Para além do tempo integral

Para além do tempo integral

 

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Foto: Sumaia Vilela/Agência Brasil

 

O Ministério da Educação (MEC) anunciou recentemente o seu programa de expansão das escolas de tempo integral no Brasil que, por meio de um programa de política pública, reúne um conjunto de estratégias que, desde assistência técnica, pedagógica e financeira aos Estados e Municípios, tem como objetivo melhorar nossos indicadores educacionais. O cerne da proposta governamental é ampliar o turno escolar para, no mínimo, 7 horas diárias ou 35 horas semanais.

O nobre objetivo do Programa do MEC “tem como finalidade a perspectiva do desenvolvimento e formação integral de bebês, crianças e adolescentes a partir de um currículo intencional e integrado, que amplia e articula diferentes experiências educativas, sociais, culturais e esportivas em espaços dentro e fora da escola com a participação da comunidade escolar”. São exatamente nesses termos que o programa ministerial é divulgado na sua página institucional eletrônica.

Sabemos bem que o atual modelo educacional brasileiro guarda enormes desafios para a implementação de um projeto dessa magnitude. A ampliação do horário do turno escolar dos nossos sistemas de ensino exigira mudanças profundas nos currículos, nas jornadas de trabalhos dos profissionais da educação e nos próprios espaços escolares. Esse último ponto, a que se refere a noção da infraestrutura escolar, talvez seja o gargalo que exigiria maior investimento inicial do programa ministerial. Afinal, como poderíamos garantir a ampliação proposta pela escola do tempo integral sem os espaços físicos mínimos e adequados para manter as crianças e jovens nesse modelo?

Mas o principal desafio da nossa educação atualmente é transpor o modelo proposto pelo MEC, avançando ainda mais na proposta ministerial. Para garantir as interações com as subjetividades dos principais atores de nossas escolas e práticas pedagógicas de um novo modelo educacional que, de fato, concretize o direito à educação que tanto almejamos, é necessário avançar para a concepção de uma escola de formação integral.

A ampliação do tempo e dos turnos escolares, na proposta do MEC, é fator muito importante para qualificarmos a nossa educação, já prevista na Meta 6 do atual PNE, que acabará já no ano que vem e que passou muito longe de ser cumprida. A proposta era que, até o ano que vem, tivéssemos no Brasil uma jornada diária de 7 horas em, pelo menos, 50% de nossas escolas públicas da educação básica. Em 2021, chegamos a 22.4%% das escolas abarcadas por esse modelo. O outro objetivo da meta era que, aqueles 50% das escolas brasileiras aptas a oferecer uma jornada diária de 7 horas, pudessem abarcar 25% das matrículas da educação básica. Em 2021, só tínhamos quase 15,1% dos estudantes brasileiros nessa educação em tempo integral.

Mas a ampliação da jornada diária da escola brasileira deve vir acompanhada de uma formação integral. Por isso, mais importante do que falarmos em escola de tempo integral, é a gente se apropriar do que vem representar uma escola de formação integral.

Uma escola de formação integral preza, sobretudo, por uma educação inclusiva, para todos e todas. As dimensões formativas dos estudantes perpassarão várias dimensões do conhecimento, para além do meramente curricular, ou de um currículo que não trate as dimensões físicas, intelectuais, culturais e sociais como equiparados na sua importância. E para uma escola de formação integral prosperar, temos que fomentar uma política educacional que preze pela valorização profissional dos/as educadores/as, professores/as e funcionários/as da educação. Precisamos de profissionais preparados para trabalhar as questões pertinentes ao currículo e ao projeto político-pedagógico de nossas escolas. É uma tarefa árdua que deve ser empreendida tanto pelos cursos de formação inicial e continuada quanto pelos sistemas de ensino e pelas próprias escolas, levando-se em conta, também, a democratização e eficiência da gestão.

Quanto ao aspecto curricular, os profissionais necessitarão compatibilizar as atividades pedagógicas de classe e extraclasse, ressignificando o aprendizado dos estudantes. O contexto social da escola, com a cidade, com o bairro, com as famílias e universidades, por exemplo,é importante porque integra a escola às realidades do mundo, mediante a valorização do trabalho como princípio educativo. É fundamental que aprimoremos a sintonia entre os/as profissionais da educação básica com os cursos de licenciatura das universidades, de modo que se consolide um caldo mais positivo e favorável para que, somente assim, o magistério e as atividades escolares em geral voltem a ser atrativos para a nossa juventude cogitar as atividades inerentes às escolas como possíveis futuros profissionais.

Outro pilar de uma escola de formação integral é a necessidade imperativa de uma gestão democrática. O Projeto Político e Pedagógico (PPP) de nossas escolas deve voltar a ser, nesse modelo de uma formação integral, tarefa de toda a comunidade escolar, e não só uma obrigação formal e burocrática. A sua elaboração, bem como o seu desenvolvimento e a avaliação do projeto, devem ser produto coletivo de todos os atores educacionais. O PPP tem por princípio superar a recorrente divisão social do trabalho e as práticas autoritárias existentes na escola, fomentando os conselhos escolares, grêmios estudantis, associações de pais, de moradores, dentre outros grupos constituídos na comunidade escolar. Só assim, poderemos avançar para um modelo educacional que não se preocupe somente com o aumento da jornada diária, mas, sobretudo, com uma formação mais ampla e geral, portanto mais integral, dos nossos estudantes brasileiros, já tão atacados com a essa proposta de Novo Ensino Médio, a antítese de uma Escola de Formação Integral.

Por Heleno Araújo, professor, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e atual coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE) - 24/07/2023




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