Qualidade e a equidade
O que falta para a qualidade e a equidade da educação básica
Por Maria Helena G. de Castro
A educação básica brasileira passou por importantes transformações nos últimos 20 anos. Nesse período, o País conseguiu promover a inclusão da grande maioria de crianças e jovens na educação básica: universalizou-se o ensino fundamental para crianças de 6 a 14 anos, 91% das crianças de 4 e 5 anos estão matriculadas na pré-escola e 83% dos estudantes de 15 a 17 anos frequentam a escola.
Apesar do fantástico processo de inclusão ocorrido nos anos recentes, estamos longe de qualquer comemoração. Somente 60% dos jovens cursam o ensino médio na idade certa; de cada 100 estudantes que ingressam no 1º ano, apenas 59 concluem o ensino médio. Cerca de 20% dos jovens de 18 a 24 anos frequentam o nível superior, o que é pouquíssimo segundo qualquer critério internacional. Além disso, temos 1,7 milhão de jovens de 15 a 18 anos que não estudam nem trabalham.
A trajetória escolar do Brasil é absolutamente incompatível com um país que se encontra entre as 10 maiores economias do mundo, mas bastante compatível com o grau de desigualdade socioeconômica que persiste, em grande medida responsável pelos baixíssimos índices de produtividade e pela elevada concentração da renda.
Em um mundo cada vez mais sofisticado e exigente em termos de qualificação profissional, os dados revelam que grande parte da nova geração terá muita dificuldade de encontrar qualquer ocupação adequada e enfrentar os desafios tecnológicos do nosso século.
O grande problema: a baixa qualidade do ensino e as enormes desigualdades nas aprendizagens. Nossos estudantes aprendem pouco; a maioria sai da escola sem conseguir ler e escrever adequadamente, não consegue se expressar oralmente e não sabe argumentar, tampouco tem os conhecimentos básicos de matemática, como revelam as avaliações nacionais.
O domínio da língua portuguesa deveria ser um dos objetivos centrais da educação básica. No entanto, a dificuldade de ler, interpretar textos simples e comunicar-se oralmente traz limitações dramáticas para o futuro dos nossos jovens, tanto para sua inserção no mundo do trabalho como para o prosseguimento de estudos no nível superior.
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Isso explica, por exemplo, a baixa proporção de egressos de estudantes do ensino médio nas universidades, os elevados índices de evasão nos ensinos médio e superior, a falta de preparo dos jovens para se inserir no mundo do trabalho e os elevados índices de desemprego, principalmente entre a população de 18 a 29 anos.
Melhorar a qualidade e a equidade da educação básica é o principal desafio a ser enfrentado a curto e médio prazos. Qualquer discussão acerca de escolas de excelência no atual contexto da educação brasileira nos obriga a refletir sobre o que queremos para o futuro.
Não adianta investir em ilhas de excelência quando a maioria das crianças e dos jovens sai da escola sem desenvolver os conhecimentos e as competências gerais para exercer plenamente seus direitos como cidadãos preparados para enfrentar os desafios do nosso século.
Questões como a formação integral das crianças e dos jovens, a atenção à primeira infância, a adequação dos currículos e a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as mudanças urgentes no ensino médio, bem como os desafios do financiamento no contexto federativo, são elementos centrais da agenda prioritária de políticas educacionais.
Dessa forma, promover educação de qualidade para todos passa obrigatoriamente pela formação e melhoria da carreira dos professores.
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Não há espaço neste artigo para tratar dos temas que considero prioritários para a melhoria da educação brasileira. Tentarei resumir questões que me parecem relevantes para o debate.
Assim, apresento a seguir um breve diagnóstico, com base nos indicadores e nas evidências produzidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), destacando informações do Censo Escolar de 2017 e resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica/Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Saeb/Ideb/2017), divulgados recentemente pelo Ministério da Educação (MEC). Focarei sobretudo no ensino fundamental, tema desta revista.
Breve diagnóstico
De acordo com o Censo Escolar 2017, o Brasil tem 57 milhões de estudantes, ou seja, um total de alunos equivalente à população da França ou à soma das populações da Argentina, do Chile e do Uruguai. Esses alunos correspondem aos seguintes números de matrículas:
- Educação infantil: 8,5 milhões.
- Ensino fundamental: 27,3 milhões.
- Ensino médio: 7,9 milhões.
- Educação de jovens e adultos: 3,6 milhões.
- Educação profissional: 1,8 milhão.
- Ensino superior: 8,2 milhões.
Na última década, apesar dos avanços na cobertura de educação infantil e ensino superior, as taxas de insucesso continuaram altas. A reprovação e o abandono continuam elevados a partir do 3º ano do ensino fundamental, atingindo níveis inadmissíveis no ensino médio. Na 1ª série do ensino médio, mais de 26% dos alunos abandonaram a escola ou foram reprovados em 2016, e a maioria dos que terminam o nível médio sai da escola despreparada para o mundo do trabalho.
A BNCC como instrumento de melhoria da qualidade
Mais de 98% das crianças de 6 a 14 anos frequentam escolas de ensino fundamental, sendo 15,3 milhões nos anos iniciais (1º ao 5º ano) e 12 milhões nos anos finais (6º ao 9º ano).
Com 10,4 milhões de alunos, as redes municipais concentram 83% dos alunos da rede pública nos anos iniciais. Investir na melhoria da gestão pedagógica dos currículos, assegurar a plena alfabetização até o final do 2º ano e priorizar a formação de professores são os grandes desafios para a melhoria da equidade e da qualidade.
O Brasil tem 12 milhões de estudantes cursando os anos finais do ensino fundamental. Responsável por 42% do total do atendimento, a rede estadual tem 5,1 milhões de matrículas, dividindo a responsabilidade do setor público com os municípios, que também têm 5,1 milhões de matrículas nessa etapa. O setor privado tem 1,8 milhão de matrículas nos anos finais (15%).
Avaliações recentes mostram que a alfabetização ainda é um problema não resolvido. De acordo com dados do Inep, mais de 50% das crianças não estão alfabetizadas no final do 3º ano do ensino fundamental. No Norte e no Nordeste, esse percentual chega a 70%, ou seja, são milhares de crianças que terão dificuldades de aprendizagem, e muitas delas provavelmente abandonarão a escola sem concluir o ensino médio.
Leia mais: Por que uma BNCC para a educação infantil
Além disso, a elevada distorção idade-série no 5º ano mostra que a trajetória dos alunos da rede pública, já nos anos iniciais, tem impactos consideráveis nos resultados observados ao final do ensino fundamental na rede pública: enquanto 24% dos estudantes apresentam atraso escolar ao final do 5º ano na rede pública, apenas 5% deles apresentam um ano ou mais de distorção idade-série na rede privada.
O atraso escolar e as taxas elevadas de reprovação no setor público explicam grande parte dos resultados insuficientes no Saeb.
Nos anos iniciais, os resultados do Saeb e do Ideb 2017 trazem boas notícias. Eles revelam continuidade da tendência à melhoria no final do 5º ano em todos os estados do País.
Entretanto, nos anos finais, os resultados do Saeb 2017 retratam um quadro insatisfatório das aprendizagens: cerca de 60% dos estudantes no final do 9º ano encontram-se no nível insuficiente de proficiência em língua portuguesa e matemática. São alunos que, ao final do ensino fundamental, não aprenderam o mínimo esperado segundo a matriz de avaliação.
Embora todos os estados tenham apresentado ligeira evolução em relação ao Saeb 2015, persiste uma enorme desigualdade na aprendizagem entre as Unidades da Federação. O desempenho médio das escolas de menor nível socioeconômico de Santa Catarina é semelhante ao desempenho médio das escolas com maior nível socioeconômico no Pará. O Ceará é o estado que apresenta mais equidade, ou seja, a menor diferença de aprendizagem entre estudantes de níveis socioeconômicos diferentes.
Infelizmente, os resultados do Ideb nos anos finais do ensino fundamental mostram que a meta proposta não foi atingida em nenhuma Unidade da Federação (Figura).
Em suma, os resultados do Saeb 2017 revelam a persistência de grandes desigualdades de aprendizagem. Há avanços no 5º ano tanto em língua portuguesa como em matemática, ao passo que foram modestos os avanços no 9º ano. O ensino médio continua estagnado, com resultados muito insuficientes.
A baixa qualidade do ensino médio brasileiro, considerando os resultados dos últimos anos, revela a urgência de medidas para reverter esse quadro. Uma proficiência entre 175 e 250 pontos na 3º série do ensino médio significa que o aluno tem severas limitações no domínio do nosso idioma: sabe apenas distinguir entre o que é fato e o que é opinião em um fragmento de texto e identificar a finalidade básica de um texto simples.
É muito pouco.
A implementação das mudanças necessárias para tornar o ensino médio mais atraente e oferecer aos jovens os conhecimentos, as competências e as habilidades requeridos no século XXI exige um grande esforço de cooperação dos atores envolvidos e a construção de consensos mínimos para o avanço do processo.
Uma agenda de prioridades educacionais
O cenário atual da educação brasileira não deixa dúvidas a respeito da urgência de políticas públicas que enfrentem os desafios presentes sem perder de vista o compromisso com o futuro do País. Não existe bala de prata para resolver os problemas aqui destacados.
É necessário pactuar uma agenda de ações articuladas entre os três níveis de governo e os diferentes atores representativos, com base em evidências de pesquisa, para dar conta dos imensos desafios educacionais estratégicos para o desenvolvimento social e econômico do País.
Priorizar ações voltadas para as escolas mais vulneráveis é tarefa necessária para a maior equidade do sistema. Todavia, isso passa por um conjunto articulado de iniciativas que envolvam a educação infantil, a alfabetização, a adequação dos currículos à base nacional e, sobretudo, a formação de professores e a melhoria das carreiras.
Leia mais: Especialistas analisam a crise no MEC e os descaminhos da alfabetização
A complexidade dos desafios para promover educação de mais qualidade e equidade requer grande esforço de integração e fortalecimento da cooperação federativa, respeitando as características histórico-culturais do País, com o propósito de reduzir as desigualdades educacionais e melhorar o acesso, a permanência e as aprendizagens na escola.
Nesse processo, ganha especial relevo a formação de professores e a qualificação de gestores comprometidos com mudanças efetivas. O aperfeiçoamento dos currículos das licenciaturas, com ênfase nas práticas que dão concretude aos fundamentos pedagógicos, e a melhoria das carreiras docentes são aspectos centrais de qualquer proposta de qualidade e excelência na educação.
Artigo originalmente publicado na Revista Pátio Ensino Fundamental nº 88, nov./18-jan./19.
Sobre a autora
Maria Helena G. de Castro é socióloga, mestre em Ciência política, professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conselheira do Conselho Nacional de Educação.
https://desafiosdaeducacao.com.br/qualidade-equidade-educacao-basica/