Perigo de livros queimados na praça

Perigo de livros queimados na praça

"O perigo é que se estenda e a gente veja livros queimados em praça pública", diz Jeferson Tenório

Autor falou ao programa Timeline sobre a retirada da obra de escolas no Rio Grande do Sul e Paraná

06/03/2024

 

O escritor Jeferson Tenório, autor do livro O Avesso da Pele (2020), mostrou-se preocupado, durante entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, sobre os recentes casos de censura em relação à obra. De acordo com o autor, este é mais um caso na literatura, que "sempre sofreu ataques".

— O perigo é fazer com que isso se estenda e, daqui a pouco, a gente veja livros sendo queimados em praça pública — desabafa o escritor.

Na semana passada, o livro O Avesso da Pele, publicado em 2020, foi removido da biblioteca de uma escola em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, devido a críticas da diretora da instituição, alegando vocabulário de "baixo nível". Apesar do apoio da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) reverteu essa decisão. Além disso, no estado do Paraná, o governo determinou o recolhimento da obra nas escolas estaduais, alegando a necessidade de análise devido a expressões, jargões e descrições de cenas consideradas inadequadas para menores de dezoito anos.

— O caso do Paraná é mais grave ainda porque a gente tem ali todas as informações e todos os indícios de uma atitude autoritária, muito exercida durante o regime militar — diz.

Na entrevista, o autor do livro ressaltou a importância de deixar a decisão, se os livros são adequados para uso ou não, nas mãos dos especialistas em educação e literatura.

— Nem a diretora e nem os pais têm condições pedagógicas para decidir o que os alunos devem ou não devem ler — afirma Tenório — Eu digo isso porque eu fui professor quase vinte anos em Porto Alegre, na Região Metropolitana, já enfrentei problemas como esse enquanto professor, de pais questionarem determinados livros. É uma coisa recorrente na escola — explica.

Tenório enfatizou que não se trata de uma obra sobre sexo — principal argumento apontado pelos pais que são contra esta leitura nas instituições de ensino  —, mas sim uma crítica à objetificação e sexualização das pessoas negras pela sociedade:

— As cenas de sexo não se sobrepõem ao que o livro realmente fala que é o racismo, a violência policial, o preconceito, a educação precarizada no Brasil.

Ele ainda defendeu a importância da literatura em abordar temas sensíveis e provocativos, ressaltando que é papel dos professores mediar essas discussões de forma adequada.

— Você não vai encontrar livros de qualidade que não tenham questões que vão incomodar o leitor. A literatura serve para isso, pra incomodar de fato. Agora, como isso é tratado na sala de aula e como isso vai ser levado pra sala de aula, depende da mediação do professor — diz em entrevista.

Sobre os casos de censura e recolhimento do O Avesso da Pele em escolas, Tenório mostrou aflição com a postura autoritária e conservadora adotada por algumas autoridades educacionais:

— A Constituição garante que o material que está na escola deve ser utilizado e não retirado. Nenhuma autoridade tem o poder de tirar livros ou qualquer tipo de material pedagógico da escola. Isso está na constituição.

Nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório é radicado em Porto Alegre e estreou na literatura com O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Ele também é autor de Estela sem Deus (2018) e O avesso da pele (2020), que venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário. Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, o mais jovem escritor e o primeiro negro escolhido para o posto. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol.

FONTE:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/noticia/2024/03/o-perigo-e-que-se-estenda-e-a-gente-veja-livros-queimados-em-praca-publica-diz-jeferson-tenorio-cltfxc737003a01988ahfn1q6.html 

 

 

 

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