Professor desprestigiado

Professor desprestigiado

Professor desprestigiado, salários indignos e a imprensa que erra o foco da crítica

Não é por acaso que o Brasil é um dos países em que mais se adoece na profissão docente

 27/06/2025

 

 

Por Valter Mattos da Costa*

 

É fácil apontar o atraso educacional do Brasil. Difícil é dizer com todas as letras que a crise tem nome, rosto e contracheque: professores desvalorizados em um país que finge não ver.

A chamada do editorial publicado por O Globo em 24 de junho diz muito: “Brasil decepciona com avanço lento do ensino”. De fato, decepciona — mas não por falta de diagnósticos.

O problema é que o editorial identifica os sintomas, mas evita a causa estruturante. Os dados do IBGE são claros, o título é correto, mas o texto é exíguo diante do essencial.

O Globo menciona que “em 2024, a proporção de jovens no ensino médio na série correta foi de 76%, ante 68,2% em 2016”, e trata isso como insuficiente. Está certo. Mas quem sustenta esse avanço?

Professores adoecidos, mal pagos, sobrecarregados e cada vez mais pressionados por uma lógica de desempenho que ignora as condições materiais da docência. Sem salário digno, a Educação básica brasileira continuará colapsada.

Em artigo publicado aqui ICL Notícias, em 7 de maio de 2024 — Sem rodeios: os professores ganham muito mal — deixei claro que o nó da questão educacional está nos baixos salários da categoria.

A constatação de que o Brasil levará “20 anos para alcançar o patamar da OCDE na escolaridade dos adultos” não deveria espantar tanto. Com professores desvalorizados, a marcha será sempre lenta.

Trata-se de um sistema que se recusa a enfrentar o óbvio: educação é um processo de relações humanas e sociais, e não apenas uma cadeia de resultados em avaliações padronizadas.

É necessário dizer: nenhuma reforma curricular, plataforma digital ou plano estratégico resolverá a crise se os profissionais da base da pirâmide seguirem sendo tratados como descartáveis.

A precarização da carreira docente virou política de Estado. Os professores, especialmente do ensino básico, ganham mal, enfrentam jornadas exaustivas e ainda carregam a culpa pelos números negativos que o sistema político lhe impõe.

 

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O Globo escreve que “a frustração se estende também aos adultos” e menciona taxas de escolaridade negativas. A frustração maior é saber que os profissionais da Educação, muitas das vezes responsabilizados por essa formação ineficiente, são os mais desamparados por aqueles que deveriam cuidar do efetivo processo educativo.

Não é por acaso que o Brasil é um dos países em que mais se adoece na profissão docente. Há assédio moral, desrespeito, sobrecarga e uma política que o culpabiliza sem o devido suporte.

Enquanto isso, “a elite” política e empresarial que produz relatórios sobre “excelência educacional” vive à margem da escola real. Não pisa no “chão de fábrica”, as salas de aula, mas dita suas regras.

Na base, temos Paulo Freire, do qual tiramos a nossa resistência para conscientizar a galera discente. Sua “Pedagogia do Oprimido” virou trincheira simbólica num cenário em que a opressão se atualiza sob novos disfarces tecnocráticos — prejudicando tanto quem tenta ensinar quanto aqueles que tentam aprender.

Quem avalia os poderosos avaliadores do nosso trabalho? Quem cobra dos governos o compromisso com o piso salarial? Quem fiscaliza as verbas da educação pública que escorrem em parcerias com empresas de “inovação”?

 

 

O jornalismo que se propõe sério deveria responder a isso. Mas O Globo, ao silenciar sobre os salários dos professores, contribui para a manutenção de uma estrutura que sabota a própria escola.

É preciso ir à raiz. O problema da educação brasileira não está apenas na “preguiça” dos estudantes ou na pandemia, como parece sugerir o editorial. Está na miséria institucionalizada da profissão docente.

Falar em metas de escolaridade sem discutir a humilhação salarial de quem ensina é fazer malabarismo retórico. E nisso, O Globo, infelizmente, é especialista.

A imprensa que se diz comprometida com a educação deveria começar reconhecendo: sem salário digno, sem valorização humana e profissional, não haverá futuro educacional que se sustente.

 

*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora

 

FONTE:

https://iclnoticias.com.br/professor-desprestigiado-salarios-indignos/ 




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