Piora na aprendizagem no Ensino Médio
Piora na aprendizagem no Ensino Médio do RS foi mascarada por aumento nas taxas de aprovação
Avaliação da qualidade da Educação Básica leva em conta o resultado de provas de matemática e língua portuguesa e o percentual de alunos que passaram de ano
Isabella Sander - Repórter

Avaliada a cada dois anos pelo Ministério da Educação (MEC), a aprendizagem dos estudantes no final do Ensino Médio cresceu pouco no Brasil e caiu no Rio Grande do Sul desde 2007. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), porém, não mostra isso – o motivo é que o indicador, que é o principal instrumento de análise da qualidade dessa etapa no país, leva em conta, além do desempenho nas provas, a taxa de alunos que passaram de ano, que aumentou no período.
O Ideb é calculado com base no percentual de estudantes que foram aprovados naquele ano e nos resultados dos alunos nas provas de matemática e língua portuguesa aplicadas no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Entre 2007 e 2023, o índice entre os que estavam concluindo o Ensino Médio na rede pública subiu de 3,2 para 4,1 no Brasil (28,1%) e de 3,4 para 3,9 no RS (14,7%).
Já o desempenho nos exames teve aumento inferior em nível nacional (6,1%) e caiu 1,9% em nível estadual.
O resultado ruim foi puxado pelo baixo rendimento dos estudantes em matemática. Se a média brasileira foi de incremento de apenas 0,4% na nota no Saeb nessa disciplina entre 2007 e 2023, os alunos gaúchos apresentaram piora de 4,6% no período. Em língua portuguesa, o crescimento na nota foi de 6,4% no Brasil e de 2,3% no RS.
Em paralelo, a taxa de aprovação subiu 20,1% em nível nacional e 17,5% em nível estadual. O RS, conhecido por especialistas por ter uma tradição de reprovação, passou de uma média de 70% de estudantes do Ensino Médio aprovados, em 2007, para 82%, em 2023.
Diretor da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Bruno Eizerik realizou um levantamento focando nos dados nacionais.
— Na realidade, a aprendizagem dos nossos alunos aumentou muito menos do que índice de aprovação destes alunos, o que mascara a verdade, gerando um falso resultado positivo.
O desempenho vinha melhorando até que começou a pandemia – em 2017, por exemplo, a nota média no Saeb entre os alunos gaúchos foi 4,58, e passou para 4,88, em 2019. Em 2021, no entanto, caiu para 4,71. O resultado, em 2023, foi de 4,74, ainda aquém do período pré-pandêmico. Situação semelhante foi registrada no país.
— A pandemia prejudicou a rede privada, mas muito mais a rede pública. Além disso, nós não temos políticas de Estado para a educação, e aí eu falo de município, Estado e país. (...) Nós tínhamos um Novo Ensino Médio recém implementado que foi cancelado pelo atual governo. Em países que têm uma educação de referência, como a Finlândia e a Estônia, não importa quem é o presidente: a política educacional está traçada para os próximos anos.
Eizerik entende que falta um compromisso maior da própria população com a educação. Como exemplos, cita o fato de as escolas terem sido os primeiros espaços a serem fechados tanto durante a pandemia como, no ano passado, com a enchente. Na sua opinião, “é muito mais fácil subir a taxa de aprovação do que a de aprendizagem”.
— Se eu aumento de 97% para 98% a minha taxa de aprovação e mantenho a mesma aprendizagem, meu Ideb melhora. Então, às vezes, é muito mais fácil só passar o aluno para a frente.
O diretor da Fenep elogia algumas iniciativas do governo do RS, como o esforço para alfabetizar na idade certa – este um programa que reúne municípios, Estados e governo federal – e a oferta de aulas de reforço em língua portuguesa e matemática no contraturno, mas ressalta que os resultados sempre são vistos a longo ou, no mínimo, médio prazo.
Problema multifatorial
Pedagoga e professora da Faculdades Integradas de Taquara (Faccat), Aline Alves considera que a expansão desenfreada da oferta de cursos de licenciatura no formato de ensino à distância (EAD) nos últimos anos contribuiu com o ingresso de professores, nas escolas, que têm pouca experiência prática, o que repercutiu na qualidade de ensino.
O reforço na formação docente e o combate ao abandono escolar por parte dos alunos são dois elementos que, na opinião dela, precisam de um olhar especial. O principal, contudo, é o foco nas desigualdades sociais na base dessa pirâmide.
— É preciso haver políticas intersetoriais, que não contem apenas com as pastas de educação, para que aconteça uma melhoria na qualidade de vida da população. Mais de 80% dos alunos estudam em escolas públicas. Se isso não acontecer, será muito difícil revertermos esses quadros de baixa qualidade do ensino ministrado e da educação como um todo — pontua.
Aline cita ainda a movimentação a partir de 2016 para a reforma do Ensino Médio, o congelamento dos gastos com a educação nessa época e a própria pandemia como fatores que impactaram na redução da qualidade educacional. Ao mesmo tempo, ressalta que há muita gente trabalhando para melhorar a educação.
— A gente não pode se conformar com esses baixos índices e temos que sempre lotar. O Ideb não é o único critério de qualidade. Ele é importante, mas tem muitos outros critérios que precisam ser considerados, como infraestrutura das escolas, valorização e formação de professores, investimento em espaços qualificados para os estudantes se sentirem bem, ambiente institucional saudável, entre tantos outros — cita a professora.
Quem tem medo de matemática?
Em matemática, disciplina na qual foram registrados os índices mais baixos e leve piora no desempenho no RS, a professora Marilaine de Fraga Sant’Ana, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), avalia que acaba revelando problemas que são gerais de aprendizagem.
— A matemática tem uma linguagem muito própria que depende também da língua portuguesa: o estudante tem que dominar a leitura para, então, entender matemática. A matemática também traz uma carga emocional muito grande. Existe um histórico de aversão a matemática e um entendimento de que ela é só para grandes gênios, o que desmotiva — reflete a docente, que leciona no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática e na Licenciatura em Matemática da instituição.
Marilaine diz ter ressalvas com relação a avaliações externas como o Saeb, que entende que podem ser “um pouco perigosas”, já que boas notas podem revelar simplesmente que uma determinada escola ou rede treinou para aquele tipo de exame, e não um conhecimento genuíno. Entretanto, considera inegável que tem havido problemas sérios na aprendizagem.
Assim como Aline, a docente destaca a valorização dos professores – não apenas financeira – como um aspecto fundamental para reverter esse cenário. A educadora também aponta para a importância de humanizar a matemática, levando-a para os problemas cotidianos dos estudantes, como forma de desmistificá-la.
O que está sendo feito
Majoritariamente mantida pela rede estadual no RS, a oferta de Ensino Médio em escolas públicas tem recebido implementações de iniciativas, nos últimos anos, que a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) tem expectativa de que revertam em uma melhora na aprendizagem e, consequentemente, na nota do Saeb e do Ideb.
Uma das principais estratégias foi a criação dos Estudos de Aprendizagem Contínua, que envolvem atividades pedagógicas ao longo do ano para acompanhamento especialmente de estudantes que precisam de reforço em língua portuguesa e matemática. Alunos com bons desempenhos são incentivados a atuar como mentores, auxiliando os colegas. A cada trimestre, o aprendizado dos alunos é avaliado.
Há poucas semanas, a Seduc lançou também a Política de Proteção à Trajetória do Estudante, que visa prevenir a evasão escolar e deverá aumentar a taxa de aprovação dos alunos. É utilizada uma ferramenta de inteligência artificial na qual são registrados dados de frequência, motivos de afastamento e histórico dos estudantes. O sistema identifica padrões e classifica o risco de abandono escolar daquele indivíduo.
A partir dessa análise, as equipes diretivas podem planejar e executar ações de acordo com o perfil de cada aluno. Entre os principais fatores de risco mapeados estão insuficiência de renda, dificuldade de acesso à escola, violência, baixa autoestima acadêmica, questões de saúde física e mental e os impactos de eventos climáticos. Para cada um desses eixos, a política propõe medidas preventivas e mitigatórias.
Nos grupos mais vulneráveis, como estudantes gestantes, mães adolescentes e vítimas de violências, as ações incluem, por exemplo, adaptação curricular, flexibilização de frequência e apoio psicossocial. Em situações de emergência climática, são ativados protocolos de contingência que garantem transporte, acolhimento, continuidade do ensino e recuperação da aprendizagem.
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