Programas de convivência escolar
“Precisamos de programas nacionais de convivência escolar”, diz Miriam Abramovay sobre ataque em escola
POR INGRID MATUOKA 29/03/2023
Quando acontece um ataque em escola – episódio caracterizado pela violência extrema contra professoras, estudantes e funcionários no ambiente escolar – medidas como a presença policial, catracas e câmeras costumam ser as primeiras a serem discutidas. Experiências internacionais, porém, avisam que políticas repressivas não são eficazes ou suficientes para enfrentar a complexa violência dentro dos muros da escola.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Miriam Abramovay, coordenadora do Programa de Estudos e Políticas sobre Juventude, Educação e Gênero: violências e convivência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), explicou como a escola se torna palco dessas violências, por quais motivos as medidas repressivas não funcionam e as alternativas a elas.
“Começa com grande pesquisa sobre o tema, depois falar sobre a questão da supremacia, fortalecer os grêmios, retomar as disciplinas das humanidades, criar uma política pública de convivência e realizar diagnósticos e formação nas Secretarias de Educação, e junto aos professores e todos os profissionais da Educação”, explica a especialista, que é parte do Coletivo Articulador do Centro de Referências em Educação Integral.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Centro de Referências em Educação Integral: Nesta semana, assistimos a mais um ataque em escola pública brasileira, na E.E. Thomazia Montoro, em São Paulo (SP). O episódio de violência extrema ecoa outros casos ocorridos em Realengo (RJ), Suzano (SP) e Aracruz (ES). Na sua opinião, o que explica essa escalada e por que a escola – e não outro espaço qualquer – tem sido palco dessas violências?
Miriam Abramovay: A escola é o principal espaço social das crianças, adolescentes e jovens. Ela pode ser o espaço de socialização, de criar amizades, de ter relação com o saber e com os professores. Mas ela também pode significar o espaço da não atenção, de problemas com os professores e relações sociais tensas com os colegas. De precariedade da estrutura física, da comida e dos banheiros. São detalhes importantes para a relação positiva ou negativa com a escola. Sem falar na violência institucional que algumas praticam em seu cotidiano.
Mas nesses últimos 4 anos, sobretudo, vivemos tempos difíceis. Por um lado, os discursos de ódio sendo autorizados em toda parte, e a questão da propaganda das armas, inclusive as brancas. Por outro, a perseguição a professores que abordam questões de direitos humanos. Teve também o isolamento social, que afastou as crianças e adolescentes do espaço de debate que é a escola.
O que sobrou para alguns adolescentes e jovens isolados da sociedade, que sofrem violências na escola e fora dela, foi o acolhimento que encontraram em grupos extremistas na internet.
CR: Quando esses casos de ataque em escola acontecem, é comum surgirem medidas repressivas, como a presença da polícia no ambiente escolar. Por que essa estratégia não é adequada?
MA: Sempre se tenta judicializar a violência nas escolas. Existe uma percepção muito adultocêntrica de que a polícia resolve todos os problemas. Mas colocar a polícia na escola só a enfraquece. Ela é um lugar de proteção e deve ser protegida também, mas não é caso de polícia.
As experiências internacionais mostram que quando a polícia está dentro da escola, as violências só aumentam. Os estudantes assumem que a escola não pode fazer nada e então eles podem fazer tudo. E é uma medida repressiva, que não pode estar ligada à educação. A polícia tem que estar nas ruas para que não morram jovens negros, para que não aconteça o feminicídio.
CR: O que precisaria ser feito, idealmente, para combater a violência extrema e ataques em escolas em diferentes esferas do poder público? Por parte das escolas, como a Educação Integral pode apoiar?
MA: Precisamos de programas nacionais de convivência escolar, que partam de um diagnóstico da questão da violência nas escolas. Esse diagnóstico vai possibilitar pensar em políticas públicas mais efetivas a nível federal, estadual e municipal. Todas essas esferas têm que trabalhar em conjunto em torno desse tema.
Assim, as escolas vão produzir seus próprios diagnósticos e as Secretarias de Educação também precisam formar e discutir esse tema com os professores. As redes sociais, por sua vez, precisam de maior controle para combater os fóruns de propagação de discurso de ódio.
Já em relação ao trabalho pedagógico, a Educação Integral dá a oportunidade, em termos de tempo e de conteúdo, de discutir cotidianamente o extremismo da direita, as violências, as redes, as fake news e as masculinidades, já que as vítimas costumam ser meninas e mulheres, e os agressores são meninos e homens. E não precisa de uma disciplina específica sobre violência nas escolas, porque isso tem que fazer parte de todas elas.
Também é preciso discutir com as crianças e adolescentes o que é a rede social, como surge o extremismo, por que existe crime de ódio, por que esses estudantes muitas vezes usam símbolos nazistas e fascistas, o que são as masculinidades e a masculinidade tóxica, e como tudo isso leva a essa radicalização.
A Educação Integral também olha para os sujeitos inteiros, o que significa dar espaços para que as crianças e adolescentes se expressem. Mas, muitas vezes, a escola é um espaço fechado para a expressão para eles. O que acontece com cada um não é discutido cotidianamente, e deveria. Isso não passa necessariamente por ter um psicólogo na escola, mas por criar espaços de diálogo para eles entenderem que o que eles sentem não é só deles, para que possam trocar e se fortalecer.
Em resumo, a escola precisa trabalhar Direitos Humanos. No âmbito da transição governamental para a gestão Lula-Alckmin, o Daniel Cara, um dos coordenadores do Grupo Temático de Educação, elaborou o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental“. O documento traz ponto por ponto do que precisa ser feito.
Destaco alguns: começa com grande pesquisa sobre o tema, depois falar sobre a questão da supremacia, fortalecer os grêmios, retomar as disciplinas das humanidades, criar uma política pública de convivência e realizar diagnósticos e formação nas Secretarias de Educação, e junto aos professores e todos os profissionais da Educação.
FONTE: