ProUni, ociosidade de vagas
ProUni enfrenta ociosidade de vagas
O ProUni enfrenta desafios, como a ociosidade de vagas e a necessidade de garantir que os estudantes que mais precisam tenham não só acesso ao programa, mas também condições financeiras para a permanência.
Publicado em 06/06/2025 por Ensino Superior
Diversos fatores podem contribuir para a ociosidade das vagas (foto: Shutterstock)
Por Raul Galhardi
Há duas décadas, o Programa Universidade para Todos (ProUni) era criado com o objetivo de abrir as portas das IES a milhares de jovens brasileiros de baixa renda. Desde então, o programa concedeu 3,4 milhões de bolsas de estudo, integrando-se como uma das principais políticas públicas educacionais do país.
Instituído pela Lei 11.096/05, o ProUni oferece bolsas de estudo integrais, que cobrem 100% da mensalidade, e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior a brasileiros que possuem renda familiar de até 3,5 salários mínimos para bolsas parciais e de até 1,5 salário mínimo para integrais, que não tenham diploma de nível superior e que tenham feito o Enem.
Apesar do seu sucesso, o ProUni enfrenta desafios, como a alta ociosidade de vagas e a necessidade de garantir que os estudantes que mais precisam tenham não apenas acesso ao programa, mas também condições financeiras para permanecerem nas IES até o final dos cursos. Das 652.273 bolsas disponibilizadas em 2024, apenas 26,2% delas foram usadas. Há 10 anos, em 2015, o cenário era o oposto, com apenas 25% das bolsas ociosas.
“O ProUni é um programa exitoso. Ele teve um crescimento muito grande entre 2005 e 2019, quando o número de estudantes matriculados por meio do programa cresceu 543%. De 2019 até 2023, entretanto, houve uma redução de 34% de alunos matriculados no programa”, destaca Lúcia Teixeira, presidente do Semesp e da Universidade Santa Cecília (Unisanta).
Por isso, ela ressalta a necessidade de políticas de fortalecimento do programa, como ampliar a campanha de divulgação, que teria diminuído ao longo do tempo, e aumento da oferta de bolsas integrais.
“O ProUni promove oportunidades de ingresso aos mais vulneráveis com uma amplitude geográfica sem precedentes, oferecendo vagas por meio da rede privada, que está distribuída em todo o território nacional, chegando a cidades e regiões onde não há instituição da rede pública de ensino superior instalada”, defende Luciana Fernandes, especialista em ProUni e Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Educação (CEBAS) com 30 anos de experiência na área de educação.
Para ela, diversos fatores podem contribuir para a ociosidade das vagas, como a queda do número de alunos inscritos no Enem. Segundo dados da 15ª edição do Mapa do Ensino Superior no Brasil, publicado pelo Instituto Semesp, de 2013 a 2024 o número de inscritos no Enem caiu aproximadamente 40%. Outros motivos, segundo Luciana, são o limite de dois anos para utilização do exame e o limite de renda para usufruir das bolsas.
“É preciso revisar esse limite de renda levando em consideração as diferenças regionais existentes no país, onde um salário mínimo e meio é pouco para algumas regiões que têm salários mais altos e as pessoas continuam com muita dificuldade de arcar com suas mensalidades, no caso de bolsas parciais, tendo em vista que existem outros custos necessários (transporte, alimentação, material didático, moradia, por exemplo) para manter os estudos”, aponta a especialista.
A IES que adere ao programa fica isenta de impostos e contribuições no período de vigência do termo de adesão. São eles o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica; a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido; a Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social; e a Contribuição para o Programa de Integração Social.
As IES filantrópicas são obrigadas a conceder bolsas de estudo para seus alunos, sob pena de perder o CEBAS, certificado que permite a isenção de impostos e outros benefícios para as entidades beneficentes. Segundo a lei, as instituições devem conceder uma bolsa integral pelo programa para cada cinco alunos pagantes.
“Quanto à qualidade dos cursos nas IES privadas, diversas vezes enxergada como duvidosa, cabe relembrar que são avaliadas constantemente pelo MEC por meio da Lei do ProUni, que prevê que aqueles cursos que não atenderem aos parâmetros mínimos de qualidade estabelecidos na Lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) não podem ofertar bolsas pelo programa. Se são avaliadas pelo MEC e recebem conceitos que as tornam aptas a ofertar vagas, o fazem porque foram consideradas com qualidade”, diz Luciana.
Desvalorização do diploma
De acordo com o Censo da Educação Superior 2023, apenas 21,6% dos jovens entre 18 e 24 anos estão no ensino superior. O Brasil ainda está longe de cumprir a meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% entre a população dessa faixa etária até 2024. Talvez a questão não seja apenas a falta de recursos.
Para Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP, há um fator crescente e preocupante que explica esse cenário: a desconfiança de que a escolarização superior propicia melhores salários. “Ela ainda propicia, mas cada vez menos. Vinte e dois anos de escolarização – 17 anos de educação básica e 5 anos de graduação – não têm dado o resultado econômico esperado. Esse problema não é só do Brasil, mas aqui é dramático”, afirma. Haveria, portanto, segundo ele, um crescente desalento educacional.
Dados do IBGE corroboram essa tese. Entre 2012 e 2024, o número de pessoas no mercado de trabalho com diploma de curso superior quase dobrou, de 12 milhões para 22,4 milhões. Porém, quando se analisa a renda desses indivíduos, percebe-se uma queda no salário médio de quem tem diploma universitário, que caiu quase 12% em 12 anos, indo de R$ 7.495 em 2012 para R$ 6.619 em 2024, já incluindo no cálculo a inflação do período. Estão entre os fatores responsáveis por este cenário a precarização do trabalho, o aumento da informalidade entre os mais escolarizados e o aumento da escolaridade da mão de obra, o que tende a afetar o prêmio salarial do ensino superior, já que indivíduos com diploma universitário não são mais tão escassos quanto antes.
Diante desse cenário de desvalorização do diploma de ensino superior, cresce o “mito do empreendedorismo”, que leva muitas pessoas a acreditarem que alcançarão a riqueza por meio de negócios próprios ou da atuação em redes sociais como influenciadores digitais.
“Esse mito gera a enorme distorção de que é possível alcançar a ascensão social usando uma estratégia para além da escolarização. Entre os influenciadores, são apenas algumas centenas ou milhares aqueles que de fato ganham dinheiro suficiente para gerar uma ascensão social”, explica Cara. O problema, segundo ele, é que essa ideia adquiriu inserção, especialmente entre os mais jovens consumidores de redes sociais.
Segundo o professor, isso está vinculado à crise do “efeito demonstração da escolarização”. “A única alternativa de ascensão social estabelecida no Brasil e em praticamente todos os países do mundo é a via da escolarização, mas ela tem apresentado resultados muito tímidos devido ao excesso de diplomas diante do nosso restrito mercado de trabalho, o que torna o efeito demonstração de baixa qualidade”, defende.
“Nosso mercado de trabalho é restrito porque não existe uma economia efetivamente de escala, desenvolvida, com complexidade, para poder gerar bons salários. Portanto, a questão não é só de política educacional, mas econômica também”, avalia.
Futuro do programa
São inegáveis os méritos do ProUni, o que não exclui a necessidade de o programa ser melhorado e ampliado. Para Luciana, o serviço educacional desenvolvido pelas instituições privadas no país é extremamente relevante em termos de alcance da população porque elas possuem uma enorme capilaridade em relação à extensão geográfica, chegando a municípios aonde as instituições públicas não chegam e levando junto com isso o ProUni. “A rede pública não tem capacidade de atender a toda a demanda para o ensino superior. Assim, as instituições privadas e públicas se somam no acesso ao ensino superior no Brasil”, constata ela.
Lúcia Teixeira, presidente do Semesp, avalia a vantagem obtida na redução do custo médio por aluno, que é maior nas universidades públicas do que nas privadas. “O Estado brasileiro, de 2005 a 2023, economizou R$ 224 bilhões com as bolsas no ProUni. É uma economia de mais de 2% do PIB”, afirma.
Além dos desafios já discutidos, Luciana lembra que é preciso também flexibilizar a oferta de bolsas em cursos e turnos com maior demanda dos setores da economia local e regional. “Há um excesso de bolsas concedidas pelas IES de forma obrigatória para atenderem às regras do programa em cursos em que não há demanda suficiente para preenchê-las, enquanto nos cursos e turnos mais procurados faltam vagas”, explica.
Quanto a uma política pública para aumentar a adesão ao ProUni ou projetos de mudança de regras para um futuro próximo, o MEC afirma apenas que “avalia continuamente possíveis aprimoramentos dos seus programas de acesso ao ensino superior, como o ProUni”. Em relação à ociosidade de bolsas, o MEC afirma que ela foi detectada desde o começo do programa, e que “há variados fatores que a impactam, mas há todo um esforço da equipe técnica do MEC para mitigá-la”, sem mencionar exemplos desse esforço.
O primeiro da família
“Morei na favela até os 28 anos e estudei na escola pública até o colegial. Eu e meus pais não teríamos a menor condição de pagar uma graduação na PUC-SP”, afirma Adriano Lira, 34 anos. Graças a uma bolsa integral do ProUni, ele ingressou e se formou em Jornalismo pela instituição filantrópica, o que facilitou o seu ingresso no mercado de trabalho.
Nascido em São Paulo, filho de migrantes nordestinos de Tauá (CE), Adriano foi a primeira pessoa da sua família a obter um diploma de ensino superior. Hoje ele é especialista em relações públicas em uma empresa de serviços financeiros.
Caso não tivesse entrado na PUC-SP, teria perdido uma oportunidade que mudou a sua vida: ser selecionado em 2011 para o programa de intercâmbio gratuito Ship for World Youth Program, organizado pelo governo do Japão. A iniciativa ocorre todos os anos e busca criar cooperação internacional por meio de jovens líderes mundiais que, durante cerca de um mês e dez dias, discutem problemas globais percorrendo por navio o Japão e vários países.
“Eu só fui selecionado para o programa porque o então ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), decidiu que alunos de Humanas com altas notas no Enem e bolsistas do ProUni deveriam ter essa chance. Antes, a seleção focava em alunos de universidades federais”, explica ele.
Graças ao intercâmbio, onde pôde praticar inglês avançado, e ao fato de poder cursar uma universidade de ponta, Adriano conseguiu pleitear vagas na grande imprensa e em grandes empresas. “Pude competir em pé de igualdade com pessoas que tiveram muito mais oportunidades do que eu”, afirma o ex-prounista.
Em relação à manutenção dos estudantes nos cursos, Adriano entende que o programa deveria aperfeiçoar mecanismos que permitam ao bolsista ter condições financeiras para terminar a graduação e acompanhar as aulas. “Entendo que a bolsa permanência, que nem existia na minha época, precisa ser reajustada. Ela mal dá para custear o transporte público numa cidade como São Paulo”, avalia.
Para Adriano, quanto mais iniciativas que visem ajudar pessoas e grupos sub-representados a estudar, melhor. “A educação, por mais que o TikTok queira nos mostrar o contrário, ainda é a melhor opção para a ascensão social neste país”, afirma.
“Muita gente não consegue acompanhar as aulas, porque não teve uma educação básica de qualidade e não vamos conseguir resolver o problema da educação básica tão cedo. Apesar disso, o ProUni dá uma chance para as pessoas tentarem mudar de vida. A oportunidade está na mesa. Para pessoas com vontade, muitas vezes basta apenas uma oportunidade”, finaliza.
_Números do ProUni
Confira abaixo um resumo do programa em números neste seu vigésimo aniversário:
– 3,4 milhões de estudantes beneficiados;
– 2,5 milhões receberam bolsas integrais (72%) e 947 mil receberam bolsas parciais (28%);
– Entre os beneficiados, mulheres (56%) e negros (55%) são a maioria;
– Administração é o curso para o qual foi concedido o maior número de bolsas, sendo mais de 11% do total. Mais da metade dos bolsistas optaram por cursos noturnos;
– O maior grupo de prounistas por faixa etária no ano de concessão da bolsa tinha idade entre 18 e 21 anos, o que representa 52% do total de beneficiários nestes 20 anos do programa;
– Os três estados que mais tiveram bolsas concedidas foram São Paulo (26,7%), Minas Gerais (11,13%) e Paraná (7,39%).
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