Propostas de regulamentação do fundeb
O QUE DIZEM AS DIFERENTES PROPOSTAS DE REGULAMENTAÇÃO DO FUNDEB
Propostas da deputada Professora Dorinha e do senador Randolfe Rodrigues têm diferenças importantes em pontos como o CAQ e fatores de ponderação
O novo Fundeb precisa ser regulamentado até o fim do ano para que as novas regras valham já em 2021. Ou seja, há poucos meses para a tramitação de vários pontos importantes, como os fatores de ponderação para diferentes etapas e modalidades de ensino. A discussão parlamentar ainda não começou, embora dois projetos de lei (PL) já tenham sido apresentados: um pela deputada Professora Dorinha (DEM-TO) e um pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Os projetos têm convergências – inclusive, o de Randolfe utiliza o texto da deputada como base -, mas também diferenciam-se em pontos importantes. O PL apresentado por Dorinha, por exemplo, não cita diretamente o Custo Aluno-Qualidade (CaQ) em nenhum momento, deixando-o para posterior regulamentação. A deputada, relatora da PEC do Fundeb na Câmara, apresentou seu PL ainda em agosto, assim que a Emenda Constitucional 108, que torna o Fundeb permanente, foi promulgada. Já Randolfe tornou pública sua proposta em meados de setembro. O PL 4372/2020, de Dorinha, aguarda despacho do presidente da Câmara para iniciar a tramitação, ao passo que o PL 4519/2020, de Randolfe, aguarda distribuição para as comissões.
Com base nos pontos de atenção levantados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação para essa fase, comparamos os projetos de lei e analisamos o que significam suas diferenças. Com a ajuda de especialistas e profissionais da educação, levantamos os pontos fortes e brechas dos PLs, acrescentando também o que propõem para o enfrentamento do racismo e para assegurar a laicidade na educação.
Confira:
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Não menciona o CAQ diretamente ou explicita a relação do mecanismo constitucional com o Fundeb. Apenas reproduz, no artigo 42, que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão assegurar no financiamento da educação básica, previsto no art. 212 da Constituição Federal, a melhoria da qualidade do ensino, de forma a garantir padrão mínimo de qualidade definido nacionalmente”.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Menciona o CAQ, estabelecendo-o como referência para o Fundeb, prevendo que sua regulamentação deve acontecer em até um ano. Tal regulamentação definirá o Custo Aluno Qualidade (CAQ) e o adicional CAQ, incorporado no artigo 40 do projeto (ver item 5). No entanto, o projeto já especifica alguns insumos indispensáveis no artigo 1º: Número adequado de alunos por turma; Valorização dos profissionais da educação básica pública; Biblioteca ou sala de leitura com acervo; Laboratórios de Ciências e de Informática; Internet banda larga; Quadra poliesportiva coberta; Acessibilidade; Saneamento básico; Acesso à luz elétrica; Acesso à água potável.
“A omissão do CAQ no PL 4372 é uma grande ausência, porque ele foi incluído na Emenda 108 como sendo a referência para a definição de padrões mínimos de qualidade de ensino. O PL não faz qualquer referência a relação entre CAQ e Fundeb. Na mesma linha, a inclusão do Adicional CAQ como uma quarta modalidade de complementação no PL 4519 é muito importante. Não é possível continuar o financiamento sob a lógica dos recursos disponíveis.” – Nalú Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca).
“Certamente a regulamentação do CAQ será disputada, sob pena de repetição da necessidade de judicialização do FUNDEF” – Elida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo.
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Propõe manter os fatores de ponderação atualmente em vigor até atualização da lei em em 2022.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Corrige os fatores de ponderação já em 2021, a fim de ajustar a distância entre o custo real e o repassado pelo Fundeb em algumas modalidades e etapas. Uma vez que o CAQ for definido na regulamentação do Sistema Nacional de Educação, os fatores de ponderação serão ajustados novamente.
O fator sugerido para educação escolar indígena, quilombola e educação no campo é o que recomendava a nota técnica “O Novo Fundeb e a Educação Escolar Indígena, Quilombola e em Territórios de Vulnerabilidade Social”, apresentado pelo Capítulo Brasil da Rede Internacional Gulmakai, apoiado pelo Fundo Malala.
“A ideia do fator de ponderação é equilibrar o custo efetivo por aluno ao que é repassado via Fundeb. O problema é que, hoje, os fatores não correspondem ao custo real das matrículas, sobretudo no caso da creche, educação indígena, do campo, quilombola e educação de jovens e adultos. Por isso, a necessidade de alteracão é urgente, inclusive como forma de impulsionar o aumento das matriculas nessas etapas e modalidades. Nossa interpretação é que essa desvalorização relativa tem funcionado como fator inibidor do reconhecimento e ampliação de matrícula nas etapas e modalidades em que os fatores de ponderação são mais distantes do custo real.” – Salomão Ximenes, Professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC.
FATORES DE PONDERAÇÃO PROPOSTOS
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Permanece a possibilidade de que instituições privadas sem fins lucrativos e conveniadas recebam recursos do Fundeb. Estas valem para educação infantil (creches para crianças de até três anos), educação do campo oferecida em instituições reconhecidas como centros familiares de formação por alternância e educação especial. Também podem receber por até seis anos as pré-escolas que atendam às crianças de 4 e 5 anos.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Estabelece prazo de 6 anos para que os recursos do Fundeb não sejam mais repassados a instituições privadas sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público. Esses repasses passam a ser, portanto, excepcionais e serão progressivamente direcionados a instituições públicas de ensino. Nesse intervalo, estão autorizadas a receber o repasse excepcional as instituições que oferecem educação infantil (creches para crianças de até três anos), atendimento educacional especializado na modalidade educação especial e educação do campo oferecida em instituições reconhecidas como centros familiares de formação por alternância. Exclui-se o custeio de matrículas privadas conveniadas de pré-escola. Entre as condições que tais instituições devem cumprir, adiciona-se atenção à função pública, atender a condicionalidades de gestão democrática e respeitar o princípio da laicidade da educação pública.
“Se estamos definindo uma política de caráter permanente de fortalecimento da educação pública, não faz sentido perpetuar as parcerias e convênios entre poder público e instituições sem fins lucrativos. Por isso, o cômputo de matrículas de instituições sem fins lucrativos deve ser tratado como algo excepcional, enquanto se implementa o CAQ e, com novos recursos, se expande a rede pública. No entanto, o PL 4372 estabelece um prazo apenas para a pré-escola.” – Nalú Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca).
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Estabelece que os conselhos instituídos para acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos dos Fundos serão criados por legislação específica. Em âmbito federal, devem ser compostos por no mínimo 13 membros, sendo 1 representante do Conselho Nacional de Educação; um do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação, um da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, um da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME, dois de pais de alunos da educação básica pública; e dois representantes dos estudantes da educação básica pública, sendo um deles indicado pela União Brasileira de Estudantes Secundaristas.
No âmbito estadual, são 12 membros, sendo um representante do Conselho Estadual de Educação; um da seccional da UNDIME; um da seccional da CNTE; dois pais de alunos da educação básica pública; e dois representantes dos estudantes da educação básica pública, sendo um indicado pela entidade estadual de estudantes secundaristas. Já em âmbito municipal os conselhos terão 9 membros, sendo um representante dos professores da educação básica pública; um dos diretores das escolas básicas públicas; um dos servidores técnico-administrativos das escolas básicas públicas; dois representantes dos pais de alunos da educação básica pública e dois representantes dos estudantes da educação básica pública, um dos quais indicado pela entidade de estudantes secundaristas. Quando houver um representante do Conselho Municipal de Educação e do Conselho Tutelar, eles também podem compor os Conselhos municipais.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Os Conselhos têm mais membros em sua composição mínima (16 em âmbito federal, 13 em âmbito estadual e 10 em âmbito municipal) com inclusão de representação de organizações civis – excluídas entidades religiosas e partidos políticos. Há a previsão do dever de garantir, em regime de colaboração, programas de apoio e formação aos conselheiros.
“O desenho adequado do controle não se resume a controle social, mas passa pela dimensão ampla do próprio CAQ e do dever de aderência ao planejamento educacional. Temo que isso não saia do papel.”- Elida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo
“Os projetos de lei reforçam a importância da transparência no uso dos recursos e do controle social. Detalham a composição e a atuação dos conselhos de acompanhamento. São aspectos bastante contemplados, mas ainda incompletos. No PL 4372, é preciso reforçar a representação da sociedade civil na composição dos conselhos. E ambos os projetos [4519 e 4372] poderiam reforçar as atribuições dos conselhos e a garantia de que tenham infraestrutura, acesso automático e direto a prestações de contas. Também é importante especificar quais são as atribuições desses conselhos em relação a outros programas.” – Nalú Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca).
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): O repasse da complementação da União se divide em 10% via VAAF (atual modelo de repasse, destinado a estados e Distrito Federal), 10.5% via VAAT (destinado a rede municipal, estadual ou distrital) e 2.5% via VAAR, destinado a redes públicas que alcançarem evolução de indicadores de atendimento e melhoria da aprendizagem. Este último referencial deve valer a partir de 2023 – por isso, a Lei deve ser atualizada até 2022 com a definição desses indicadores de melhoria. O projeto menciona que a melhoria da aprendizagem deve ir na direção de reduzir desigualdades nos termos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb).
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): A divisão do repasse de complementação dos recursos por parte da União segue a mesma lógica do PL da Deputada Prfa Dorinha, só que VAAR foi redenominado “VAAE”, com o E significando “equidade”, ressaltando o objetivo equitativo do Fundo e explicitando que a qualidade na educação não se restringe a resultados obtidos em avaliações de larga escala, como o Ideb. Também incluiu e definiu a complementação adicional Custo Aluno Qualidade (CAQ) – com o repasse necessário para atingir o índice – , a ser regulamentada em lei complementar.
“Entendendo que a discussão sobre a distribuição de 2.5% da complementação da União ainda vai acontecer, defendemos que considere a relação raça/cor, um VAAR em que o “R” é de raça. A ideia de políticas afirmativas na distribuição de recursos não é nova, e a EC 108 respalda a discussão ao afirmar que é preciso assegurar equidade no ensino obrigatório. Equidade abrange várias diferenças, mas entendemos que a raça as contempla, visto que no Brasil as relações raciais são estruturantes. Basta lembrar que no estado de São Paulo a inclusão da população negra na educação pública marcou também a queda no custo investido por aluno.” – Eduardo Januario, doutor em História Econômica, especialista em finanças públicas e professor da Faculdade de Educação da USP.
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Menciona a necessidade de implantar Plano de Carreira e remuneração digna dos profissionais da educação básica. Estabelece também que os Planos de Carreira deverão contemplar capacitação profissional especialmente voltada à formação continuada com vistas na melhoria da qualidade do ensino. Não menciona o piso salarial nacional do magistério.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Adiciona outros elementos a serem implantados por meio dos Planos de Carreira e remuneração dos profissionais da educação básica, como: valorização real do piso salarial profissional nacional, com o vencimento inicial das carreira e licenças remuneradas; incentivos para qualificação profissional; consideração das especificidades socioculturais das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas no provimento de cargos efetivos para essas escolas. Detalha a vedação ao pagamento de aposentadorias e pensões com recursos vinculados ao ensino a fim de dar maior segurança jurídica aos gestores.
“O artigo 44 do PL 4372 é muito genérico e marcado pela ausência do piso salarial profissional nacional para profissionais da educação. Já há uma lei sobre isso, é preciso reforçá-la, mencionar o piso.” Nalú Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca).
A regulamentação do Sistema Nacional de Educação é necessária para operacionalizar todo o Fundeb, principalmente por conta do Custo Aluno-Qualidade (CAQ).
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Não menciona a regulamentação do SNE.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Aproveita a proposta de regulamentação estendida do Fundeb para vincular as regulamentações de Fundeb, SNE e CAQ. Em um primeiro momento, o Fundeb estabelece a complementação do CAQ. De acordo com o PL, caberia então à lei do SNE regulamentar o CAQ, para este ser então incorporado via complementação adicional e fatores de ponderação.
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Não menciona o tema, apenas explicita que a União desenvolverá e apoiará políticas de estímulo às iniciativas de melhoria de qualidade do ensino, acesso e permanência na escola “em especial aquelas voltadas para a inclusão de crianças e adolescentes em situação de risco social”.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Prevê a inclusão de mecanismos complementares de correção de desigualdades voltados a assegurar recursos adicionais para escolas situadas em territórios de alta vulnerabilidade social, e em territórios indígenas ou quilombolas, ou com significativa matrícula dessas populações.
Incorpora recomendações da Nota Técnica “A importância do Novo Fundeb para a garantia do Direito à Educação Escolar Indígena e Quilombola e em Territórios de Vulnerabilidade Social”. Estabelece o Adicional CAQ para os territórios de alta vulnerabilidade social com predomínio de população negra e indígena. Prevê aumento do fator de ponderação para as modalidades de educação escolar indígena e quilombola e que territórios etnoeducacionais indígenas e consórcios intermunicipais quilombolas poderão acessar recursos do Fundeb. Estabelece mecanismo para o controle social de execução de gastos, visibilizando se o dinheiro do Fundeb será usado para fortalecer a educação escolar indígena, quilombola e outras modalidades. Estabelece a implementação da LDB alterada pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008 como critério para aprovação de contas de municípios e estados referentes ao Fundeb.
“A ideia do adicional CAQ é investir mais recursos em territórios marcados por desigualdades raciais. É uma medida de ação afirmativa na política educacional com foco no enfrentamento ao racismo. As propostas da Nota Técnica visam fortalecer o Fundeb como política de ação afirmativa, garantindo mais recursos pras escolas e territórios com predomínio de população negra.” – Denise Carreira, coordenadora da Ação Educativa.
PL 4372/2020 (Deputada Prfa Dorinha): Não menciona o tema explicitamente.
PL 4519/2020 (Senador Randolfe Rodrigues): Explicita que instituições religiosas não poderão receber recursos do Fundeb e que representantes de instituições religiosas não poderão ser representantes nos Conselhos do novo Fundo.
Reportagem: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira