Professor, cadê o apoio?

Professor, cadê o apoio?

Professor, cadê o apoio? Também está adoecendo

A ausência de políticas estruturantes para trabalhadores da educação compromete diretamente o trabalho docente

 05/08/2025

 

Por Valter Mattos da Costa*

“Na escola pública estão as massas trabalhadoras, os desvalidos, os desempregados, os mal-remunerados, os humilhados, os oprimidos, os explorados, os que não têm nada a perder, mas que nutrem a esperança de um mundo justo e fraterno.” (Gaudêncio Frigotto. UERJ, 2017)

As escolas públicas de ensino básico no Brasil não funcionam apenas com professores, coordenadores e diretores. Nos bastidores do cotidiano escolar, existe uma engrenagem silenciosa composta por trabalhadoras, trabalhadores e trabalhadorxs que garantem o mínimo para que o ensino aconteça.

São os chamados profissionais de apoio. Pessoas que limpam os banheiros, servem a merenda, vigiam os pátios, acolhem alunos com deficiência e mantêm a ordem administrativa funcionando. Auxiliares de serviços gerais, agentes de portaria, cozinheiras, inspetores de alunos, secretárias escolares, cuidadores e mediadores compõem esse corpo essencial.

Não estão na lousa, mas sem eles a aula não começa – e muitas vezes nem termina. Atuam de forma essencial para o funcionamento das unidades escolares, reiterando, suas salas de aula, pátio, quadra, banheiros, corredores, refeitório, portaria etc. – ou seja,  o chão de fábrica do ensino básico.

O problema é que esses profissionais, mesmo sendo legalmente reconhecidos como parte dos chamados profissionais da educação, seguem sendo invisibilizados por governos que insistem em enxergar a escola como um espaço meramente conteudista, com resultados friamente medidos por métricas muitas vezes impostas de forma exógena ao ambiente escolar. Na prática, os profissionais da educação são os novos operários do ensino básico.

A ausência de políticas estruturantes para esses cargos compromete diretamente o trabalho docente. Um professor que precisa cuidar da disciplina do recreio, às vezes até limpar a sala ou resolver sozinho os conflitos de alunos com deficiência, não ensina — apenas sobrevive (e administra o caos). O apoio não é luxo: é condição para o exercício pedagógico.

Como lembrou a professora e autora de materiais didáticos Leila Rensi, em vídeo que circulou nas redes sociais, o professor de hoje está desautorizado. Em suas palavras: “Uma outra questão que vejo hoje, que não tinha na nossa época, o professor é muito desautorizado hoje. Ele é desautorizado por várias famílias. As famílias vão lá xingar o professor. Esta coisa de querer gravar o professor…”.

A fala escancara o cenário: professores deixaram de ser autoridades morais da escola e passaram a ser alvos de suspeição, sem que se pense nas condições em que trabalham, especialmente quando estão sozinhos.

Certa vez, vi uma inspetora recém-concursada chegar animada à escola. Em menos de uma semana, pediu exoneração: estava assustada com a agressividade dos alunos e disse que preferia trabalhar como manicure, onde ganhava mais e sem precisar de Rivotril para suportar o estresse.

Em caso recente ocorrido na 7ª Coordenadoria Regional de Educação (7ª CRE), vinculada à Secretaria Municipal de Educação (SME) da cidade do Rio de Janeiro — segundo relatos de quem estava presente e registros em vídeo que circularam nas redes sociais — evidencia esse desrespeito.

Durante o recesso escolar, sem qualquer aviso formal, diretores foram surpreendidos com a demissão em massa dos profissionais de apoio. A nova empresa contratada — que já possui histórico de irregularidades trabalhistas – substituiu colaboradoras com cinco anos ou mais de vínculo com a comunidade escolar, muitas das quais têm filhos matriculados nas próprias unidades. As equipes gestoras não puderam indicar nomes, tampouco participar do processo de transição.

Além da perda de autonomia das unidades escolares, houve também graves falhas operacionais. Não está claro quem limpará banheiros em horários críticos, como o almoço, tampouco se os novos profissionais terão o adicional de insalubridade necessário.

A ausência de formação prévia também preocupa. Lidar com banheiros de crianças de quatro ou cinco anos, por exemplo, exige confiança e preparo. Desconsiderar isso é, no mínimo, irresponsável – haja vista que os antigos contratados já sabiam lidar com a rotina das escolas.

Para agravar, há denúncias de que parte das vagas teria sido preenchida por indicação de vereadores, em detrimento de funcionárias já inseridas na rotina das escolas. Isso pode ter transformado um processo técnico em barganha política.

Houve tumulto, funcionários na porta da 7ª CRE desde a madrugada (uma confusão generalizada), e diretores sem saber o que dizer a suas equipes. Conselheiros escolares desceram ao Nível Central da Secretaria Municipal, cobrando respostas. Um silêncio “ensurdecedor” foi a principal resposta.

Este tipo de problema é antigo e envolve outros setores do funcionamento das escolas, e, obviamente, não está restrito à SME-Rio.

Em 2023, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ajuizou ação exigindo que os municípios garantam apoio escolar especializado a estudantes com deficiência, com profissionais devidamente capacitados. A ausência desses mediadores compromete a inclusão e impõe ao professor uma tarefa impossível: ensinar e atender sozinho à diversidade de necessidades em sala de aula.

No debate nacional, especialistas alertam para o aumento, nos últimos anos, de matrículas de alunos com deficiência ou neurodivergência – necessitando de atendimento especial – sem o correspondente aumento de recursos humanos e físicos. Há carência crônica de professores preparados, salas de recursos multifuncionais e pessoal de apoio para o Atendimento Educacional Especializado. Sem investimento, a educação inclusiva vira retórica vazia (CÂMARA FEDERAL, 2023).

O Observatório da Educação do Instituto Unibanco reforça: a inclusão só se efetiva quando há trabalho coletivo. Professores, gestores e profissionais de apoio devem atuar como comunidade educativa. A falta de apoio, formação continuada e estrutura inviabiliza essa proposta e esvazia o princípio da equidade (INSTITUTO UNIBANCO, 2023).

O sindicato dos servidores municipais de São Paulo também denunciou o descaso da prefeitura ao anunciar a terceirização de cinquenta escolas. Para o sindicato, trata-se de uma tentativa de fragilizar a educação pública, substituindo vínculos estáveis, advindos de concursos públicos, por contratos precários. A medida representa a erosão de um projeto de escola pública com base comunitária (SINDSEP, 2023).

Estudos acadêmicos já demonstram a relevância dos inspetores de alunos para a redução da indisciplina e promoção de ambientes de aprendizagem mais seguros. Sua presença constante nos espaços escolares permite identificar conflitos antes que explodam, além de apoiar o trabalho do docente em sala de aula (Site: MONOGRAFIAS BRASIL ESCOLA, 2020).

Já os serviços de limpeza, alimentação e secretaria são igualmente estruturantes. A ausência ou precarização dessas funções sobrecarrega professores e compromete o vínculo dos alunos com a escola. Quando falta merenda, o foco do estudante não está mais na aula, mas no estômago (BAPTISTA; FREITAS; HAAS. SCIELO, 2022).

A escola é um organismo coletivo, e o professor é apenas um de seus pilares. Quando se retiram os outros, tudo desaba. A pergunta que não quer calar é: quem ainda sustenta esse prédio? O apoio, professor, também está adoecendo – ou pior, está sendo sumariamente descartado.

*Professor de história, especialista em história moderna e contemporânea e mestre em história social, todos pela UFF, doutor em história econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.

 

FONTE:

https://iclnoticias.com.br/professor-cade-o-apoio-tambem-esta-adoecendo/?fbclid=IwY2xjawMExZRleHRuA
2FlbQIxMQBicmlkETF4aEpBN2lFS3ZEUXJWU1A1AR6G8loV4BXx7agrfLbIu6mFPH6uTzJX4s164qu98IkodZWi0vUXHnTL
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