Piso, simulações de salários
Piso dos professores: simulações de salários mostram o que está em jogo no julgamento do STF
Especialistas e sindicatos discutem a possibilidade de vincular o piso ao vencimento inicial dos professores, mas a medida pode afetar as finanças públicas
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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu adiar o início do julgamento virtual sobre a constitucionalidade do Piso Nacional do Magistério, previsto para a última sexta-feira. O motivo foi o pedido de diversos sindicatos para que o processo fosse avaliado de forma presencial na corte. O ministro relator Cristiano Zanin acatou às solicitações, mas não definiu uma data para a retomada da análise. Para esclarecer o que está em jogo e quais são os efeitos práticos do que pode ser definido, o EXTRA ouviu especialistas para explicar, de forma completa, os impactos do julgamento.
Para início de conversa, é preciso deixar claro que a ação versa sobre o cálculo de pagamento do piso. O Supremo decidirá se o piso será um valor genérico ou se será estabelecido como o vencimento inicial da carreira dos professores, afetando a estrutura salarial e o desenvolvimento das faixas e progressões salariais.Caso o STF decida pela vinculação do Piso Nacional ao vencimento inicial da carreira docente, isso pode significar uma valorização real para os professores da educação básica, mas também trará desafios financeiros para os estados e municípios.
O Piso Nacional do Magistério foi estabelecido pela Lei nº 11.738/2008, com o objetivo de valorizar os profissionais da educação básica. O valor do piso é reajustado anualmente com base no valor do salário mínimo, e para 2024 o montante é de R$ 4.580. No entanto, o valor do piso, que deveria servir como a base para o início da carreira docente, tem sido interpretado de forma distinta por diferentes esferas de governo, gerando controvérsias e distorções na aplicação da lei.
Simulações de salários
A aplicação do Piso Nacional como vencimento base traria um impacto imediato nas finanças dos estados e municípios. A pedido do EXTRA, Luciano Bravo, economista e CVO da Inteligência Comercial, fez simulações de como o novo modelo de cálculo afetaria os salários dos professores.
Segundo Bravo, um professor que recebe atualmente R$ 3.000, sendo R$ 1.500 de vencimento básico e R$ 1.500 em gratificações, teria seu salário reajustado para R$ 4.580, mantendo as gratificações, o que somaria R$ 6.080 no total.
Ele também fez simulações para profissionais com salários mais altos, como professores com vencimento básico de R$ 2.000 e salário total de R$ 5.000, que teriam seus rendimentos ajustados para R$ 7.580.
Já os professores com salário total de R$ 8.000, com vencimento básico de R$ 3.500, passariam a receber R$ 9.080.
– Esse reajuste seria significativo para muitos professores, principalmente para os que recebem abaixo do piso atual. Essas simulações, no entanto, são projeções baseadas na proposta em julgamento, e o impacto real dependerá da decisão do STF e, principalmente, de como estados e municípios aplicarão a mudança.
Expectativas
O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro(Sepe), que tem acompanhado de perto o julgamento, defende que o Piso Nacional seja tratado como o vencimento base da carreira docente. Diogo Andrade, diretor geral do Sepe, destacou a importância dessa vinculação para a valorização dos professores.
– A nossa expectativa é de que o STF reconheça o piso como a referência do primeiro nível da carreira docente, garantindo que o valor tenha um impacto real no desenvolvimento da carreira.
Ele acrescentou que, atualmente, o piso funciona como um teto, o que limita as possibilidades de valorização salarial. O grande anseio da categoria é que o piso seja aplicado ao plano de carreira, produzindo uma valorização salarial de fato.
– Hoje, o piso funciona como um limite. O que queremos é que ele seja o ponto de partida, e não o teto – completou o diretor do Sepe.
Debate complexo
O julgamento não é simples, e a complexidade da questão envolve diferentes aspectos, incluindo o impacto fiscal nos entes federativos. Sérgio Camargo, advogado especializado em Direito Público, afirmou que a decisão do STF pode ter um grande impacto econômico.
– O piso nacional terá que ser seguido por todos os estados e municípios, o que implicará em uma escalada salarial em toda a carreira docente, desde o primeiro nível até as faixas mais altas.
Ele ressaltou que essa mudança exigiria um ajuste significativo nas despesas públicas com educação, já que a fixação do piso nacional como vencimento básico geraria um aumento não apenas nos salários iniciais, mas também nas progressões de carreira, afetando diversos níveis e classes.
Por outro lado, Camargo também destacou que a questão vai além da questão salarial.
– O que está em jogo é o reconhecimento da carreira docente e a valorização dos professores, o que é uma forma de fortalecer a educação e melhorar os índices educacionais do país.
Alice Alpiri, advogada especializada em direito público, apontou os desafios dessa decisão. Ela destacou que a decisão do STF afetará não apenas os salários dos professores, mas também as finanças dos estados e municípios, que podem ter dificuldades em ajustar seus orçamentos para atender a essa nova realidade.
– A questão é mais complexa do que parece, e a decisão do STF precisa levar em consideração a capacidade fiscal dos entes federativos e os impactos nas políticas públicas de educação. afirmou Alpiri.
Preocupação dos governos
A grande preocupação dos governos, como alertou Diogo Pereira, presidente da Comissão de Direito Constitucional da Associação Brasileira de Advogados, é a possível violação do pacto federativo e da autonomia dos estados e municípios.
– A vinculação automática dos reajustes do piso à portaria do Ministério da Educação poderia concentrar demais o poder nas mãos do governo federal, afetando a autonomia financeira dos estados e municípios – afirmou Pereira.
Ele também destacou as diferenças orçamentárias entre os estados e municípios, que possuem realidades fiscais distintas.
– Os estados e municípios precisam ter liberdade para definir suas próprias políticas salariais, dentro de suas realidades financeiras. A concentração de poder no Ministério da Educação, com um reajuste automático, pode gerar instabilidade fiscal, especialmente nos estados com orçamentos mais restritos – finalizou.
Outro lado
Enquanto os sindicatos e os especialistas defendem a aplicação do Piso Nacional como vencimento base, os governos estaduais e municipais têm uma visão mais cautelosa sobre os impactos financeiros dessa mudança.
A Secretaria estadual de Educação do Rio de Janeiro, por exemplo, informou que está acompanhando de perto o caso e aguardará a decisão do STF para se manifestar.
A Procuradoria-Geral do Município do Rio de Janeiro, por outro lado, não retornou os pedidos de posicionamento até o fechamento desta matéria.