Promover a aprendizagem ativa no retorno
O que o professor precisa para promover a aprendizagem ativa na volta às aulas
Investir no uso de estratégias como roteiros de ensino e aplicar presencialmente métodos usados para engajar os alunos durante quarentena são algumas estratégias apontadas por especialistas
por Maria Victória Oliveira 17 de julho de 2020
Desde março, quando as aulas presenciais foram suspensas para conter a disseminação acelerada do novo coronavírus, o debate educacional teve diversas direções. Ao mesmo tempo em que muitas pessoas se diziam preocupadas com o que será do ano letivo de 2020 e como escolas poderão ‘recuperar o tempo perdido’, outras reforçavam que o momento pede atenção à saúde mental de professores e alunos.
Com a volta das aulas presenciais no horizonte, é inevitável pensar qual tipo de metodologia diretores, coordenadores e professores irão adotar para os pouco mais de três meses restantes do ano escolar. Muitos estudiosos reforçam que a pandemia acelerou debates que já aconteciam antes, como a indiscutível sobrecarga de currículos escolares no mundo todo.
Repensar os conteúdos obrigatórios em um movimento de redesenhar o currículo é um dos caminhos possíveis para evitar excesso de informações nos estudantes, sobretudo em um momento de fragilidade. Com as aulas virtuais, muitos professores puderam ver na prática que os esforços devem ir além da montagem de uma aula, e envolver metodologias para, de fato, engajar os estudantes no aprendizado. Uma das possibilidades para isso é justamente incentivar a promoção da aprendizagem ativa.
Suporte emocional e recuperação do conteúdo
Durante webinário “Como promover aprendizagem ativa durante a quarentena”, Leticia Lyle, sócia-fundadora da Camino Education, explicou que uma das premissas da aprendizagem ativa é propor conteúdos que tenham alguma relação com a vida dos estudantes, de forma a despertar mais interesse e incentivar sua participação.
Nesse sentido, ela reforça que um primeiro passo para a readaptação da vida na escola é fornecer um apoio emocional, discutir sobre os acontecimentos e se mostrar verdadeiramente preocupado com o estado dos estudantes, antes mesmo de pensar em conteúdos.
Segundo a especialista, para trabalhar todos os aspectos cognitivos e o conteúdo curricular, é necessário que os alunos estejam em condições de aprender. “Quem aqui conseguiu ir para a escola e aprender no dia que seu cachorrinho tinha falecido ou quando os avós estavam doentes? É muito difícil, pois o cérebro está respondendo ao estímulo de se preservar, e não de aprender coisas novas.”
Especialistas, consultores e professores demonstram preocupação com a possibilidade de o momento ser ignorado por algumas instituições de ensino que seguem linhas mais conteudistas, dando maior foco a todo o conteúdo que ficou para trás e não à capacidade de os estudantes de fato apreenderem os ensinamentos, como explica Letícia.
“O pior de tudo é que eu consigo imaginar situações em que os alunos irão ouvir frases como ‘gente, temos muita coisa para recuperar, vocês vão ficar para trás, então prestem muita atenção’. Uma das coisas que mais me preocupa com a retomada é que professores e alunos fiquem com esse ônus da pandemia, como se eles tivessem que correr atrás de matérias e conteúdos e não nós que tivéssemos que nos reorganizar a partir de um cenário que foi completamente fora de controle.”
Usando a aprendizagem ativa para respeitar e envolver
Para Letícia, o começo deve ser marcado por atividades simples, que sejam centradas em dividir como todos estão se sentindo. “O professor pode falar: ‘pessoal, eu me sinto assim. Como vocês se sentem? E depois passar algumas aulas ouvindo, contextualizando, explicando o funcionamento em si da doença, oferecendo diferentes maneiras para os estudantes se expressarem e criando esse ambiente seguro de aprendizagem.”
Esses momentos podem ser trabalhados dentro das disciplinas, com exercícios de escrever cartas em primeira ou terceira pessoa sobre algum acontecimento interessante dos últimos meses na aula de literatura, por exemplo, ou unir escrita e desenhos, expressões corporais, ou pensar no que aprendeu durante a quarentena sobre a importância de vacinas na aula de química.
A especialista também aponta o uso das competências da BNCC para guiar a volta às aulas, com cada dia dedicado a trabalhar uma competência, por exemplo, e o uso de estratégias da ciência da aprendizagem. Uma delas é a prática do “pensar em pares e compartilhar” (do inglês “think-pair-share”): o professor propõe uma pergunta no início da aula e, depois de pensar sobre o tema durante poucos minutos, os estudantes devem compartilhar com o colega do lado.
Também existe a prática da retomada, que consiste na realização de perguntas e resgate de associações sobre determinado tema. “Pode ser que eles não tenham nenhum conhecimento sobre o que foi perguntado, mas só de tentar buscar conhecimento na memória de longo prazo, você permite que todas as próximas informações que vão vir pelo professor sejam trabalhadas e armazenadas em uma memória de longo prazo com mais eficácia”, explica Leticia.
O aluno no centro do processo de aprendizagem
As dicas mencionadas acima estão relacionadas ao conceito de aprendizagem ativa, que significa colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem e incentivar que ele seja o protagonista na construção do próprio conhecimento, conforme explica Julci Rocha, professora do Instituto Singularidades.
Para ela, a construção de conhecimento centrada nos alunos envolve processos cognitivos mais profundos, com capacidades como interpretar, analisar, sintetizar e avaliar, e é importante que professores deem a oportunidade para que isso aconteça.
“O professor precisa pensar espaços, tempos e estratégias que considerem diferentes ritmos e estilos de aprendizagem. Quando se pensa em conteúdo, naturalmente eles têm uma ideia de que precisam fornecer algo para o aluno entender e, a partir disso, propor alguma atividade. É o que estamos tentando superar na educação”, defende.
A oportunidade em meio à pandemia
Julci cita reflexões de Charles Fadel sobre como adiciona-se mais conteúdos aos currículos, sem uma reflexão sobre o que de fato importa para os estudantes, por exemplo, no ano 2020 do século 21. “Acredito que a Base faz uma provocação nesse sentido, mas nosso núcleo [de conteúdos] ainda é muito inchado. Vejo isso como uma oportunidade de a escola repensar a forma como trabalha e de fato discutir o que é fundamental, aquilo que precisamos dar conta para todos os alunos e o que teremos que rediscutir e reconstruir em um processo de reforço, que não vai acontecer esse ano.”
Para a especialista, a ideia de um currículo “para todos”, onde todos os estudantes caminham lado a lado, são práticas pedagógicas tidas como ultrapassadas e, nesse sentido, a pandemia coloca a oportunidade de introduzir novas metodologias.
“Trabalhar com alunos de diferentes níveis é uma super oportunidade, assim como professores se colocarem na posição de tutores e trabalharem com roteiros de estudos. É algo que, do ponto de vista pedagógico, é simples de fazer: basta uma mudança de olhar dos docentes. É necessário pensar em roteiros com tempos flexíveis e etapas claras, permitindo que o aluno continue produzindo independente do seu ambiente. Nesse caso, o momento presencial das aulas seria usado para o acolhimento, fazer uma tutoria mais próxima e entender as dúvidas para melhorar os próximos roteiros.”
O feijão com arroz
Especialista em integração de tecnologias e metodologias ativas, Julci reforça a potência de aprendizados de componentes curriculares quando um aluno recebe a proposta de produzir conteúdo usando tecnologias digitais. Entretanto, ela pontua que não acredita que serão as tecnologias de ponta (o uso do high tech), que irão transformar a educação – sobretudo considerando diferenças de acesso que marcam o território brasileiro –, mas sim “o bom uso do arroz e feijão”, aliado ao foco em metodologias ativas, colaboração e personalização do ensino.
Nesse sentido, inovar a partir de tecnologias simples já disponíveis é um dos caminhos apontados. “É possível usar uma ferramenta de publicação, por exemplo, com um espaço onde organizo aquilo que acho importante de o aluno ter acesso, disponibilizo um roteiro de estudos que vai balizar a investigação dele, um espaço onde ele possa entregar de forma esquematizada aquilo que demandei e espaços de comunicação comigo e com os colegas. Isso já é exemplo de uso da tecnologia com três focos, e dentro deles há milhões de opções.”
A mudança de abordagem, entretanto, nunca estará na tecnologia em si, mas na forma com que a educação faz uso das mesmas. “Em uma apresentação de slides, que é um recurso bem simples, cada aluno pode produzir uma síntese sobre um tema, e o conjunto da turma vai compor o arquivo final, ou cada slide pode ser a compreensão de cada um estudante sobre o conteúdo. Dessa perspectiva de recursos que permitem produção, são possíveis várias experiências.”
Próximos passos
As duas especialistas afirmam que o retorno às aulas presenciais vai demandar uma série de adaptações. Segundo Julci, para que mudanças pedagógicas efetivas possam acontecer e perdurar, é necessário que a mudança de olhar vá além do corpo docente e envolva também a gestão escolar. “Uma mudança institucional de prática pedagógica pode acontecer da base para o topo, mas é muito menos estruturante e perene se a gestão não estiver envolvida.”
Quando o assunto é prática docente na volta às aulas, ela reforça que não se deve pensar em ministrar a mesma aula para todo mundo, e nem transmitir a aula presencial. “Se encarar a perspectiva de dar a mesma aula, o professor terá que pensar em mil coisas e formas de encaixar tanto trabalho, quando um roteiro de estudos, por exemplo, pode ser realizado de qualquer lugar.”
Já Letícia afirma que um dos caminhos possíveis é que professores mantenham algumas das práticas que precisaram desenvolver durante o período de aulas virtuais. “Os professores dançaram, gravaram, se reinventaram e fizeram várias coisas que ajudaram os estudantes a se engajar. Trazer isso para o presencial pode ser muito rico. Outra coisa que aprendemos no online e que pode continuar ajudando no presencial é apresentar a informação de várias maneiras, porque nosso cérebro aprende de muitas formas.”
Segundo ela, trabalhar uma competência ou conteúdo em múltiplos formatos aumenta as chances de que ele fique “ancorado” no cérebro, ou seja, tenha mais referências que deixem ele vivo.