Privatização, descontinuidade e negligência

Privatização, descontinuidade e negligência: rede estadual perde quase 8 mil matrículas da EJA em 2024 e contraria 10ª meta do PNE
Ano após ano, dados do Censo Escolar produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e analisados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) escancaram o desmonte da Educação de Jovens e Adultos (EJA) executado por Eduardo Leite (PSDB) no Rio Grande do Sul. No ano passado, o CPERS já havia repercutido os números assombrosos de queda de matrículas na EJA, mas a cada novo levantamento, o enfraquecimento do direito ao ensino básico é aprofundado.
De 2023 para 2024, a rede estadual perdeu 7.944 matrículas na EJA: a redução mais brusca de um ano para o outro desde o fim da pandemia de covid-19 no Brasil, em 2021. Segundo o Dieese, a queda já chega a 46.827 matrículas desde 2019, o que representa uma retração de 65,3% no número de estudantes atendidas(os).
Mais revoltante ainda é que dos 14 estados brasileiros com mais matrículas na EJA do que o Rio Grande do Sul (acima de 24.876), nove são menos populosos que o RS. Pernambuco, Ceará, Pará, Piauí, Paraíba, Goiás, Maranhão, Alagoas e Amazonas – todos com menos de 10 milhões de habitantes (enquanto o RS tem 10.882.965 residentes) – registram mais de 25 mil estudantes matriculados(as) nessa modalidade de ensino.
“Existe uma invisibilização por parte da gestão pública, tanto municipal quanto estadual, quanto à demanda existente. Não se busca estudantes da EJA com editais ou apenas anúncios, é preciso busca-ativa. É responsabilidade do poder público ir nos espaços comunitários e sensibilizar as pessoas de que elas têm direito à educação”, destaca o professor do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSul) – Câmpus Sapucaia do Sul e membro da diretoria colegiada do Fórum de EJA do RS (FEJARS), Guilherme Reichwald Jr.
Para o educador, um dos exemplos de desmonte da EJA na rede estadual é o fechamento dos Núcleos Estaduais, os Neejas, em Porto Alegre (38º e 39º Núcleo do CPERS). Em 2024, o Neeja Paulo Freire foi transferido da Rua Coronel Bordini para a Rua Felipe de Oliveira com o argumento de que uma reforma estrutural seria realizada na sede. O CPERS, junto à comunidade escolar, lutou para que a instituição permanecesse no endereço de origem, mas a Secretaria de Educação (Seduc) ignorou a centralidade do aspecto territorial para as(os) alunas(os).
“Uma das concepções fundamentais da EJA é que não estamos falando de alunas trabalhadoras e alunos trabalhadores, estamos falando de trabalhadoras estudantes e trabalhadores estudantes e, nessa condição, a territorialidade é fundamental na oferta de turmas”, explica Guilherme.
Para onde estão indo essas(es) estudantes?
Nos últimos cinco anos, enquanto a rede pública perdeu educandas(os) no ensino básico, a rede privada ganhou. As escolas mantidas pelos governos federal, estadual ou municipal tiveram uma diminuição de 6,6% nas matrículas, já as instituições privadas computaram um aumento de 12,7%.
Em boa parte do Brasil, a disponibilização de vagas na EJA pelo Estado também vem sendo esvaziada e a tendência se repete no Rio Grande do Sul: em 2019, a rede privada contava com 25.916 matrículas na Educação de Jovens e Adultos, mas em 2024 somou 29.671.
Segundo a professora da Faculdade de Educação da UFRGS e pesquisadora em história da exclusão escolar e em estatísticas de educação, Natália Gil, o que tem ocorrido é uma privatização das matrículas. Como as redes públicas de educação não abrem novas escolas e mantêm as instituições de ensino já existentes muito precarizadas, as famílias acabam fazendo um esforço financeiro a mais para pagar matrículas em escolas privadas e baratas.
“Não significa que a população está mais enriquecida. Na verdade, não é esse público que está migrando, mas sim um público que optaria pela escola pública e que tem direito a ela, mas dada a precariedade das instituições vai para outra rede”, reitera Natália.
Onde é preciso custear os estudos, contudo, as aulas acontecem geralmente na modalidade EAD e demandam a presença das(os) estudantes somente uma vez na semana, comprometendo o processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Guilherme, trata-se, mais uma vez, de um modelo privatista da educação. “A EJA é mais do que a escolarização em si, ela pressupõe também a questão da socialização e da afirmação das identidades de grupos e de gênero numa perspectiva muito freireana e da educação popular de emancipação das pessoas”, conclui.
Os números do Censo Escolar de 2024 contextualizados pelo Dieese, portanto, revelam um cenário repulsivo de debilitação do direito constitucional ao acesso à educação. Ainda que o artigo 205 da Carta Magna defina como dever do Estado a garantia desse direito, no Rio Grande do Sul governado por Eduardo Leite (PSDB), o que se vê é a descontinuidade de políticas públicas voltadas à EJA, a privatização da educação e, consequentemente, o descumprimento da Constituição Federal. Além disso, os dados colocam o estado gaúcho em desacordo com a meta 10 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê a ampliação da EJA, inclusive integrada à educação profissional.
Para o CPERS, o desmonte é evidente e os impactos no futuro do RS são imensuráveis. O Sindicato seguirá impulsionando o enfrentamento necessário por uma EJA fortalecida, atuante, qualificada e pública! Como disse Paulo Freire no livro “Ação cultural pela liberdade e outros escritos”, seria ingenuidade esperar que as classes dominantes criassem uma educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de maneira crítica. Por isso, a mobilização coletiva é o caminho. À luta, companheiras(os)!
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