Por trás do projeto Weintraub
Universidade: por trás do projeto Weintraub
Ministro quer levar ao extremo o “inovacionismo” – um projeto que pode eliminar área de Humanas, pesquisa básica e reflexão crítica, porque submete Ciência ao lucro, às patentes e à “produtividade” estéril
Publicado 26/07/2019
Nesta fala, o que vou expor são alguns resultados de um projeto de pesquisa a que venho me dedicando nos últimos tempos a respeito da mercantilização da ciência e da Universidade. O tema é amplo, são inúmeras as questões em jogo, e deste modo a exposição terá um caráter bastante esquemático.
O primeiro passo na realização do projeto foi a confirmação da hipótese de que tal mercantilização é uma faceta do movimento de ascensão e hegemonização do neoliberalismo, definido como a fase do capitalismo em que se intensifica a tendência à mercantilização universal, a transformar tudo em mercadoria. A mercantilização da ciência é o núcleo da reforma neoliberal da Universidade.
O segundo passo foi a constatação da complexidade do processo de mercantilização, que me levou a concebê-lo não como um único, mas como um conjunto de processos, que pode ser analisado em três categorias, a saber:
1) Processos em que a determinação dos rumos da pesquisa – ou, em outras palavras, a decisão sobre quais projetos de pesquisa devem ser financiados, e quais não – fica nas mãos do mercado.
2) Processos de empresariamento, entendidos como os que introduzem princípios e métodos típicos de empresas privadas na administração da Universidade.
3) Processos de expansão e fortalecimento dos Direitos de Propriedade Intelectual (patentes e direitos autorais), cujo estabelecimento é necessário para que a distribuição dos bens intelectuais seja feita da maneira própria das mercadorias, isto é, por meio de compra e venda.
Essa análise é inspirada num princípio, apresentado às vezes como um dos fundamentos da Economia, segundo o qual toda sociedade, para organizar sua vida econômica, deve ter instituições capazes de responder a três perguntas: o que produzir?, como produzir?, e como distribuir os bens produzidos? (De acordo com seus adeptos, no sistema capitalista as três perguntas são respondidas – da melhor forma possível – pelo mercado.)
Invertendo a ordem, vou primeiro fazer uma rápida observação sobre a terceira categoria, a seguir tratar um pouco mais extensamente da segunda, reservando a maior parte do tempo para a primeira.
Patentes e direitos autorais têm uma longa história, que começa no século XV, nas repúblicas de Florença e Veneza, não por acaso a época e o lugar onde acontecem os primórdios do capitalismo.1 Também não por acaso, um dos mais significativos pontos de inflexão dessa história ocorre na virada da década de 70 para a de 80 do século passado, momento que marca início da ascensão do neoliberalismo. O que caracteriza a nova fase é o fortalecimento e expansão dos Direitos de Propriedade Intelectual. Tal processo tem vários componentes. Um dos mais importantes é a ampliação das categorias de bens intelectuais às quais se aplicam esses direitos. Entre os bens que não eram, mas se tornaram patenteáveis encontram-se os medicamentos, a matéria viva, incluindo sementes, linhagens de células, organismos e genes, certos tipos de descobertas científicas, etc.; no campo dos direitos autorais, o software. Outros componentes do processo são: a ampliação dos prazos de validade de patentes e direitos autorais patrimoniais, o aumento da abrangência das patentes, e o estímulo à obtenção de patentes por pesquisadores trabalhando em Universidades e institutos de pesquisa. Um marco nesse processo foi a assinatura, em 1994, do acordo TRIPS que, na opinião de muitos críticos, favorece os países centrais em detrimento dos periféricos, incluindo o Brasil.
No que se refere à ciência, os direitos autorais patrimoniais são o fulcro em torno do qual se desenvolvem as transformações e polêmicas referentes à publicação de artigos científicos – o movimento do acesso aberto e o papel das editoras.
No campo da saúde, o componente mais importante é o referente às controvertidas patentes de medicamentos. Sobre esse tema entretanto acredito que vocês sabem mais que eu. Não vou me meter a ensinar o padre-nosso ao vigário; dou por encerrada esta etapa, e passo à segunda categoria de processos de mercantilização, a do empresariamento, isto é, da introdução de princípios e métodos típicos de empresas privadas na administração da Universidade pública e dos institutos públicos de pesquisa.
O objetivo primordial das empresas é maximizar o lucro, e o lucro é algo essencialmente quantitativo, expresso em unidades monetárias. A administração está a serviço desse objetivo: a boa administração é a que contribui eficazmente para a maximização do lucro. As universidades públicas e os institutos públicos de pesquisa, entretanto, não visam o lucro. Para implementar em seus domínios uma forma de administração estruturalmente igual à das empresas, é necessário um substituto para o papel do lucro, de algo a ser maximizado. O substituto é a produtividade, a razão entre os bens produzidos e os recursos gastos em sua produção. Para medir a produtividade é necessário medir o produto – esse é o papel da avaliação que, para cumpri-lo, precisa ser quantitativa. A administração baseada em avaliações quantitativas é uma faceta da transformação da Universidade num simulacro de empresa, e daquilo que é produzido (em especial, os artigos científicos) em simulacros de mercadoria.
A supervalorização do aumento da produtividade, em detrimento de outros valores é o que se chama produtivismo. Sendo a avaliação o principal instrumento de implementação do produtivismo, e sendo quantitativa, pode-se dizer que o empresariamento da ciência e da Universidade se manifesta como o produtivismo quantitativo.
Tratei desse tema num artigo que deve sair em breve em um número temático da Revista da Adusp sobre o produtivismo acadêmico. Na parte final do artigo exponho uma série de consequências nefastas – isto é, de efeitos colaterais negativos – do produtivismo quantitativo. A lista tem onze itens. São os seguintes:
- Queda na qualidade de vida dos pesquisadores;
- Incompatibilidade com o exercício da responsabilidade social da ciência;
- Falta de engajamento na defesa dos interesses da comunidade;
- Proliferação de más condutas;
- Erosão da ideia de autoria;
- Desvirtuamento das citações;
- Declínio na qualidade da produção;
- Periódicos predatórios;
- Desvalorização da docência;
- Custo;
- Fetichismo dos rankings universitários.
Passo agora à primeira categoria dos processos de mercantilização da ciência, a dos que colocam nas mãos do mercado a determinação dos rumos da pesquisa, de quais projetos devem, ou não devem, ser financiados. A estratégia do neoliberalismo tendo em vista esse objetivo consiste no que tenho chamado de inovacionismo. Numa primeira aproximação, o inovacionismo pode ser definido como o movimento, no campo das políticas científicas, que procura estabelecer a produção de inovações enquanto o objetivo primordial da pesquisa científica. Colocado nesses termos, parece não haver nada de errado com o inovacionismo. É verdade que nem tudo o que é novo é bom, nem tudo o que é velho é ruim, mas havendo tantos problemas que a humanidade enfrenta, é razoável supor que novas ideias são necessárias para superá-los.
Para captar o espírito do inovacionismo, entretanto, é imprescindível levar em conta o sentido com que o termo ‘inovação’ é usado no movimento. No sentido comum, registrado nos dicionários, uma inovação é algo novo, algo que não existia e passa a existir. No inovacionismo, contudo, o sentido é bem mais restrito: uma inovação é definida como uma invenção rentável, isto é, uma invenção que pode ser implementada por uma empresa, contribuindo para a maximização de seus lucros. Assim, numa segunda aproximação, o inovacionismo fica definido como o movimento que procura estabelecer a produção de inovações como objetivo primordial da pesquisa, sendo uma inovação entendida como uma invenção rentável.
Mas isso não é tudo. Se fosse, o inovacionismo não afetaria a ciência básica que, reconhecidamente, dá origem a aplicações rentáveis. Porém o que se observa é que o inovacionismo envolve uma postura desfavorável à ciência básica, que se manifesta de várias formas. Voltarei a essa questão mais tarde. A explicação para esse viés anti-ciência básica do inovacionismo consiste em que, por um lado, em cada projeto de pesquisa básica, o potencial de gerar aplicações é altamente incerto e as aplicações, quando existem, só se realizam a médio ou longo prazo. Por outro lado, refletindo o espírito do neoliberalismo, o mercado exige invenções não apenas rentáveis, mas rentáveis seguramente, e a curto prazo.
Na terceira aproximação, portanto, o inovacionismo é definido como o movimento, no campo das políticas científicas, que promove a produção de inovações como objetivo primordial da pesquisa científica, sendo uma inovação definida como uma invenção rentável seguramente, e a curso prazo.
A instância que determina o que é e o que não é rentável é o mercado, que dessa forma determina também os rumos da pesquisa científica, contribuindo assim para a mercantilização da ciência.
O inovacionismo surgiu na década de 1970, não por acaso o período em que o neoliberalismo ganha força, estimulado pela crise do Estado de Bem-Estar Social. O principal responsável – o pai, por assim dizer, do inovacionismo foi o economista inglês Christopher Freeman (1921-2010), autor do clássico The economics of industrial innovation, publicado em 1974, e considerado a Bíblia do movimento. A partir da segunda metade da década de 90 a inovação se estabelece como conceito-chave nas políticas científicas, primeiro nos países centrais, depois nos periféricos. Foi tão marcante esse avanço do inovacionismo que a palavra ‘inovação’ e seus cognatos invadiram outros domínios do discurso, tornaram-se palavras da moda, buzzwords, como se diz em inglês, usadas e abusadas especialmente na publicidade.
A meu ver, há dois tipos de críticas que podem ser feitas ao inovacionismo. O inovacionismo é um movimento global, e o primeiro tipo é universal, aplica-se a praticamente todos os países onde se realizam atividades científicas. O segundo tipo de crítica vale para o Brasil e outros países periféricos, como, por exemplo, a Argentina.
As críticas do primeiro tipo baseiam-se no fato de que o inovacionismo implica a desvalorização de pesquisas carentes de potencial gerador de inovações, mas que proporcionam benefícios para a humanidade. Há pelo menos três domínios de pesquisa dessa natureza. O primeiro já foi mencionado: trata-se do domínio das pesquisas básicas, que não satisfazem o requisito de rentabilidade segura e a curto prazo.2
O segundo domínio é o das pesquisas na chamada ‘área de humanas’, que compreendem as ciências humanas e humanidades. Com algumas exceções no campo das ciências humanas – como, p. ex., o setor que tem por objeto as políticas públicas – as pesquisas nesse domínio são desprovidas de potencial gerador de inovações.3
O terceiro domínio corresponde ao que várias ONGs e autores nos Estados Unidos chamam de science in the public interest – ciência do interesse público.4 A ciência do interesse público engloba pesquisas voltadas para a solução de problemas sociais cujos benefícios chegam à população sem passar pelo mercado. Ela busca aplicações não rentáveis, isto é, aplicações que não constituem inovações, mas não se limita a esse objetivo: também desempenha um papel crucial na própria detecção dos problemas, como os do buraco na camada de ozônio e do aquecimento global. Em muitos casos, os resultados de tais pesquisas não apenas não geram aplicações rentáveis, mas prejudicam os lucros das empresas, ao motivar a imposição de restrições em suas práticas. Um bom exemplo é o das pesquisas sobre os impactos dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o meio ambiente.
Os principais campos de investigação da ciência do interesse público dizem respeito: aos riscos das novas tecnologias, especialmente os organismos geneticamente modificados (OGM), à nanotecnologia e à geoengenharia; a formas alternativas de agricultura, como a agroecologia, a permacultura, e a agricultura orgânica; à Tecnologia Social, voltada para o melhoramento das condições de vida dos setores mais pobres e marginalizados da população, e desenvolvida como componente do sistema de Economia Solidária e, last but not least; no campo da saúde, às doenças negligenciadas e à medicina preventiva.
Para o bom entendimento deste primeiro tipo de crítica, vale a pena a seguinte observação. Se o princípio inovacionista fosse levado ao extremo, isto é, se a produção de inovações se tornasse absolutamente o único objetivo da pesquisa, então a ciência básica, as humanidades, uma boa parte das ciências humanas, e a ciência do interesse público deixariam de existir. Evidentemente isso não acontece, as pesquisas nessas áreas bem ou mal continuam a ser financiadas. Mas é evidente também, nas políticas científicas e tecnológicas inovacionistas, a tendência, que se manifesta de várias formas, a privilegiar as pesquisas potencialmente geradoras de inovações, em detrimento das outras.
Nos últimos tempos têm se observado sinais de que a comunidade científica internacional começa a reagir a essas consequências nefastas do inovacionismo. Um exemplo importante dessa reação foi o 18º Encontro do Global Research Council, realizado em São Paulo em princípios de maio deste ano.5 Participaram do evento cerca de 50 dirigentes de agências de fomento, provenientes de 45 países. A declaração de princípios aprovada no encerramento ressalta outras formas de contribuição da pesquisa científica para a sociedade, além da produção de inovações, e empreende uma defesa enfática da ciência básica.
O que ficou faltando, a meu ver, foi uma crítica mais explícita do ideário inovacionista, e o reconhecimento da necessidade de uma reavaliação ampla de suas políticas.
Passo agora ao segundo tipo de crítica, com foco no Brasil.
O inovacionismo chega ao nosso país por volta do ano 2000, e desde então tem sido energicamente promovido. No plano institucional, houve uma série de mudanças, começando com a criação dos primeiros fundos setoriais, em 1999, passando pela Lei da Inovação, de 2004, pela Lei “do Bem” (2005); pela inclusão do termo ‘inovação’ no nome do Ministério da Ciência e Tecnologia; etc., culminando no Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, promulgado em 2016. Concretamente, uma grande variedade de políticas são adotadas, como: o favorecimento, nas decisões sobre o financiamento de projetos, de pesquisas com maior potencial de gerar inovações; o estímulo à integração, ou casamento, como é chamado, da Universidade pública com as empresas privadas; a instituição de programas de estímulo financeiro para atividades de pesquisa e desenvolvimento nas empresas; a valorização da conquista de patentes por parte de pesquisadores trabalhando nas Universidades e institutos públicos de pesquisa; a criação de agências de inovação; a realização de campanhas, frequentemente envolvendo concursos, visando promover a “cultura de inovação”, etc.
E qual o resultado de toda essa mobilização? Considerando as evidências, é difícil não concluir que tem sido um fracasso. Ao longo das duas décadas desde quando as políticas inovacionistas começaram a ser implementadas, o nível de atividades de inovação no país em vez de aumentar vem diminuindo ou, na melhor das hipóteses, tem estagnado. As evidências encontram-se em estatísticas oficiais, especialmente a Pesquisa de Inovação Tecnológica, realizada pelo IBGE, e conhecida como Pintec. Outras estatísticas e fontes, como os rankings internacionais de inovação, apontam no mesmo sentido.
Como o tempo é curto, em vez de apresentar dados numéricos, vou apenas citar os títulos de matérias na mídia com que são noticiadas as divulgações periódicas das estatísticas. São títulos como “Inovação estagnada”, “Brasil não transforma ciência em lucro”, “Ciência no setor privado ainda frustra”, “Inovação em marcha lenta”, “Calmaria inquietante”, e “Quadro pouco animador”. A situação já não era boa, piorou muito na esteira da crise econômica iniciada em 2014.
Quais as causas do fracasso? Como argumentam alguns especialistas, ele não se deve a um suposto déficit de “cultura da inovação” por parte dos empresários. Não é por essa razão que eles não investem em pesquisa e desenvolvimento, mas simplesmente porque esse não é um bom negócio. E por que não é um bom negócio? Por causa do papel do Brasil na divisão internacional do trabalho, qual seja, principalmente o de produtor de commodities. Essa característica, como se sabe, acentuou-se nos últimos tempos, devido ao processo de desindustrialização da economia em curso. Segundo Fernanda de Negri, uma pesquisadora do IPEA, especialista na matéria, tal papel condiciona a estrutura da economia, dando origem a três fatores impeditivos do avanço das práticas inovativas. Em suas palavras:
“[…] os principais gargalos para a inovação no setor produtivo residem na interação de três fatores principais: eles são a estrutura setorial concentrada em setores pouco dinâmicos tecnologicamente; a baixa escala de produção das empresas, especialmente em setores mais intensivos em conhecimento; e a elevada internacionalização da estrutura produtiva brasileira, que desloca o núcleo de geração de conhecimento para fora do país.”6
A implicação desse diagnóstico é a de que a estratégia inovacionista só dará resultado se, e quando, houver uma mudança estrutural na economia, envolvendo a re-industrialização, a redução do papel de produtor de commodities, e alguma forma de nacionalização da economia. As perspectivas de um mudança dessa ordem, que já não eram promissoras, ficam ainda priores com o anúncio do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia que, segundo muitos analistas, fora outras desvantagens, tende a consagrar o papel de produtores de commodities do Brasil e demais países do Mercosul.
Decorre desta análise, naturalmente, a necessidade de se reavaliar a conveniência e a viabilidade do inovacionismo no Brasil, e de elaborar estratégias alternativas tendo em seu núcleo a revalorização da ciência básica, da área de humanas, e da ciência do interesse público.
Outra implicação, esta de natureza mais concreta, é a recomendação de que a comunidade científica, ao procurar legitimar sua reivindicação de recursos públicos, e de reversão dos cortes e contingenciamentos de verba, deixe de mobilizar o argumento de que a pesquisa científica é geradora de inovações, contribuindo dessa forma para o crescimento do PIB. Sendo reconhecido o fracasso da ofensiva inovacionista, o argumento evidentemente não se sustenta.
Termino com uma consideração a respeito da conjuntura.
Como se sabe, nos últimos tempos a Universidade pública e os institutos públicos de pesquisa vêm sofrendo uma série de ataques por órgãos estatais e setores da opinião pública, uma ofensiva que se intensificou com o início do governo Bolsonaro. Alguns ataques são bem concretos, como os cortes e contingenciamentos de verbas. Outros ficam mais no plano simbólico, visando desqualificar a Universidade pública, ora como palco de “balbúrdia” e de doutrinação ideológica de esquerda, ora como torre de marfim, indiferente aos problemas do povo e desperdiçadora de recursos públicos, além de socialmente injusta. Um episódio crítico da ofensiva deu-se em fins de abril, com estapafúrdias declarações e medidas do ministro da educação e do presidente, dirigidas especialmente, de um lado à Filosofia e à Sociologia, de outro a pesquisas sem resultados práticos imediatos. Ou, em termos mais gerais, à área de humanas, e à ciência básica. A reação veio com a vigorosas manifestações do dia 15 de maio.
Está claro que entre as motivações, os impulsos que promovem a ofensiva, encontram-se posições ideológicas mais profundas: o obscurantismo, o anti-intelectualismo, a teoria do marxismo cultural e uma visão utilitarista estreita e míope das funções da ciência na sociedade. O papel do ideólogo Olavo de Carvalho também não pode ser ignorado.
Por outro lado, a conexão com o inovacionismo salta aos olhos: não são precisamente esses os domínios desfavorecidos pelo estabelecimento da produção de inovações como objetivo primordial da pesquisa? Pode-se afirmar, portanto, que o inovacionismo é co-responsável pelos ataques que a Universidade pública vem sofrendo. Esta é mais uma razão para que a adesão a ele seja posta em questão.
Para concluir:
Roberto Schwarz chama de vício imitativo a importação acrítica por países periféricos – as ex-colônias – de ideias, costumes, valores, modas, etc. oriundos da metrópole. Para designar ideias desse tipo, que funcionam de forma diferente, mais inadequadas, nas ex-colônias em comparação com a metrópole, ele introduz a famosa expressão ideias fora do lugar. Numa publicação recente, procurei mostrar que o inovacionismo no Brasil é um bom exemplo de vício imitativo, e de ideia fora do lugar.7
1. V., de minha autoria, Neoliberalismo, patentes e direitos autorais: estudo introdutório.
2. Um episódio muito significativo, revelador da postura anti-ciência básica do inovacionismo, teve lugar no Brasil, durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 290, de 2013. Essa PEC tinha como objetivo tornar a Constituição Federal compatível com as mudanças legislativas que vieram a ser promulgadas em 2016 com o nome de “Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação”. Em sua versão original, a PEC simplesmente eliminava da Constituição a referência à ciência básica, colocando em seu lugar a inovação. Foi necessária uma enérgica mobilização da SBPC e da ABC para evitar que isso acontecesse. O resultado foi uma solução de compromisso, incorporada à Emenda Constitucional 85, promulgada em 2015: o termo ‘pesquisa científica básica’ foi mantido, porém em posição subalterna: no texto da Emenda, figura apenas uma vez, em contraste com as dezesseis ocorrências do termo ‘inovação’.
3. Um manifestação do desfavorecimento das ciências humanas e humanidades foi a exclusão desses domínios do programa Ciência sem Fronteiras, em sua primeira versão.
4. Sheldon Krimsky, Science in the private interest: has the lure of profits corrupted biomedical research? Oxford: Rowman & Littlefield, 2003.
5. Fabrício Marques, “Benefícios do investimento em ciência”. Pesquisa Fapesp 20(280), junho de 2019.
6. Fernanda de Negri, “Elementos para a análise da baixa inovatividade brasileira e o papel das políticas públicas.” Revista USP nº 93, março/abril/maio 2012.
7. Ciência no Brasil: entre “inovacionismo e declínio.