Pedagogia da ansiedade
Pedagogia da ansiedade
Uma análise sobre o texto A pedagogia da ansiedade nas protoprisões escolares
O artigo de Rick Afonso-Rocha avança ao denunciar a escola como “protoprisão”, aparelho disciplinador que, por meio da ansiedade, adestra corpos para a docilidade e mentes para a obediência. A crítica é contundente na superfície do fenômeno, mas carece de enraizamento no terreno marxiano, onde a pedagogia da ansiedade se revela não como anomalia, mas como necessidade estrutural da sociabilidade capitalista.
No capitalismo neoliberal, a ansiedade não é um sintoma, mas um método de governo das subjetividades. A lógica da competição e do desempenho, naturalizada em notas, rankings e métricas de produtividade, é o modo específico de reprodução ideológica do capital na escola. A ansiedade é o afeto funcional da alienação, disciplina o corpo e fragmenta a consciência, convertendo o estudante em trabalhador antecipado: treinado para a submissão, condicionado à obediência e educado para a culpa.
Nas periferias das grandes e médias cidades, onde a ampla maioria da juventude já se encontra proletarizada, o processo assume contornos ainda mais agudos. Esses jovens não são preparados para a exploração futura; são gestados dentro dela. A escola, enquanto “protoprisão”, não os liberta do trabalho alienado, mas os integra a ele, oferecendo-lhes a gramática moral do capital: o medo do fracasso, a interiorização da culpa e a naturalização da desigualdade. Assim, a pedagogia da ansiedade torna-se o prolongamento simbólico das fábricas, dos aplicativos e da precarização estrutural do trabalho.
A função da ansiedade é dupla. Primeiro, fragmenta a experiência humana, destruindo a possibilidade de apreensão da totalidade social. O estudante ansioso aprende conteúdos sem compreender suas conexões históricas, porque o próprio currículo espelha a divisão social do trabalho: compartimentaliza o saber, separa o pensar do fazer, o manual do intelectual. A ansiedade é o cimento afetivo da concorrência. O medo do desemprego, internalizado desde cedo, é recodificado como culpa pessoal, como falha moral em não ser “competente” ou “empreendedor” o bastante.
É nesse ponto que a crítica marxiana propõe um deslocamento radical: a defesa da educação omnilateral. Marx a concebe como formação integral do ser humano em todas as suas dimensões: intelectual, prática, estética, política e afetiva, inseparável do processo histórico de emancipação da classe trabalhadora. A educação omnilateral é, portanto, o contrário da formação para o mercado: é a formação contra o mercado. Busca superar a cisão entre trabalho e vida, entre teoria e prática, entre necessidade e liberdade.
Enquanto a “protoprisão” fabrica indivíduos unilaterais, aptos a cumprir funções, mas incapazes de compreender a totalidade, a educação omnilateral propõe formar sujeitos livres, criadores de suas próprias condições de existência. É uma pedagogia da emancipação, não da adaptação. É incompatível com a lógica do capital porque educa para a autodeterminação, para o uso consciente e coletivo do tempo livre, para a apropriação crítica do mundo e de si.
Assim, a crítica à pedagogia da ansiedade só se completa quando supera o horizonte da “humanização” da escola disciplinar. Não se trata de suavizar as grades, mas de questionar sua própria existência. A escola capitalista não é um desvio reformável, mas um espelho da sociedade de classes: hierárquica, competitiva, produtivista e ansiosa. A superação dessa forma escolar implica a construção de uma nova sociedade, na qual a educação não sirva à reprodução do trabalho alienado, mas à realização omnilateral do ser humano.
A verdadeira educação integral, nessa perspectiva, é um projeto político de emancipação, só pode florescer quando o trabalho deixa de ser meio de sobrevivência e se converte em expressão livre da criatividade humana. Portanto, a crítica marxiana à pedagogia da ansiedade deve apontar não para a reforma das protoprisões escolares, mas para sua abolição, e com ela, para o fim da produção do proletário enquanto condição de existência. Somente então a escola deixará de ensinar a ansiedade para ensinar a liberdade.
Carlos Bauer é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
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