tentativa de implementar aulas à distância para comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Dono de um longo currículo de ataques à educação a favor dos empresários, é odiado por trabalhadores da educação dos estados do Amazonas, de São Paulo e do Pará, onde ocupou o mesmo cargo, e tenta abrir caminho em Minas Gerais para implementar seus projetos empresariais e mercadológicos na educação.
É inédito, de fato que a Secretaria de Educação convoque as escolas públicas para um palanque político do próprio governo. As escolas foram surpreendidas pela convocação obrigatória na véspera do feriado da Consciência Negra, em que professores e estudantes preparam projetos sobre identidade racial e combate ao racismo, com o calendário já apertado do fim do ano. Além de serem obrigadas a garantir com os próprios recursos financeiros os ônibus, merendas e organização da ida e da volta do Mineirão, as escolas foram pressionadas pela Secretaria a levarem o máximo possível de estudantes. As escolas que tinham listas de confirmação “abaixo do esperado” foram questionadas pela Secretaria.
O governo Zema, portanto, faz das escolas públicas seu quintal eleitoral, se utilizando do poder de convocação institucional para obrigar estudantes e professores a encherem um estádio de futebol a favor de aparição política e curtidas nas redes sociais. Mas não é “só” isso…
O discurso de “inovação” como máscara da precarização
É bastante chamativo que a “maior aula do mundo” promovida por Rossieli e Zema não seja ministrada por um… professor. É óbvio que o uso da Inteligência Artificial na educação é uma realidade, e pode ter contribuições positivas para professores e estudantes no contexto escolar como um todo. Mas estamos em um marco em que governos aliados de Zema, como Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, tenta efetivamente implementar projetos de substituição de professores por Inteligências Artificiais, com o intuito de “diminuir gastos”. O governo Zema também é obcecado por “diminuir gastos”, o que significa, no caso da educação, não pagar o piso salarial, manter 80% da categoria em contratos temporários sem os direitos de um servidor público pleno, tentar terceirizar as trabalhadoras das cantinas e da limpeza (as ASB’S - Auxiliares de Serviço Básico), enfim, atacar as condições de trabalho dos que fazem as escolas funcionarem todos os dias.
Além de servir à precarização do trabalho, o discurso de “inovação” é cínico quando a realidade das escolas passa por superlotação das salas de aula, falta de materiais didáticos e pedagógicos, estrutura básica antiquada e insuficiente, entre tantas outras questões. Grandes empresas da educação privada, conhecidas carinhosamente por “tubarões da educação”, tem se utilizado largamente da pecha da tecnologia para se infiltrar na educação pública e engolir o que puder de recursos com vistas ao seu próprio lucro. Rossieli Soares é, em especial, um verdadeiro papai coruja destes setores, com relações até com bilionários da tecnologia como Elon Musk.
Portanto, a “inovação” defendida pelo governo Zema não trata de garantir mais investimento e qualidade para a educação, mas sim de permitir uma intensa flexibilização neoliberal a favor da lógica de mercado e dos lucros de setores privados. O Novo Ensino Médio, por exemplo - idealizado e implementado nacionalmente pelo próprio Rossieli quando foi secretário do golpista Temer (MDB), e absurdamente mantido pelo governo Lula – serve como ferramenta ideológica desse projeto, ao fomentar o “empreendedorismo” como saída para uma realidade marcada pela Escala 6x1 e pela precarização da vida, enquanto diminui progressivamente o acesso à uma educação humanizada e crítica.
Por fim, mas não menos importante: a arrogância de quem não conhece a realidade escolar
Entre palanque eleitoral e cinismo discursivo, o “aulão” envolveu diversas confusões organizativas. Mesmo durante a transmissão ao vivo pelo YouTube foi possível perceber erros técnicos e situações inesperadas, como o fato de que, para entrar no ranking de recordes, os estudantes deveriam estar sentados durante a aula. Apenas um burocrata de governo que nunca entrou em uma sala de aula com 40 estudantes poderia esperar que seria possível 40 mil se sentarem de uma só vez, a um pedido pelo microfone. Apenas um burocrata de governo que nunca chegou perto de uma escola esperaria que na finalização de um evento com milhares de adolescentes no Mineirão todos sairiam em filas indianas, sem quaisquer provocações relacionadas a futebol.
É preciso, na verdade, muita arrogância para organizar um evento desse porte à revelia dos calendários escolares, dos profissionais de educação, dos recursos escolares e do próprio interesse dos estudantes. É uma ilustração simbólica da distância entre a realidade escolar e as “metas e resultados”, entre a experiência dos trabalhadores da educação e os devaneios delirantes dos engomadinhos do governo Zema, que fazem de tudo para esconder sua sanha por privilégio pessoal atrás de sotaque caipira. A autora desse texto oferece toda a solidariedade aos colegas que tiveram que passar por essa palhaçada. Ao mesmo tempo, sorri um pouco por dentro de mais um fiasco para o governo Zema, com aquele sentimento típico de quem pensa: "eu sabia"... E terminemos dizendo: fora Rossieli Soares!
FONTE:
https://www.esquerdadiario.com.br/O-que-esta-por-tras-do-aulao-de-Rossieli-e-Zema-no-Mineirao




