Popular na escola

Popular na escola

Popular na escola

31/08/2023 - BRUNA LOMBARDI

 

Tive amigas com problemas bem maiores que os meus. Aprendi a transmutar suas dores com uma conversa, um doce, um cinema. Hoje percebo que elas me ajudaram mais do que eu as ajudei .

Outro dia me perguntaram se fui uma dessas meninas populares na escola. Não, não fui. Pelo menos nunca me senti. Eu me via meio esquisita correndo descabelada pelos corredores.

Escolhia as amigas com mais problemas e maior senso de humor. Normalmente eu era mandada para fora da classe por provocar risadas. Eu e as loucas que gargalhavam comigo de castigo no corredor.

Muitas vezes no recreio, sozinha, me enfiava na biblioteca descobrindo livros de poesia. Eu escrevia boas redações, mas isso não me classificava em popularidade, só ajudava a equilibrar a matemática, que era uma tortura, com a professora mais chata que se pode ter.

Tinha problemas triviais, falta de saco para estudar, falta de grana, vivia confusa, detestava obedecer, tinha dificuldade de me encaixar nas regras, de sentir repressão. Escrevia diários onde confessava emoções repentinas. A euforia virava o mundo não me compreende, sou infeliz, na mesma frase.

Minhas três melhores amigas se autodefiniam problemáticas, e isso fazia eu me preocupar com elas mais do que comigo. O que me impediu de viver muito voltada para mim mesma nessa fase inicial da vida, quando o universo só gira em torno do nosso umbigo.

Tive amigas inseparáveis, grudadas, com problemas bem maiores que os meus. Fui compreendendo famílias disfuncionais. Comecei a conhecer sofrimentos que não tinha dentro de mim. O abandono de um pai, a mãe com depressão, o suicídio de um irmão. E falta de amor.

O drama das amigas trazia temporais sem abrigo, e eu precisava tirar elas desse poço. Os problemas delas se agravavam por uma espinha na cara ou um amor secreto que as ignorava.

Aprendi a transmutar suas dores com uma conversa, um doce, um cinema.

Hoje percebo o quanto isso me ajudou. Elas me ajudaram mais do que eu as ajudei. Minhas três melhores amigas se autodefiniam problemáticas, e isso fazia eu me preocupar com elas mais do que comigo. O que me impediu de viver muito voltada para mim mesma nessa fase inicial da vida, quando o universo só gira em torno do nosso umbigo.

No entanto, eu precisava girar em volta delas, tentando aplacar ataques de choro, de fúria, de depressão, de não quero sair de casa porque eu tô feia e coisas assim. A gente comia vários pedaços de bolo com sorvete para depois se entregar ao açoite do arrependimento.

Eu me via usando todos os meus recursos de alívio e consolo. Usando o meu arsenal de humor como distração. Eu precisava ser engraçada para tirar elas desses momentos de infelicidade.

Desenvolvi meu humor graças a elas e também por causa de minha mãe, que tinha um senso de humor extraordinário. Mas às vezes, derrubada por problemas cotidianos, se deixava abater. E era eu com piadas, palhaçadas e personagens que fazia qualquer esforço possível para ela ficar feliz.

Uma vez, na aula, tivemos que fazer um desenho para o Dia das Mães, e um menino começou a chorar. Disse que não tinha mãe. Fui eu que o socorri e sentei ao lado dele, com a minha invenção de gracinhas. Acho que essa sensação de poder fazer alguma coisa pelos outros se revelou cedo para mim e nunca mais me abandonou.

E assim consegui me salvar. Ao invés de ser o centro das atenções, era eu quem precisava prestar atenção nos outros.

De tudo o que aprendi na escola, isso foi o que mais me preparou para a vida.




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